Na festa de Corpus Christi, a Igreja revive o mistério da Quinta-Feira Santa à luz da Ressurreição. E a Quinta-Feira Santa conhece também uma procissão eucarística, com a qual a Igreja repete o êxodo de Jesus, do Cenáculo para o Monte das Oliveiras.

 

Na procissão da Quinta-Feira Santa, a Igreja acompanha Jesus ao Monte das Oliveiras: a Igreja orante sente um desejo profundo de vigiar com Jesus, de não deixá-lO sozinho na noite do mundo, na noite da traição, na noite da indiferença de muitos. Na festa de Corpus Christi, retomamos esta procissão, mas na alegria da Ressurreição. O Senhor ressuscitou e precedeu-nos. Nas narrações da Ressurreição há uma característica comum e fundamental; os anjos dizem: o Senhor “vai à vossa frente para a Galiléia. Lá O vereis” (Mt 28, 7).

Conforme anunciou na primeira mensagem do Pontificado, Bento XVI quis celebrar com especial relevo a festa de Corpus Christi neste Ano da Eucaristia. Uma multidão de fiéis atendeu ao apelo do Papa, acompanhando o Santíssimo Sacramento pelas ruas de Roma

A meta de nossa vida é a comunhão com Deus

Considerando isto mais de perto, podemos dizer que este “preceder” de Jesus implica em uma dupla direção.

A primeira é, como ouvimos, a Galiléia. Em Israel, a Galiléia era considerada como a porta que se abre para o mundo dos pagãos. E na realidade, precisamente na Galiléia, no monte, os discípulos vêem Jesus, o Senhor, que lhes diz: “Ide (…) fazei discípulos de todos os povos” (Mt 28, 19).

A outra direção do preceder, por parte do Ressuscitado, aparece no Evangelho de São João, nas palavras de Jesus a Madalena: “Não me detenhas, pois ainda não subi para o Pai” (Jo 20, 17). Jesus precede-nos junto do Pai, eleva-se à altura de Deus e convida-nos a segui-lO.

Estas duas direções do caminho do Ressuscitado não se contradizem, mas indicam em conjunto a via do seguimento de Cristo. A verdadeira meta do nosso caminho é a comunhão com Deus — o próprio Deus é a casa das muitas moradas (cf. Jo 14, 2s.). Mas só podemos subir a esta morada andando “em direção à Galiléia”, indo pelas estradas do mundo, levando o Evangelho a todas as nações, levando o dom do seu amor aos homens de todos os tempos. Por isso o caminho dos Apóstolos prolongou-se até aos “confins da terra” (cf. At 1, 6s.); assim São Pedro e São Paulo foram até Roma, cidade que na época era o centro do mundo conhecido, verdadeira caput mundi.

A procissão da Quinta-Feira Santa acompanhou Jesus na sua solidão, rumo à via crucis. A procissão de Corpus Christi, ao contrário, responde de maneira simbólica ao mandamento do Ressuscitado: precedo-vos na Galiléia. Ide até aos confins do mundo, levai o Evangelho a todas as nações.

A Comunhão exige a vontade de seguir Cristo

Sem dúvida, para a Fé, a Eucaristia é um mistério de intimidade. O Senhor instituiu o Sacramento no Cenáculo, circundado pela sua nova família, pelos doze Apóstolos, prefiguração e antecipação da Igreja de todos os tempos. Por isso, na liturgia da Igreja antiga, a distribuição da sagrada Comunhão era feita com as palavras: Sancta sanctis — o dom sagrado destina-se aos que são tornados santos. Deste modo, respondia-se à admoestação dirigida por São Paulo aos Coríntios: “Portanto, examine-se cada um a si próprio e só então coma deste pão e beba deste vinho” (1 Cor 11, 28).

Contudo, desta intimidade, que é dom muito pessoal do Senhor, a força do Sacramento da Eucaristia vai além das paredes das nossas igrejas. Neste Sacramento, o Senhor está sempre a caminho no mundo. Este aspecto universal da presença eucarística sobressai na procissão da nossa festa. Nós levamos Cristo, presente na figura do pão, pelas ruas da nossa cidade. Nós confiamos estas ruas, estas casas — a nossa vida quotidiana —  à sua bondade. Que as nossas ruas sejam ruas de Jesus! Que as nossas casas sejam casas para Ele e com Ele! A nossa vida de todos os dias seja penetrada por sua presença. Com este gesto, colocamos sob o seu olhar os sofrimentos dos doentes, a solidão dos jovens e dos idosos, as tentações, os receios —  toda a nossa vida. A procissão pretende ser uma grande e pública bênção para a nossa cidade: Cristo é, em pessoa, a bênção divina para o mundo —  o raio da sua bênção se estenda sobre todos nós!

Na procissão de Corpus Christi, acompanhamos o Ressuscitado no seu caminho pelo mundo inteiro, como dissemos. E, precisamente fazendo isto, respondemos também ao seu mandamento: “Tomai e comei (…) Bebei todos” (Mt 26, 26s.).

Não se pode “comer” o Ressuscitado, presente na figura do pão, como um simples bocado de pão. Comer este pão é comunicar, é entrar em comunhão com a pessoa do Senhor vivo. Esta comunhão, este ato de “comer”, é realmente um encontro entre duas pessoas, é deixar-se penetrar pela vida d’Aquele que é o Senhor, d’Aquele que é o meu Criador e Redentor. A finalidade desta comunhão, deste comer, é a assimilação da minha vida à sua, a minha transformação e conformação com Aquele que é Amor vivo. Por isso, esta comunhão exige a adoração, requer a vontade de seguir Cristo, de seguir Aquele que nos precede. Portanto, a adoração e a procissão fazem parte de um único gesto de comunhão; respondem ao seu mandamento: “Tomai e comei”.

Terminada a procissão, Bento XVI abençoou a multidão com o Santíssimo Sacramento, em frente à Basílica de Santa Maria Maior

Que Maria nos ajude a segui-lO fielmente

A nossa procissão termina diante da Basílica de Santa Maria Maior, no encontro com Nossa Senhora, chamada pelo querido Papa João Paulo II “Mulher eucarística”. Verdadeiramente, Maria, a Mãe do Senhor, ensina-nos o que significa entrar em comunhão com Cristo: Maria ofereceu a própria carne, o próprio sangue a Jesus e tornou-se tenda viva do Verbo, deixando-se penetrar no corpo e no espírito pela sua presença. Pedimos a Ela, nossa santa Mãe, que nos ajude a abrir, cada vez mais, todo o nosso ser à presença de Cristo; que nos ajude a segui-lO fielmente, dia após dia, pelos caminhos da nossa vida.

(Homilia na Solenidade de Corpus Christi, 26/5/2005)

 

 

A primeira procissão Eucarística da História

Visitação de Maria a sua prima Santa Isabel (igreja Notre-Dame de Bordeaux, França)

Estimados amigos, subistes até a Gruta de Lourdes, recitando o santo Rosário, como que respondendo ao convite da Virgem a elevar o espírito ao Céu. Nossa Senhora acompanha-nos todos os dias na nossa oração. Neste Ano da Eucaristia, que estamos a viver, Maria ajuda-nos, sobretudo, a descobrir cada vez mais o grande Sacramento da Eucaristia.

Em particular hoje, com a liturgia, detemo-nos a meditar sobre o mistério da Visitação da Virgem a Santa Isabel. Maria, trazendo no seio Jesus recém-concebido, vai visitar a prima Isabel. É uma jovem, mas não tem medo, porque Deus está com Ela, dentro d’Ela. De certo modo, podemos dizer que a sua viagem foi a primeira “procissão eucarística” da História. Maria, tabernáculo vivo de Deus que se fez carne, é a Arca da Aliança, em que o Senhor visitou e redimiu o seu povo. A presença de Jesus enche-A do Espírito Santo. Quando entra na casa de Isabel, a sua saudação é transbordante de graça: João estremece no seio da mãe, como se tivesse sentido a vinda d’Aquele que no futuro ele deverá anunciar a Israel. Os filhos exultam, as mães regozijam-se. Este encontro, impregnado da alegria do Espírito, encontra a sua expressão no cântico do Magnificat.

Não é, porventura, também esta a alegria da Igreja, que acolhe incessantemente Cristo na sagrada Eucaristia e O leva ao mundo com o testemunho da caridade concreta, imbuída de fé e de esperança?

(Saudação no final do Rosário recitado na Gruta de Lourdes, nos jardins do Vaticano, 31/5/2005)

 

 


 

Homilia no Congresso Eucarístico de Bari

“Sem o domingo não podemos viver”

O preceito dominical não é um peso imposto ao cristão, mas sim uma necessidade, pois é na Celebração Eucarística aos domingos que ele encontra a energia necessária para o caminho a percorrer cada semana.

 

Este Congresso Eucarístico, que hoje chega à sua conclusão, quis apresentar o domingo como “Páscoa semanal”, expressão da identidade da comunidade cristã e centro da sua vida e da sua missão.

O tema escolhido “Sem o Domingo não podemos viver” leva-nos ao ano 304, quando o imperador Diocleciano proibiu os cristãos, sob pena de morte, de possuir as Escrituras, de se reunirem nos domingos para celebrar a Eucaristia e de construir lugares para as suas assembléias. Em Abitene, uma pequena localidade na atual Tunísia, 49 cristãos foram surpreendidos um domingo enquanto, reunidos em casa de Octávio Félix, celebravam a Eucaristia desafiando as proibições imperiais. Foram presos e levados para Cartago para serem interrogados pelo procônsul Anulino.

Na Eucaristia, Cristo está realmente presente entre nós, com uma presença dinâmica que nos prende para nos fazer seus

Foi significativa, entre outras, a resposta dada por um tal Emérito ao procônsul que lhe perguntava por que motivo violaram a ordem severa do imperador. Respondeu: “Sine dominico non possumus”, isto é, sem nos reunirmos em assembléia no domingo para celebrar a Eucaristia, não podemos viver. Faltar-nos-iam as forças para enfrentar as dificuldades quotidianas sem sucumbir. Depois de atrozes torturas, os 49 mártires de Abitene foram mortos.

A comunhão com o Senhor é também comunhão com os irmãos

Sobre a experiência dos mártires de Abitene, também nós, cristãos do século XXI, devemos refletir. Também para nós não é fácil viver como cristãos, mesmo se não existem essas proibições do imperador. O preceito festivo não é um dever imposto do exterior, um peso sobre nossos ombros. Participar na Celebração dominical, alimentar-se do Pão eucarístico é uma necessidade para o cristão, o qual pode assim encontrar a energia necessária para o caminho a percorrer cada semana.

Na Eucaristia Cristo está realmente presente entre nós. A sua presença não é estática. É uma presença dinâmica, que nos prende para nos fazer seus, para nos assimilar a Si. Cristo atrai-nos a Si, faz-nos sair de nós mesmos para fazer de todos nós uma só coisa com Ele. Desta forma, Ele insere-nos também na comunidade dos irmãos, e a comunhão com o Senhor sempre é também comunhão com as irmãs e irmãos. E vemos a beleza desta comunhão que a Sagrada Eucaristia nos proporciona.

“Devemos redescobrir a alegria do domingo cristão”

Queridos amigos, nós devemos redescobrir a alegria do domingo cristão. Santo Inácio de Antioquia qualificava os cristãos como “aqueles que alcançaram a nova esperança”, e apresentava-os como pessoas “viventes segundo o domingo”. Nesta perspectiva ele perguntava: “Como poderemos viver sem Aquele, pelo qual também os profetas esperaram?” (Epist. ad Magnesios, 9, 1-2).

“Como poderemos viver sem Ele?” Sentimos ressoar nestas palavras de Santo Inácio a afirmação dos mártires de Abitene: “Sine dominico non possumus”. Precisamente disto brota a nossa oração: que também os cristãos de hoje reencontrem a consciência da importância decisiva da Celebração dominical e saibam tirar da participação na Eucaristia o estímulo necessário para um novo compromisso no anúncio, ao mundo, de Cristo “nossa paz” (Ef 2, 14).

(Excertos da homilia no encerramento do Congresso Eucarístico Italiano, 29/5/2005)

 

 

Como nasceu a festa do Corpo de Cristo?

O milagre de Bolsena (vitral da Basílica do Santíssimo Sacramento, Buenos Aires)

Um milagre ocorrido há quase oito séculos fez o Papa Urbano IV estender para toda a Igreja o culto público à Sagrada Eucaristia.

 

No ano de 1263 um sacerdote chamado Pedro achava-se assaltado por uma terrível tentação a respeito da presença real de Cristo na Eucaristia. Para fortalecer sua fé vacilante, resolveu fazer uma peregrinação a Roma.

Chegando às portas de Bolsena, Itália, decidiu entrar na cidade para celebrar Missa. Rogou insistentemente a Deus que o livrasse da dúvida atroz que há tempos o atormentava e começou a celebração.

No momento da Consagração, ao pronunciar as palavras rituais — “Isto é o meu Corpo…”— a hóstia santa tomou uma tonalidade avermelhada e começou a gotejar sangue, que caiu copiosamente sobre o corporal. Os fiéis presentes também puderam contemplar o maravilhoso acontecimento.

O sacerdote apressou-se a comunicar o milagre ao Papa Urbano IV que residia temporariamente na vizinha cidade de Orvieto. Este logo enviou a Bolsena uma comitiva encabeçada pelo arcebispo, para examinar a veracidade do fato e, se confirmado, trazer as preciosas relíquias até ele. São Tomás de Aquino e São Boaventura teriam também feito parte dessa comitiva.

Comprovada a autenticidade do prodigioso fato, a Hóstia consagrada e o linho impregnado do precioso Sangue foram solenemente conduzidos em procissão até Orvieto, onde o Papa prostrou-se de joelhos para recebê-los. Em seguida todos se dirigiram para a velha catedral e ali milhares de fiéis emocionados puderam contemplar e prestar culto às preciosas relíquias.

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Esse espetacular prodígio impressionou vivamente o pontífice. Ele já tinha conhecimento do famoso milagre eucarístico de Lanciano e, além disso, fora confidente de Santa Juliana de Mont Cornillon, uma mística que recebera dos Céus a incumbência de transmitir à Igreja o desejo divino de ser estabelecida no calendário litúrgico uma festa em honra da Eucaristia.

Assim, em 11 de agosto de 1264 ele firmou em Orvieto a bula Transiturus de Hoc Mundo, pela qual instituiu a Festa de Corpus Christi. Com isso estendeu para toda a Igreja o culto público à Sagrada Eucaristia, que até então era oficiado apenas em algumas dioceses, por influência de Santa Juliana.

Cinqüenta anos mais tarde outro Papa, Clemente V, estabeleceu a Festa da Eucaristia como obrigação canônica mundial. E o Concílio de Trento, em meados do século XVI, tornou oficial a realização da Procissão Eucarística, como ação de graças pelo dom supremo da Eucaristia e como manifestação pública de fé na presença real de Cristo na Hóstia Sagrada.

Estava assim definitivamente instaurada em toda a Igreja “a Festa em que o Povo de Deus se reúne em volta do tesouro mais precioso herdado de Cristo, o Sacramento de sua própria Presença, e O louva, canta e leva em procissão pelas ruas da cidade”.

 

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