Considerar a magnitude da generosidade divina manifestada na Eucaristia ajuda a medir qual deve ser nosso ardor por este inigualável Sacramento.
Evangelho da Solenidade de Corpus Christi
12 No primeiro dia dos Ázimos, quando se imolava o cordeiro pascal, os discípulos disseram a Jesus: “Onde queres que façamos os preparativos para comeres a Páscoa?” 13 Jesus enviou então dois dos seus discípulos e lhes disse: “Ide à cidade. Um homem carregando um jarro de água virá ao vosso encontro. Segui-o 14 e dizei ao dono da casa em que ele entrar: ‘O Mestre manda dizer: onde está a sala em que vou comer a Páscoa com os meus discípulos?’ 15 Então ele vos mostrará, no andar de cima, uma grande sala, arrumada com almofadas. Aí fareis os preparativos para nós!”
16 Os discípulos saíram e foram à cidade. Encontraram tudo como Jesus havia dito, e prepararam a Páscoa. 22 Enquanto comiam, Jesus tomou o pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o e entregou-lhes, dizendo: “Tomai, isto é o meu Corpo”. 23 Em seguida, tomou o cálice, deu graças, entregou-lhes e todos beberam dele. 24 Jesus lhes disse: “Isto é o meu Sangue, o Sangue da Aliança, que é derramado em favor de muitos. 25 Em verdade vos digo, não beberei mais do fruto da videira, até o dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus”. 26 Depois de terem cantado o hino, foram para o Monte das Oliveiras (Mc 14, 12-16.22-26).
I – O Homem-Deus dá-Se em alimento aos homens
A luz da fé é imprescindível para contemplar, ainda que por poucos instantes, a elevação e beleza do mistério da Encarnação do Verbo, pois o entendimento humano, abandonado à sua mera capacidade, não chega a alcançá-lo. Se não fosse o auxílio da graça, jamais seria possível admitir que Deus quis Se manifestar ao mundo desta forma, promovendo a união da natureza divina com a humana na Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Jesus é verdadeiramente Homem, com inteligência, vontade e sensibilidade — além de ter assumido um corpo padecente, cuja origem foi miraculosa, mas que se desenvolveu de modo normal, conforme as leis da natureza — e, ao mesmo tempo, Ele é plenamente Deus. Deus reclinado numa manjedoura; Deus a discutir no Templo com os doutores da Lei; Deus que mora com seus pais em Nazaré; Deus que abraça a vida pública; Deus que é crucificado… Quantos atos de adoração e gratidão deveríamos fazer cada vez que consideramos este mistério, e com quanto fervor conviria pedir a Nosso Senhor o aumento de nossa fé n’Ele!
Ora, se tal é nossa admiração ante a grandeza do Verbo que “Se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14), não menos ardorosa deve ser a nossa atitude perante a Sagrada Eucaristia, o mistério que resume todas as maravilhas realizadas por Deus para a nossa salvação.1 Como bem observa o padre Monsabré, “a Encarnação é a obra-prima de Deus. Mas esta mesma obra-prima, pessoal e viva, Jesus Cristo, Filho de Deus Encarnado, não se contenta em proclamar, à maneira das obras-primas humanas, a glória do sublime Artista que a criou. Soberanamente inteligente, bom e poderoso, Ele também quis produzir uma obra capital entre todas aquelas que seu Pai celeste O mandou executar. Esta obra é a Eucaristia”.2
Assim, na Encarnação, o Filho eterno de Deus Se vela na carne; na Eucaristia, Jesus oculta não só sua Pessoa Divina, mas sua humanidade, sob as espécies de pão e vinho. Na Encarnação, Ele passou a viver e a agir como nós, do interior da santidade incriada, substancial e infinita de Deus. Na Eucaristia, Ele quer, com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade, habitar em nosso interior. Na Encarnação, a comunicação e a união foram somente com uma natureza singular, a humanidade santíssima de Cristo; na Eucaristia, Jesus Se une a todo aquele que O recebe, conforme Ele mesmo disse: “Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue permanece em Mim e Eu nele” (Jo 6, 56). Tal união entre Deus e o homem é a mais íntima que se possa imaginar, inferior apenas à união hipostática. É algo tão grandioso que causa assombro!
O Evangelho de hoje, trazendo à nossa consideração o relato da instituição deste Sacramento, “entre todos o mais importante e o que remata os demais”,3 convida a meditar sobre sua inesgotável riqueza e a crescer na devoção a ele. O próprio Salvador ansiava por este momento, como o manifestou aos discípulos, no início da Santa Ceia: “Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de sofrer” (Lc 22, 15).
II – O mistério da Fé por excelência
Encontrava-Se o Divino Mestre a caminho de Jerusalém quando, pela terceira vez, anunciou aos discípulos sua Paixão (cf. Mt 20, 17-19; Mc 10, 32-34; Lc 18, 31-34). Mais tarde, já depois do Domingo de Ramos, Ele lhes revelou a data exata deste acontecimento: “Sabeis que daqui a dois dias será a Páscoa, e o Filho do Homem será traído para ser crucificado” (Mt 26, 2).
Entrementes, os sumos sacerdotes e os anciãos do povo, reunidos na casa de Caifás, conspiravam contra Jesus e deliberavam sobre os meios de O prender com astúcia e O matar. Mas, como temiam provocar tumulto na multidão, decidiram agir só após o término da festa (cf. Mt 26, 4-5). Foi então que Judas Iscariotes foi ter com eles, oferecendo-lhes sua pérfida contribuição para o crime. Prometeram-lhe trinta moedas de prata, “e desde aquele instante, procurava uma ocasião favorável para entregar Jesus” (Mt 26, 16).
A Ceia que inaugurou a verdadeira Páscoa
12 No primeiro dia dos Ázimos, quando se imolava o cordeiro pascal, os discípulos disseram a Jesus: “Onde queres que façamos os preparativos para comeres a Páscoa?”
As comemorações da Páscoa, principal festividade judaica, se estendiam ao longo de uma semana, sendo o primeiro dia reservado à ceia solene em que se comia o cordeiro pascal, seguindo as indicações dadas por Deus aos israelitas na época da saída do Egito (cf. Ex 12, 1-14). Como o pão fermentado era proibido durante este período, consumiam-se pães sem levedura, e daí a solenidade ser designada também como festa dos Ázimos.
Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo é o verdadeiro Cordeiro Pascal, “o Cordeiro imaculado e sem defeito algum, aquele que foi predestinado antes da criação do mundo” (I Pd 1, 19). Portanto, a cerimônia que os Apóstolos se empenhavam em preparar seria o início da realização de tudo o que a Páscoa israelita prefigurava, pois na Santa Ceia daquela noite Ele consagraria “o princípio de seu sacrifício, ou seja, de sua Paixão, entregando-Se a seus discípulos nos mistérios de seu Corpo e Sangue”.4
Um suave convite a Judas
13a Jesus enviou então dois dos seus discípulos e lhes disse: “Ide à cidade”.
Sendo Judas Iscariotes o responsável pela logística do Colégio Apostólico, cabia-lhe tomar as providências para a celebração. Porém, a narração de outro Evangelista indica terem sido Pedro e João os discípulos que Nosso Senhor encarregou deste trabalho (cf. Lc 22, 8). Com divina delicadeza e bondade, o Mestre deixava transparecer a Judas que tinha conhecimento do crime por ele tramado com os sinedritas. Se houvesse no traidor um resquício de amor a Deus e de bom senso, o proceder de Jesus lhe teria aguilhoado a consciência, levando-o a dar-se conta da imensa gravidade daquele pecado e a desistir de seu intento. Entretanto, nada disso ocorreu, pois seu coração estava completamente endurecido no mal.
Podemos fazer aqui uma aplicação à nossa vida espiritual. Às vezes, pessoas com quem convivemos — seja um superior, um colega ou até um inferior — nos dão a entender que percebem em nós um defeito mal combatido ou nos alertam para uma situação má na qual nos encontramos. Em face desses convites, teremos fechado nossa alma, imitando a perversidade de Judas?
O Divino Mestre quis evitar perturbações durante a Ceia
13b “Um homem carregando um jarro de água virá ao vosso encontro. Segui-o 14 e dizei ao dono da casa em que ele entrar: ‘O Mestre manda dizer: onde está a sala em que vou comer a Páscoa com os meus discípulos?’ 15 Então ele vos mostrará, no andar de cima, uma grande sala, arrumada com almofadas. Aí fareis os preparativos para nós!”
O recinto escolhido pelo Redentor, como cenário do ato de suma importância que iria realizar, era uma ampla sala decorada com distinção e categoria (cf. Lc 22, 12). Belos tapetes, tecidos, cortinas e requintada mobília compunham agradavelmente o ambiente. De acordo com o costume do tempo, nos banquetes as mesas eram dispostas em forma de “U” e os comensais não comiam sentados como hoje, mas reclinados em divãs distribuídos no lado externo da mesa. O lado interno ficava livre a fim de permitir o serviço. O lugar de honra — que na ocasião deveria ser ocupado por Nosso Senhor — ficava ao centro.
Judas, ávido por se informar a respeito das circunstâncias e do local da ceia — pois julgava ser este um momento oportuno para entregar Nosso Senhor —, decerto ouvia atento estas indicações. Mas Jesus desejava celebrar a Páscoa sem nenhuma interrupção; “não queria ser perturbado por seus inimigos antes que chegasse ‘sua hora’ e, sobretudo, antes da doação e do amoroso legado da Sagrada Eucaristia que queria deixar à sua Igreja”.5 Por isso instruiu os dois Apóstolos de modo a tornar impossível ao traidor descobrir com antecedência onde seria a refeição, demonstrando-lhe ainda, indiretamente e de maneira majestosa, que estava a par de tudo. Ante esta nova lição, Judas mais uma vez recalcitra e sua maldade recrudesce.
A tibieza dos Apóstolos
16 Os discípulos saíram e foram à cidade. Encontraram tudo como Jesus havia dito, e prepararam a Páscoa.
São Pedro e São João executaram com toda a presteza a missão que o Mestre lhes confiara. Além de providenciar o cordeiro sem defeito, de um ano — o qual se imolava no Templo, depois do meio-dia, com um rito apropriado à Páscoa —, prepararam também os outros alimentos prescritos pela Lei, tais como os pães ázimos e as ervas amargas, as quais representavam os sofrimentos do povo hebreu durante o cativeiro no Egito.6
Analisemos, nesta passagem, outro aspecto da atitude dos dois Apóstolos. Ao encontrar “tudo como Jesus havia dito”, ambos puderam comprovar quanto suas palavras eram densas de significado e sabedoria. Seria de se esperar que, impressionados por tal constatação — certamente acompanhada de graças especiais —, eles indagassem de Nosso Senhor a razão exata da escolha daquele lugar e o simbolismo do que iria acontecer ali. Nada no Evangelho, todavia, indica esta iniciativa da parte dos Apóstolos, por não estarem habituados a refletir sobre a transcendência do que o Divino Mestre lhes dizia, bem como de seus exemplos, atitudes e gestos. Quão diferente era a postura de Nossa Senhora que, dotada de ciência infusa, conferia todas essas coisas no seu coração (cf. Lc 2, 51)!
E nós? Quantas oportunidades nos são oferecidas para aprofundarmos nossos conhecimentos sobre a doutrina católica, penetrarmos em algum aspecto da Fé ou um ponto da moral, e não manifestamos interesse! Não será isto uma falta? Peçamos hoje perdão a Jesus, por intercessão de sua Mãe Santíssima, por nossas negligências nessa linha.
Por outro lado, qual era o estado de alma dos demais Apóstolos? No trecho do Evangelho selecionado para esta Solenidade omitem-se alguns versículos intermediários, os quais narram o início da Ceia e o momento em que o Salvador revelou aos Doze que um deles O trairia. A pergunta que então Lhe fizeram, um após o outro — “Porventura sou eu?” (Mc 14, 19) —, pode ser interpretada como um sintoma do estado de tibieza no qual se encontravam. As palavras de Jesus tocaram-lhes a alma a fundo, e cada um, cônscio de sua própria falta de fervor, se pôs o problema: “Não será um recado para mim?”. É também um indício desta situação espiritual o fato de não desconfiarem de Judas. Conviviam com ele, sabiam que “era ladrão e, tendo a bolsa, furtava o que nela lançavam” (Jo 12, 6), mas não suspeitaram que ele fosse capaz de infâmia maior.
Em tal atmosfera de entibiamento geral e, pior ainda, com a traição aninhada no coração de um dos Apóstolos, é que Nosso Senhor Jesus Cristo vai instituir o Sacramento do Amor.
A palavra de Jesus é criadora
22 Enquanto comiam, Jesus tomou o pão e, tendo pronunciado a bênção, partiu-o e entregou-lhes, dizendo: “Tomai, isto é o meu Corpo”. 23 Em seguida, tomou o cálice, deu graças, entregou-lhes e todos beberam dele. 24 Jesus lhes disse: “Isto é o meu Sangue, o Sangue da Aliança, que é derramado em favor de muitos. 25 Em verdade vos digo, não beberei mais do fruto da videira, até o dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus”.
As palavras destes versículos — as quais são repetidas quase sem variações pelos outros sinópticos e por São Paulo (cf. Mt 26, 26-29; Lc 22, 17-20; I Cor 11, 23-25) — constituem o fundamento de nossa fé na Eucaristia.
Tudo o que é revelado por Deus é mistério da Fé, mas a Eucaristia o é por excelência. Quando o sacerdote profere a fórmula da Consagração, temos de acreditar que o pão e o vinho que vemos, provamos, cheiramos e até tocamos com a língua, e cuja aparência não mudou em nada, passaram a ser Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Os sentidos nos enganam — e não só em assuntos de fé! —, pois eles percebem apenas os acidentes e não captam a substância. Mas, graças à fé que ilumina a inteligência, sabemos que ali está Jesus Sacramentado.
Qual é a razão que nos leva a aceitar esta verdade? A afirmação de Nosso Senhor: “Isto é o meu Corpo… Este é o cálice do meu Sangue…”. Porque a palavra d’Ele é divina; logo, é criadora, é lei, é “viva, eficaz” (Hb 4, 12), produz aquilo que significa e “permanece eternamente” (Is 40, 8). Ao cego que Lhe suplicou a cura, bastou-Lhe responder “Vai, a tua fé te salvou” (Mc 10, 52), e o homem recuperou a visão naquele instante. E quando Ele ordenou ao morto de quatro dias, “Lázaro, vem para fora!” (Jo 11, 43), este retornou à vida ipso facto. Do mesmo modo, se Ele, “Filho todo-poderoso de Deus, capaz das maiores e mais incompreensíveis maravilhas, me diz, ao me mostrar o pão, ‘Isto é o meu Corpo’, estou obrigado a tomar suas palavras ao pé da letra”.7
O Doutor Angélico aponta vários motivos para explicar a conveniência de ocultar-Se à nossa sensibilidade a substância do Corpo e Sangue de Cristo. Entre outros, assim o estabeleceu a Providência Divina porque se víssemos Nosso Senhor claramente na Hóstia, não teríamos coragem de comungar.8 Ele foi muito bondoso conosco, cobrindo-Se com o véu das Sagradas Espécies.
A alegria de Deus em dar-Se
26 Depois de terem cantado o hino, foram para o Monte das Oliveiras.
Belíssimo é este versículo final, tanto pelo episódio que narra quanto por seu profundo simbolismo. Antes de partirem para o Monte das Oliveiras, onde se iniciaria o drama da Paixão, Jesus cantou junto com os Apóstolos um lindo hino de ação de graças intitulado Hallel, próprio da liturgia hebraica para a celebração da Páscoa. Como seria magnífica a voz de Nosso Senhor Jesus Cristo entoando este cântico, com o qual manifestava sua alegria por haver instituído a Eucaristia e pelo fato de Nossa Senhora e Ele mesmo terem comungado!
Esta passagem — que, de si, nos levaria a vastas considerações — ressalta o infinito desejo de dar-Se que há no seio da Santíssima Trindade. Deus, imutável e eterno, não necessitava da criação. Este foi um supremo ato de liberalidade, de entrega e de generosidade, cujo ápice é a Eucaristia, pois criar para comunicar sua felicidade aos seres inteligentes e Se colocar sempre à disposição deles, já é muito; mas criar para, em certo momento, o Verbo encarnar-Se e, sendo Deus, oferecer-Se aos homens como alimento, é inimaginável! Nem sequer os Anjos poderiam cogitar algo tão ousado!
O dever da reciprocidade
Vemos nesta ousadia o quanto Deus ama a cada um de nós. Ele promoveu a ordem do universo com vistas à Eucaristia, porque quer unir-nos a Ele de uma forma extraordinária e tornar-Se nosso escravo. Sim, pois quando o sacerdote pronuncia a fórmula da Consagração, Ele obedece à sua voz, opera a transubstanciação e renova-se de forma incruenta o Sacrifício do Calvário. A Eucaristia é, portanto, símbolo da escravidão de Deus a nós, mas, sobretudo, da nossa escravidão a Ele, pois se Ele assim Se entrega a nós, também é preciso nos entregarmos a Ele sem reservas!
É a esta inteira confiança e reciprocidade em relação a Jesus Eucarístico que a Solenidade de Corpus Christi nos convida. Afastemos de nosso horizonte o egoísmo, o pragmatismo, os interesses pessoais e contemplemos, cheios de alegria e entusiasmo, esta doação de Deus a nós e, ademais, a possibilidade que Ele nos concede de Lhe retribuirmos com semelhante amor, guardadas as devidas proporções entre Criador e criatura. Tal há de ser nosso empenho!
III – A Eucaristia, Maria e nós
Expressão ímpar da benignidade de Nosso Senhor Jesus Cristo na Eucaristia é o fato de podermos adorá-Lo exposto no ostensório. Se o Sol traz vantagens para nossa saúde física, muito maior é o benefício que o Criador do Sol prodigaliza à nossa saúde espiritual quando estamos diante de Jesus-Hóstia!
Nossa consciência diante da Eucaristia
No entanto, como nem sempre nossas disposições correspondem ao que Ele espera de nós, é oportuno nos determos num exame de consciência. No meu dia a dia, como é minha devoção à Eucaristia? Tenho o hábito de nela centrar minha atenção, atividades e preocupações? Ao passar diante do Santíssimo Sacramento, numa igreja, procuro adorá-Lo com fervor? Ou me deixo levar pela rotina? Comungo na Santa Missa, persuadido de que Nosso Senhor Jesus Cristo sai do cibório contente por unir-Se a mim e, ao penetrar em meu ser, me santifica a alma e o corpo? Após a Comunhão, minha ação de graças tem a adequada solidez e fervor? Eu Lhe agradeço por me ter feito seu tabernáculo, estabelecendo comigo um relacionamento que jamais terá com um sacrário material, por mais precioso que este seja, e por haver entrado em consonância comigo, purificando minhas intenções, me dado forças sobrenaturais, robustecendo-me as virtudes e os dons do Espírito Santo?
Devo me lembrar de que entre os que receberam a Eucaristia na Santa Ceia estava o traidor de Jesus…9 Será que, como ele, alguma vez tive a infelicidade de comungar sacrilegamente, isto é, tendo cometido uma falta grave que me havia despojado da graça de Deus? Suplicarei a Nosso Senhor, com energia, que isto nunca me venha a suceder!
Com seu Sagrado Coração transbordante de afeto, mas também de justiça, Jesus cobra de cada um de nós no dia de hoje: “O que tens feito deste benefício extraordinário, o maior tesouro que te deixei?”. E de seus lábios ouvirei a recriminação pelas vezes em que O recebi com tibieza; ou às pressas, tomado por distrações voluntárias; ou em meio a uma culposa insensibilidade; ou ainda maculado pelo pecado, caso tenha incorrido nesta desgraça…
O mais excelso tabernáculo
É possível que, chegando a este ponto da leitura, sintamos a consciência nos acusar. Voltemo-nos então a Nossa Senhora, em cujo claustro virginal — o mais perfeito dos tabernáculos — o Menino Jesus viveu ao longo de nove meses.
Não é difícil imaginar a impostação de espírito d’Ela durante este período de gestação. Por mais que estivesse ocupada com seus afazeres diários ou conversando com outras pessoas, todo o seu ser se concentrava no Divino Hóspede que Ela trazia em Si. Eis o verdadeiro recolhimento! Todos os pensamentos, sentimentos e emoções d’Ela convergiam para Nosso Senhor Jesus Cristo, e, fortemente apaixonada por Ele, adorava-O enquanto Deus e amava-O enquanto Filho seu. Foi Ela a única Mãe que pôde amar seu Filho com total intensidade, sem o menor receio de amá-Lo mais do que a Deus… porque era o próprio Deus! Abismada em sua humildade e no completo esquecimento de Si mesma, considerava-Se como “Aquela que não é”, e reverenciava continuamente “Aquele que é”, em seu seio puríssimo. Magnífico espetáculo de despretensão e excelsitude inconcebíveis! Um coração materno feito de magnanimidade, do qual sobem e descem movimentos grandiosos, semelhantes às ondas do mar ou ao som de melodias celestiais… Ora se eleva num arrebatamento pelo Infinito, ora se debruça cheio de ternura sobre o pequenino Infante.
Também eu, quando comungo, acolho em meu interior o Verbo Encarnado com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade, e Ele ali permanece, como num trono, durante certo tempo. Com os olhos fixos no exemplo marial de compenetração, enlevo e gratidão a Deus, baterei no peito implorando perdão a Jesus por todas as minhas Comunhões gélidas e, dirigindo-me à Santíssima Virgem, Lhe pedirei: “Ó Maria, Vós, que confundíeis o vosso pensamento com o de Nosso Senhor Jesus Cristo; Vós, que consonáveis vossa vida com a d’Ele; o que pensais, ó Mãe, de minha indiferença para com Aquele que, sendo meu Criador e Redentor, Vós me destes por Irmão? Ó minha Mãe, Vós que tanto amais a Jesus, fazei com que eu O ame! Vós, que tudo podeis junto a Nosso Senhor, obtende-me que Ele Se apodere de meu coração. Amá-Lo é tudo! Adorá-Lo é tudo! Se eu O amar como devo, a vosso exemplo, a Eucaristia será o centro da minha existência, o lugar sagrado de minha felicidade, a fonte de minha generosidade. Ó minha Mãe, seja esta a vossa obra em minha alma!”. ◊
Notas
1 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. De Sacramento Eucharistiæ. C.I.
2 MONSABRÉ, OP, Jacques-Marie-Louis. Le Mystère Eucharistique. In: Exposition du Dogme Catholique. Grâce de Jésus-Christ. II – Eucharistie. Carême 1884. 9.ed. Paris: P. Lethielleux, 1905, v.XII, p.5.
3 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.65, a.3.
4 SÃO BEDA. In Marci Evangelium Expositio. L.IV, c.14: ML 92, 270.
5 FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Pasión, Muerte y Resurrección. Madrid: Rialp, 2000, v.III, p.100.
6 Cf. Idem, p.102.
7 MONSABRÉ, op. cit., p.21.
8 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. III, q.75, a.5.
9 Cf. Idem, q.81, a.2.