São Tomé não acreditou em São Pedro e nos demais Apóstolos quando lhe anunciaram a Ressurreição do Senhor. Nós somos convidados a adquirir a
bem-aventurança, crendo no que a Igreja nos ensina.
Evangelho do II Domingo da Páscoa
19 Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e, pondo-Se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”.
20 Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor.
21 Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai Me enviou, também Eu vos envio”. 22 E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. 23 A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”.
24 Tomé, chamado Dídimo, que era um dos Doze, não estava com eles quando Jesus veio. 25 Os outros discípulos contaram-lhe depois: “Vimos o Senhor!” Mas Tomé disse-lhes: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”.
26 Oito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-Se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”.
27 Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel”. 28 Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!” 29 Jesus lhe disse: “Acreditaste, por que Me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!”
30 Jesus realizou muitos outros sinais diante dos discípulos, que não estão escritos neste livro. 31 Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome (Jo 20, 19-31).
I – A primeira aparição de Jesus ao Colégio Apostólico
Nosso Senhor Jesus Cristo, se quisesse, poderia ter ascendido aos Céus imediatamente após a Ressurreição. Entretanto, tal é o seu empenho em nos salvar que quis permanecer ainda quarenta dias na terra, manifestando-Se em várias ocasiões a numerosas testemunhas, para deixar patente sua vitória sobre a morte e demonstrar ser Ele a garantia de nossa ressurreição. Com efeito, todos nós abandonaremos esta vida – uns antes, outros depois –, mas a Fé nos dá a certeza de que, se morrermos na graça de Deus, um dia nos congregaremos no Vale de Josafá (cf. Jl 4, 2), à direita do Supremo Juiz, e, tendo retomado nossos corpos em estado glorioso, subiremos “ao encontro do Senhor nos ares” (I Tes 4, 17), para com Ele habitarmos no Paraíso Celeste. O penhor dessa realidade futura está presente de modo especial no Evangelho proposto pela Igreja para este domingo de encerramento da Oitava da Páscoa.
Um fator providencial: o medo
19a Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou…
O Evangelho se abre com um episódio ocorrido no próprio dia da Ressurreição. Desde a aurora haviam se sucedido umas às outras as notícias sobre as aparições do Senhor e, embora os Apóstolos não lhes tivessem dado crédito, São Pedro e São João haviam constatado estar vazio o sepulcro (cf. Jo 20, 3-8). Ao cair da tarde, ainda os encontramos reunidos no Cenáculo. Temerosos de que os judeus viessem à sua procura e os levassem para a prisão, fecharam bem todas as portas do local. Não obstante, enquanto conversavam – talvez em voz baixa, receosos das ameaças que sobre eles pairavam –, de repente, “Jesus entrou”.
Ora, tudo o que se relaciona com Nosso Senhor tem um profundo sentido. Neste caso, o medo que se apoderou dos Apóstolos foi útil, e até providencial, para lhes oferecer uma prova irrefutável da Ressurreição de Jesus em corpo glorioso, pois se a casa estivesse aberta eles imaginariam que o Mestre havia entrado pelas vias normais. De fato, esse ato de transpor barreiras físicas decorre de uma das propriedades dos corpos gloriosos, a sutileza, pela qual os Bem-aventurados são capazes de atravessar outros corpos sempre que o queiram.1
Isto se explica porque o corpo é o espelho da alma ou, em termos mais exatos, a alma é a forma do corpo. 2 Um líquido, ao ser vertido em um recipiente, toma o formato deste. E, erroneamente, julga-se que a alma é uma espécie de fluido contido numa “taça” chamada corpo, quando na realidade é o contrário: o corpo faz o papel de líquido dentro da “taça”, que é a alma. Assim como o vinho guardado num magnífico tonel de carvalho vai adquirindo algumas de suas qualidades, também o corpo estando na alma recebe as características dela. Por tal razão, se a alma contempla a Deus face a face, ao unir-se novamente ao corpo lhe comunica sua glória, e o corpo se torna espiritual (cf. I Cor 15, 42-44), ou seja, passa a gozar dos privilégios do espírito. 3
Não é difícil, pois, entender porque houve entre os Apóstolos um clima de susto, temor e, ao mesmo tempo, surpresa, quando Nosso Senhor penetrou no Cenáculo, a ponto de São Lucas afirmar que eles pensaram estar vendo um fantasma (cf. Lc 24, 37). Mas Jesus vai apaziguá-los.
Para conviver com Jesus é preciso estar em paz
19b …e, pondo-Se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”.
Em Nosso Senhor tudo tem peso, conta e medida. Não devemos, portanto, compreender tais palavras como sendo uma mera saudação. Qual é o seu significado mais transcendente? Os Apóstolos, enquanto criaturas concebidas no pecado original, tinham más inclinações, tentações e problemas, e é bem provável que não desfrutassem naquele momento da paz de alma própria àqueles cuja consciência está em ordem, livre de escrúpulos ou perturbações. Sem dúvida, o demônio os agitava, especialmente a propósito da entrada de Jesus, incutindo-lhes receio e inquietação sobre sua situação espiritual. Pois, quem pode ter certeza absoluta de que se encontra em estado de graça? Ninguém! E para que aproveitassem ao máximo aquele convívio, o Divino Mestre fez sobre eles uma espécie de exorcismo ao lhes desejar a paz, introduzindo o equilíbrio na alma de cada um e serenando as paixões.
Esta passagem traz um aviso, um conselho e um convite para nós: sempre que procuramos a companhia de Jesus – seja no Santíssimo Sacramento, seja numa cerimônia litúrgica, seja em qualquer circunstância em que elevemos nossa alma até Ele – devemos estar em paz, pois só assim nos beneficiaremos inteiramente de sua presença. Isto é, precisamos aquietar as paixões, eliminar os apegos e as aflições com as coisas concretas e colocarmo-nos em atitude contemplativa. É esta uma das grandes lições da Ressurreição, como aponta São Leão Magno: “Não nos deixemos dominar pelas coisas temporais, que não são senão aparência, e que os bens terrenos não desviem a nossa contemplação dos celestes. Consideremos como ultrapassado o que já quase não existe, e que nosso espírito, preso ao que deve permanecer, fixe seu desejo onde o que se lhe oferece é eterno”. 4
Os Apóstolos comprovam a Ressurreição
20 Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor.
Às primeiras impressões suscitadas pela aparição de Cristo logo sucedeu um afetuoso convívio com os Apóstolos, que puderam vê-Lo de perto e inclusive tocá-Lo, como se deduz do texto de São Lucas, que registra as palavras do Divino Ressuscitado: “Apalpai e vede: um espírito não tem carne nem ossos” (Lc 24, 39). Desta forma, Ele os constituiu testemunhas de sua Ressurreição. E, para que isto fosse completamente fidedigno, apresentou-lhes as mãos com as marcas dos cravos e afastou um pouco a túnica para lhes mostrar o lado transpassado. Eis a que extremos o Divino Redentor chega por amor aos seus!
Compreende-se que São João faça constar o quanto os discípulos se alegraram com isso. Haviam-se dissipado todas as inquietações, graças à paz infundida por Jesus, sem a qual não teriam desfrutado o imenso dom que Ele lhes oferecia ao manifestar-Se. Vemos ainda acentuada a necessidade de nunca abandonarmos o espírito contemplativo – quer estejamos em meio às atividades, quer enfrentando um drama, quer nas ocasiões de júbilo –, bem como a importância de vigiarmos sempre para impedir que nossas más inclinações nos dominem, roubando-nos a paz. No temor, na dor ou na confusão, na euforia, no entusiasmo ou na consolação, nunca devemos perder a paz! Nisto consiste o estado de santidade.
A missão de Jesus continua na Igreja
21 Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai Me enviou, também Eu vos envio”.
Uma vez mais, Nosso Senhor Jesus Cristo lhes recomenda a paz, e depois pronuncia estas palavras simples e sintéticas, mas profundas, dando caráter de oficialidade à missão apostólica. Com que objetivo o Pai enviou Jesus ao mundo? Para salvar os homens, revelando, ensinando, perdoando e santificando, e é esta a missão que o Redentor transfere aos Apóstolos reunidos em plenário, já no primeiro encontro posterior à sua Ressurreição. Tal é a função da Igreja, de modo particular dos que são chamados ao ministério sacerdotal, mas também de todo apóstolo: quanto lhes seja possível, têm obrigação de instruir nas verdades da Fé e encaminhar para o perdão, promovendo a santificação das almas pelo exemplo e pela palavra.
O Sacramento da Reconciliação
22 E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. 23 A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos”.
A seguir Jesus soprou sobre eles – e cabe supor que para isso tenha enchido vigorosamente seus divinos pulmões. Ou seja, Ele quis simbolizar com um ato humano o que expressou com as palavras “recebei o Espírito Santo”, a fim de, estimulados na sensibilidade, melhor compreenderem o que se passava naquele momento: uma verdadeira efusão do Paráclito, embora ainda não em plenitude e com a solenidade que se verificaria mais tarde, em Pentecostes, pois só então lhes seriam infundidos todos os seus dons. O Filho de Deus lhes conferia o poder de perdoar os pecados, deixando a seu encargo “o principado do supremo juízo, para que, fazendo as vezes de Deus, a uns retenham os pecados e os perdoem a outros”. 5 De fato, sem a assistência do Espírito Santo não é possível exercer missão tão elevada, pois o confessor deve tratar cada alma tal como Jesus o faria, sabendo discernir as disposições do penitente, dar-lhe o conselho adequado e estimulá-lo ao sincero arrependimento de suas faltas.
Uma ação divina para entender a Ressurreição
São João conclui aqui o relato desta primeira aparição. Como narra São Lucas, nessa circunstância Nosso Senhor agiu na inteligência dos Apóstolos com uma intervenção direta de seu poder divino, abrindo-lhes “o espírito, para que compreendessem as Escrituras” (Lc 24, 45). Sem tal ação, eles não teriam entendido nada acerca de sua Paixão e Ressurreição, pois, formados segundo a mentalidade judaica da época, tinham uma série de conceitos fixos em função de um Messias adaptado a seus interesses pessoais, que não se identificava com Cristo. Este – o Messias real – era infinitamente superior à figura daquele herói político e dotado de prestígio social que o povo eleito havia concebido, ao longo dos tempos, como sendo o Salvador de Israel.
Os Apóstolos ficaram admiradíssimos com o que viram e comprovaram a Ressurreição – o Senhor inclusive “comeu à vista deles” (Lc 24, 43) –, mas sua fé ainda não havia atingido a plenitude do fervor, entusiasmo e arroubamento que alcançaria na descida do Espírito Santo, depois da Ascensão de Jesus.
II – “Não sejas incrédulo, mas fiel”
Nosso Senhor deixou passar uma semana para lhes aparecer de novo, pois quis que as impressões daquele primeiro encontro se sedimentassem em suas almas. Nesse intervalo, porém, Deus usou de uma curiosa didática para firmá-los na missão de testemunhas da Ressurreição, em face de uma dúvida surgida no próprio Colégio Apostólico.
A dureza de Tomé: pretexto para a ação de Deus
24 Tomé, chamado Dídimo, que era um dos Doze, não estava com eles quando Jesus veio. 25 Os outros discípulos contaram-lhe depois: “Vimos o Senhor!” Mas Tomé disse-lhes: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”.
Tomé, ausente do Cenáculo quando Jesus ali estivera junto aos discípulos, não havia se beneficiado do convívio com o Senhor, e, ao ouvir a notícia, recalcitrou em não acreditar, declarando que só se convenceria se comprovasse por si mesmo a Ressurreição. Ora, nada acontece por acaso. O fato de o túmulo ter sido arrombado de maneira estrepitosa à vista dos guardas, o relato das Santas Mulheres e dos discípulos de Emaús, atestando que o Mestre estava vivo e lhes aparecera, nada disso havia sido suficiente para persuadir aqueles homens eleitos por Deus para serem os fundamentos da Igreja. Era preciso que eles vissem e tocassem com as próprias mãos o Ressuscitado, e ainda sustentassem uma semana de discussão com um irmão de vocação. E São Tomé era a pessoa ideal para isso, pois, como se pode inferir da narração, possuía um caráter obstinado, aferrado às suas ideias, que ninguém mudava; era um espírito positivo, quase cartesiano.
Deus permitiu isso também para que os outros Apóstolos, já trabalhados por Nosso Senhor, tivessem um choque com atitude tão incrédula, e ficasse patente para eles a diferença entre quem ouvira duas vezes “A paz esteja convosco” e quem não fora objeto deste favor. Tomé vinha com a agitação da atividade, com as aflições de quem está alheio à contemplação e, em consequência, fraquejou na fé.
Jesus aparece pela segunda vez
26 Oito dias depois, encontravam-se os discípulos novamente reunidos em casa, e Tomé estava com eles. Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-Se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”.
É interessante notar que Jesus escolhe o mesmo dia da semana em que havia se dado a Ressurreição para Se manifestar novamente. De acordo com os costumes judaicos que observavam o repouso sabático, correspondia à nossa atual segunda-feira. Devido ao fato de Nosso Senhor ter ressuscitado no primeiro dia, este substituiu o sábado, passando a ser comemorado pelos cristãos com a celebração da Eucaristia e denominado domingo, ou seja, dia do Senhor – dies Dominica, conforme encontramos mencionado já no Apocalipse (cf. Ap 1, 10), por São João.
Apesar de todas as graças recebidas na ocasião anterior, os Apóstolos ficam mais uma vez amedrontados. E é compreensível, pois, se a aparição de um Anjo incute temor, como não causaria a de um Deus feito Homem, ostentando em seu Corpo marcas de glória? Por isso Nosso Senhor lhes deseja outra vez a paz. Paz sobrenatural que Ele próprio comunica à alma de cada um.
É na paz que as virtudes se desenvolvem
27 Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel”. 28 Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!”
Assim como fizera aos outros, Jesus apresentou as mãos a Tomé e afastou a túnica, de modo a mostrar a chaga do lado, para que o Apóstolo incrédulo também se tornasse testemunha da Ressurreição. O felix culpa! Ao tocar nas sagradas chagas, São Tomé deu-nos a prova de que era realmente o Corpo do Divino Mestre, curando “em nós as chagas de nossa incredulidade. De maneira que a incredulidade de Tomé foi mais proveitosa para nossa fé do que a fé dos discípulos que acreditaram, porque, decidindo aquele apalpar para crer, nossa alma se afirma na fé, descartando toda dúvida”. 6 E naquele momento Nosso Senhor Jesus Cristo, Criador da graça e em quem estão todas as graças, agiu em sua inteligência, infundindo-lhe uma fé extraordinária que o levou a reconhecer a sua divindade. Ele teve uma experiência mística de que ali estava a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, a natureza divina unida à natureza humana, e de seus lábios brotou uma exclamação que era o máximo que ele poderia dizer, um verdadeiro ato de adoração: “Meu Senhor e meu Deus!” Bastou tocar no Homem-Deus para alcançar a fidelidade que lhe faltava!
Há ainda nesta passagem outro aspecto que merece nossa atenção: tudo isto aconteceu depois de São Tomé receber a paz de Nosso Senhor. Do contrário, embora ele pusesse a mão na chaga de nada aproveitaria, porque é na paz que a fé, a esperança, a caridade – enfim, todas as virtudes – se desenvolvem.
O principal erro de São Tomé
29 Jesus lhe disse: “Acreditaste, por que Me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!”
Este versículo ressalta o contraste entre o caráter divino da Igreja e o seu elemento humano. Este último é incrédulo e, no fundo, infiel, pois é constituído de pessoas concebidas no pecado original e que, portanto, têm debilidades. Mas, enquanto instituição erigida por Cristo para santificar e salvar, ela é impecável, e nenhuma imperfeição humana atinge sua divindade.
É este o principal erro de São Tomé. Ele não acreditou no testemunho de São Pedro e dos outros Apóstolos, que tinham visto e tocado, como se dissesse: “Não aceito o que o Papa afirma nem o que todos os Bispos afirmam junto com ele; só creio naquilo que constato”. Por ter reagido assim, a São Tomé não coube o mérito daqueles que acatam a palavra da Igreja. Logo, ao declarar bem-aventurados os que creem sem ter visto, Nosso Senhor sublinha nossa dependência em relação à infalibilidade pontifícia e a necessidade de acolhermos a Tradição da Igreja transmitida através dos legítimos sucessores dos Apóstolos.
O testemunho de São João
30 Jesus realizou muitos outros sinais diante dos discípulos, que não estão escritos neste livro. 31 Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.
São João escreveu seu Evangelho, que é o último, no fim do primeiro século, muitos anos depois de concluídos os outros três. Dir-se-ia não ser necessário redigi-lo, porque a história de Jesus já estava contada nos sinópticos. No entanto, o Discípulo Amado tinha aos seus cuidados as comunidades cristãs da Ásia Menor, nascidas sob o influxo do apostolado de São Paulo, e compôs o quarto Evangelho com o objetivo de proteger os fiéis das heresias que começavam a grassar naquela época, criando confusão a respeito de Jesus Cristo. Sobretudo, visava combater a doutrina gnóstica, que negava a Encarnação do Verbo, bem como a união hipostática, e considerava apenas a humanidade de Cristo. 7 São João quis corrigir essa visualização humana – a qual tantas vezes se repetiu ao longo da História –, deixando consignada uma verdadeira exposição doutrinária sobre a divindade de Jesus. Impossível seria narrar tudo o que o Divino Mestre fez, pois a vida d’Ele foi um sinal permanente. Por esta razão, o Evangelista selecionou os episódios mais adequados à finalidade que tinha em vista, dentre os quais os dois encontros de Jesus com os discípulos, mencionados neste Evangelho. Com efeito, eles nos levam a concluir facilmente que Nosso Senhor Jesus Cristo é o Filho de Deus Vivo e que n’Ele devemos ver mais o lado divino do que o humano.
III – Somos chamados à bem-aventurança!
Em função de São Tomé, o Salvador declarou que todos os que O seguissem, a partir de sua Ascensão aos Céus, precisariam crer na palavra daqueles que Ele escolheu como suas testemunhas. E há mais ou menos dois mil anos a Igreja vive desta fé. É o que vemos descrito nos Atos dos Apóstolos: a comunidade dos fiéis nasce pequena, mas dá origem a todas as demais comunidades, porque “eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos Apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações” (At 2, 42). A Igreja germina alicerçada nessa fé, a qual constitui um valioso elemento para mover as almas à conversão e que deve existir entre nós. Se assim for, o apostolado se fará por si, e seremos meros instrumentos para a atuação do Espírito Santo.
Tenhamos sempre presente que, se não nos coube a graça de conviver com Nosso Senhor, nem ver e tocar suas divinas chagas, nos foi reservada, conforme a afirmação do Divino Mestre, uma bem-aventurança maior do que a deles: crer na Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Bem se poderiam aplicar a nós as palavras de São Pedro em sua primeira epístola: “Sem ter visto o Senhor, vós O amais. Sem O ver ainda, n’Ele acreditais. Isso será para vós fonte de alegria indizível e gloriosa, pois obtereis aquilo em que acreditais: a vossa salvação” (1, 8-9). ◊