No tempo em que formei o meu espírito, a Revolução insistia muito em um ponto péssimo, no qual hoje ela já não insiste porque julga ter vencido a batalha. Quando eu era jovem, a batalha estava quase ganha, mas ainda restava algo que resistia à Revolução.
A ideia era a seguinte. A bondade consistiria fundamentalmente em não causar dissabor, tristeza, má disposição de alma a ninguém. Assim, tudo aquilo que representasse a autoridade, seria de alguma maneira contrário à bondade. Isso porque a autoridade impõe o cumprimento da lei, e toda lei contraria em algo a alguém. A autoridade teria, portanto, a finalidade de contrariar e fazer sofrer os outros. Logo, o mundo ideal seria aquele em que não houvesse autoridade.
A autoridade é amiga dos homens
Primeiramente, não é verdade que a autoridade tenha por fim fazer sofrer. Pelo contrário, o mundo seria um inferno se não houvesse autoridade que impedisse os maus de atormentarem os bons. É porque existe autoridade que, por exemplo, os ladrões não podem roubar – ou roubam o menos possível – e os assassinos têm medo de matar. Pode-se circular sossegado pelas ruas porque há leis de trânsito e autoridades incumbidas de fazer cumprir essas leis. Do contrário, ou não se usariam veículos e os homens seriam obrigados a andar a pé, ou os veículos estariam matando gente a todo momento.
Quer dizer, a autoridade existe para o cumprimento das leis e a proteção dos bons. Ela é amiga dos homens, e não inimiga. Ela os faz sofrer – isto é uma questão diferente – em razão do pecado original.
Com efeito, depois da falta de Adão o homem ficou inclinado ao mal e sujeito ao erro. A autoridade se opõe a que ele faça o que não deve e, portanto, em certo sentido tem uma presença desagradável. Se imaginarmos, porém, uma sociedade sem autoridade, compreenderemos como sua presença é deleitável.
O corrimão de uma escada
Temos o exemplo mais concreto dessa realidade no corrimão de uma escada.
Com frequência as crianças gostam de descer pelo corrimão da escada, em vez de fazê-lo pelos degraus. Se o apoio é bem liso e se presta a isso, elas escorregam desde cima até embaixo. Pode-se achar graça, mas trata-se de uma imprudência. Se um menino cair de certa altura, poderá lesionar a colunar e ficar paralítico. Se ele tiver dez anos e viver até os noventa, passará oitenta anos deitado numa cama, à espera da libertação da morte, porque não considerou a autoridade que o obrigava a respeitar o corrimão.
A autoridade faz o papel de um corrimão na vida: ajuda a caminhar, protege as pessoas. Tudo isso a torna apresentável e agradável, como acontece com o corrimão bem construído e bonito.
Tom de voz que incutia respeito pela autoridade
A arte de educar consiste em formar a criança fazendo com que veja o lado razoável da autoridade e o aspecto bonito da hierarquia, a fim de amar a obediência. Assim, ela se torna amiga da Contra-Revolução, em vez de ficar amiga da Revolução.
A atitude de minha mãe em face desse problema era a seguinte.
Sua voz, embora não fosse de cantora, era muito agradável para conversa, cheia de inflexões. E inflexões muito suaves, doces, que correspondiam aos movimentos do temperamento dela e diziam o que queriam dizer. Por causa disso tinha também tons muito graves, profundos, que não eram de pito, mas faziam ver a gravidade do que ela estava dizendo.
Seu temperamento era capaz de uma grande seriedade e, ao falar, ela normalmente tomava muito a sério tudo aquilo que dizia. Quando mencionava qualquer autoridade, falava com certo respeito e tinha um modo de entoar a voz que nos fazia sentir por que e de que maneira aquela autoridade era respeitada.
Veneração para com o sacerdócio
Isso se dava, por exemplo, na forma de mamãe se referir a um padre.
Meu pai tinha um primo-irmão que era sacerdote; chamava-se Cônego Luís Cavalcanti. Homem muito inteligente, ele ficara solteiro até a maturidade e, em determinado momento, resolveu se tornar padre, ordenando-se na Arquidiocese do Rio de Janeiro.
Ele mantinha muito boa conversa e, quando vinha a São Paulo, era então convidado à nossa casa para almoçar ou jantar. Compareciam também parentes de minha mãe, para ouvir as palavras desse primo de meu pai. E faziam bem, porque ele era sacerdote e sustentava discussões com alguns de meus tios que eram ateus.
Nessas discussões ele serrava de cima pela sua cultura e inteligência, mas com certa polidez e amenidade. De maneira que esses tios incrédulos até gostavam de entregar os pontos e davam risada; o padre, quando os encostava na parede, também ria de um modo amável e aquilo constituía uma conversa muito afável. Porque era muito menino, eu não entendia bem os temas das discussões, mas gostava de observar o jogo das fisionomias, os tons de voz, as atitudes das pessoas.
Minha mãe tinha um irmão muito inteligente, o qual fazia para o sacerdote perguntas provocativas. Eu olhava para o padre e pensava: “Dessa vez parece que ele está na parede”. Ele ouvia com toda a calma e dizia: “O senhor sabe, isso precisa ser visto num enfoque diferente”. O sacerdote mudava a questão, colocava-a no ponto certo e meu tio levava o “tiro”.
Quando Dona Lucilia falava desse parente, nunca o fazia sem uma inflexão de voz própria a dar a entender que, além de ser um primo do marido dela – portanto, primo dela também –, tratava-se de um padre da Igreja Católica. Ela jamais dizia “o primo Luís”, mas “o Pe. Luís” e, posteriormente, “o Côn. Luís”. As palavras padre e cônego tomavam uma inflexão que exprimia toda a sua veneração por ele, porque era um ministro de Deus.
O modo de mamãe dizer “padre”, de se referir a ele, de tratá-lo, de ter para com ele atenções especiais e solicitudes que não tinha para com outros parentes, fazia a criança aprender o que era um padre, antes mesmo de compreender a doutrina católica sobre o sacerdócio. Dessa forma, o coração ficava pronto para receber o que a Fé haveria de mostrar depois, pelo ensinamento da Igreja. ◊
Extraído, com adaptações, de:
Formando os filhos no amor à autoridade.
In: Dr. Plinio. São Paulo.
Ano XIV. N.155 (fev., 2011); p.6-8.