As alegrias de Nossa Senhora na Assunção

Devemos não só nos alegrar com as boas coisas que acontecem em nossas vidas, mas também pensar nas alegrias extraordinárias da Assunção, depois da qual Maria Santíssima foi coroada como Rainha do Céu e da terra.

 

No dia da Assunção, Nossa Senhora estava na plenitude de sua santidade. Sua alma puríssima, que durante toda a sua existência terrena não deixara um instante de progredir na vida espiritual, tinha chegado a um clímax que A fazia possuir a perfeição perfeitíssima, a beleza belíssima, a virtude virtuosíssima.

Encontrava-Se Ela no apogeu dos apogeus; seu amor a Deus nunca fora maior do que naquele momento.

Amor entusiástico de todos os Anjos

Podemos imaginar o estado de espírito de quem sabia estar prestes a gozar da visão beatífica, conduzida por um cortejo infindo de Anjos, dos quais recebia as maiores homenagens possíveis, como nunca nenhuma rainha do mundo recebera ou receberia.

Ademais, a Santíssima Virgem era capaz de compreender a natureza, luz primordial e graça de cada Anjo, o amor que eles tinham a Deus e o amor do Altíssimo por cada um. Possuía também um conhecimento perfeito da veneração e do culto de hiperdulia prestados pelos milhões e milhões de Anjos que a Ela se dirigiam, aclamando-A com o maior respeito e amor, e sentia uma alegria completa ao ouvir esses louvores, ciente de merecê-los por ser Mãe de Nosso Senhor ­Jesus Cristo e espelho fidelíssimo d’Ele.

O que seria para uma mera criatura humana, como era Nossa Senhora, ver-se objeto do amor entusiástico dos espíritos celestes, alegres por receber no Céu a sua Rainha?

Coroada como Rainha do Céu e da terra

Depois de Ela ter percorrido com seu pensamento e olhar todos esses Anjos e Se encontrado com as almas santas que já haviam subido ao Céu após a Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, depois de ter-Se encontrado com seu esposo São José e permutado com ele uma saudação cheia de um respeito e um afeto dos quais nem sequer fazemos ideia, a Assunção alcançara o seu término. Chegara a hora da coroação.

Ela seria reconhecida pela Santíssima Trindade como Rainha dos Anjos e dos Santos, do Céu e da terra, e isso motivou uma festa no Céu. Não o digo como hipérbole, pois acredito que tenha havido ali uma verdadeira festa, embora em termos e modos que não podemos imaginar.

A coroação marcou o auge total e pleno de sua alegria, agora já sem sombra, sem mancha, sem incerteza, sem preocupação, sem a menor nuvem. Havia sido reconhecida como Rainha por ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Filha do Padre Eterno e Esposa do Divino Espírito Santo.

O que significou para Nossa Senhora o primeiro instante da visão beatífica – instante eterno, porque o Céu é eterno –, a primeira alegria da visão direta de Deus? Pois bem, a Assunção era o caminho a percorrer para chegar até lá e Maria Santíssima o sabia e desejava ardentemente. Tendo isso na mente, é possível aquilatar os oceanos – eu diria, as infinitudes – de alegrias que inundaram sua alma santíssima naquele dia.

Coroação de Maria Santíssima, por Fra Angélico – Galleria degli Uffizi, Florença (Itália)

Nossas dores serão transformadas em alegrias

Podemos tirar algum proveito dessas considerações e encontrar nelas uma aplicação para nossa vida espiritual? Evidentemente sim.

Nós também somos chamados a subir ao Céu. Logo após a morte, nossas almas serão julgadas, apresentadas a Nossa Senhora e, pela misericórdia d’Ela, em certo momento gozaremos da visão beatífica.

Estando nas delícias do Céu, desfrutaremos da familiaridade com os Anjos, com os Santos. Encontrar-nos-emos novamente uns com os outros, e uma das maiores fontes de alegria que lá teremos será lembrar as dores desta terra e tudo quanto aqui passamos.

Ao encontrarmos alguém com quem tínhamos implicância, diremos:

— Oh, meu caro, o senhor se recorda daquele desacordo entre nós? Dos aborrecimentos que lhe dei? Olhe, por causa disso eu passei no Purgatório tanto tempo…

O outro responderá:

— Eu também aborreci o senhor, mas Nossa Senhora nos perdoou e em função disso se estabeleceu entre nós um vínculo de amizade ainda maior. Lembra-se dos favores que Ela nos concedeu? E de fulano e sicrano, que eram tão nossos amigos?

— Sim, onde eles estarão? – perguntará o primeiro.

— Veja, eles estão lá – responderá o outro.

Eu não tenho a menor dificuldade em admitir que haverá festas no Paraíso Celeste, nas quais todos juntos louvaremos de um modo especial a Maria Santíssima. As dores que padecemos no momento presente serão transformadas em alegrias superabundantes, em satisfações insondáveis, que nos inundarão durante toda a eternidade.

Eternidade perpetuamente nova, animada, empolgante

Meus caros, nossa vida pode durar trinta anos, cinquenta anos, mas passa. Ela representa menos do que um minuto quando nos colocamos na perspectiva da eternidade. Sofremos agora; depois, porém, quantas alegrias teremos! E uma das maiores delas será olhar para Nossa Senhora.

Há uma história medieval, bastante conhecida, referente a certo homem que pediu muito para vê-La. A Mãe de Deus apareceu-lhe e ele ficou encantado. Mas, quando Ela Se retirou, estava cego de um olho. Então um Anjo perguntou-lhe se queria vê-La novamente, com a condição de perder a outra vista. Ele pensou um pouco e respondeu: “Quero! Vale a pena ficar cego para ver ­Nossa Senhora mais uma vez. Qualquer treva é aceitável, desde que, por um instante, eu possa pôr os meus olhos nessa luz!”

A Santíssima Virgem veio de novo. Ele A contemplou longamente e, quando a celeste visitante foi embora, estava curado da outra vista!

Se é tão magnífico ver Nossa Senhora, imaginem o que significa contemplar Nosso Senhor Jesus Cristo! E, depois, a essência de Deus na visão beatífica… Tudo isso eternamente, pelos séculos dos séculos!

E agora pergunto: em comparação com essa eternidade fixa, imóvel, mas perpetuamente nova, sem jaça, em extremo interessante, curiosa de ver, animada, empolgante, o que é esta vida passageira? Não é absolutamente nada, é uma escória. Diante dela temos a impressão de que a vida presente é, mais do que uma realidade, um pesadelo.

Quanto mais sofremos, mais devemos nos lembrar da glória

Então, pensar que na eternidade vamos ter alegrias análogas às de ­Nossa Senhora, e que nossa ida ao Céu em algo se assemelhará com a Assunção d’Ela ao Paraíso Celeste é, a meu ver, a melhor das meditações.

Representa-se Nossa Senhora com o Coração circundado de rosas brancas, para lembrar sua pureza, e perfurado por sete gládios. Evidentemente são gládios espirituais, que simbolizam a alma d’Ela ferida pela espada de dor prenunciada pelo profeta Simeão.

Eu gostaria de ser pintor para representar Maria Santíssima subindo ao Céu, com o Coração à mostra, e saindo desses sete gládios a mais intensa luz que se possa imaginar. Porque o grande júbilo d’Ela provinha dos tormentos sofridos, das lutas aceitas…

Essa será também a nossa alegria. Quanto mais sofrermos nesta terra, mais devemos nos lembrar da glória que teremos ao subir para o Céu, e da felicidade que gozaremos pelos séculos dos séculos.

Na Ladainha de Todos os Santos, há uma jaculatória que sempre me impressionou muito: “Senhor, dignai-Vos elevar nossas almas ao desejo das coisas celestes”. É fazendo meditações assim que percebemos a grandeza das “coisas celestes”, e isso nos dá alegria e inteira consolação para suportar as coisas da terra.

Extraído, com adaptações, da revista “Dr. Plinio”.
São Paulo. Ano XVII. N.197 (Ago., 2014); p.18-23

 

Assunção de Maria, por Neri di Bicci – National Gallery of Canada, Ottawa

A “punição” de São Tomé

Em certos momentos, Nossa Senhora decide punir a falta de um filho muito dileto. Mas, quando o faz, logo a seguir lhe concede um sorriso bondoso, um perdão completo e alguma grande graça.

 

Conta uma tradição venerável que São Tomé, como castigo por ter duvidado da Ressurreição de Nosso Senhor, não se encontrava presente junto aos outros discípulos na hora da morte de Nossa Senhora. Entretanto, quando Ela estava já subindo ao Céu, a certa distância do solo, os Anjos o trouxeram para que pudesse contemplá-La na terra pela última vez. Nesse momento deu-se um fato que faz refulgir a índole de Nossa Senhora, para cuja qualificação a palavra materna não basta; seria preciso usar um outro termo, como supermaterna, arquimaterna, incomparável…

Ciente de ter merecido a pungente punição de não estar presente no instante de sua morte nem no início da Assunção, São Tomé olhou para Maria Santíssima e Ela, sorrindo, concedeu-lhe uma graça toda especial: desatou seu cinto e lançou-o para ele lá de cima. O Dídimo recebeu assim, não direi o perdão pela sua falta, porque já estava perdoada, mas a suprema graça de ganhar uma relíquia d’Ela vinda do céu.

Nossa Senhora age assim quando tem algo a perdoar de um filho muito dileto. Às vezes Ela o pune, às vezes nem sequer o castiga. Mas, quando decide fazê-lo, logo a seguir lhe concede um sorriso bondoso, um perdão completo e alguma grande graça.

Poderíamos imaginar que São Tomé, ao voltar para casa com os Apóstolos, mostrar-lhes-ia ufano o cinto recebido como presente e lhes diria: “O felix culpa – Ó feliz culpa! Por desgraça, eu duvidei de meu Salvador, mas em compensação tive a felicidade de ganhar esta relíquia celeste de minha Mãe Santíssima”.

O último sorriso de Nossa Senhora, o último favor d’Ela antes de subir ao Céu, a mais extrema mostra de amenidade, a bondade mais suave d’Ela foi dada exatamente a São Tomé, e isto nos deve encorajar e encher de esperança.

Extraído, com adaptações, da revista “Dr. Plinio”.
São Paulo. Ano XXI. N.245 (Ago., 2018); p.12-13

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