Nas vivas e atraentes descrições das batalhas travadas e das vitórias conquistadas pela jovem Doutora da Igreja, encontramos valiosos ensinamentos para nossa própria santificação.
“Eu Te bendigo, Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequenos” (Mt 11, 25). Estas palavras de Nosso Senhor à multidão bem se podem aplicar a Santa Teresinha do Menino Jesus, a humilde freira carmelita que abriu às futuras gerações um novo caminho de santificação: a Pequena Via.
Ao proclamá-la Doutora da Igreja em 19 de outubro de 1997, Dia Mundial das Missões, o Papa São João Paulo II salientou: “Santa Teresa de Lisieux não pôde frequentar uma universidade e nem sequer os estudos sistemáticos: morreu jovem. Entretanto, a partir de hoje será honrada como Doutora da Igreja, qualificado reconhecimento que a eleva na consideração de toda a comunidade cristã, muito para além de quanto possa fazê-lo um ‘título acadêmico’”.1
Modelo de santidade para as almas débeis
Considerando sua debilidade e a impossibilidade de santificar-se por suas próprias forças, a jovem carmelita abandonou-se ao amor de Nosso Senhor, com inteira confiança na misericórdia divina, e em pouco tempo atingiu a perfeição. Tornou-se assim modelo para todos quantos se sentem sem condições de imitar os insignes atos de virtude praticados pelos grandes Santos da Cristandade.
Santa Teresinha deixou-nos o itinerário de suas lutas espirituais em três textos redigidos por obediência a suas superioras, os famosos Manuscritos autobiográficos. Neles, soube ela transmitir as mais elevadas realidades sobrenaturais por meio de singelas comparações, a exemplo do Divino Mestre. Vejamos algumas dessas parábolas.
Parábola das flores do jardim
Sentia ela dificuldades em compreender o motivo pelo qual Deus concedia de modo tão desigual suas graças às almas: algumas as recebiam em tal quantidade que mantinham por toda a vida uma inocência ilibada; outras afundavam-se no pecado, mas o Senhor, por assim dizer, as forçava a se converterem; e outras, como os aborígenes das terras de missão, “morriam em grande número sem ter sequer ouvido
pronunciar o nome de Deus”.2 Qual a razão de tal diversidade?
As almas inocentes são capazes de enxergar as realidades sobrenaturais através das criaturas mais simples. Assim, a irmã Teresa encontrou a resposta observando as flores de um jardim: todas são belas, o esplendor da rosa e a alvura do lírio não excluem o perfume da violeta nem a simplicidade do malmequer. Compreendeu então que “se todas as florzinhas quisessem ser rosas, a natureza perderia sua gala primaveril, não haveria mais campos esmaltados de pequenas flores”.3
E concluiu: “Dá-se o mesmo no mundo das almas, que é o jardim de Jesus. Quis Ele criar os grandes Santos, os quais podem comparar-se aos lírios e às rosas; mas criou também os menores, e estes devem contentar-se em ser malmequeres ou violetas, destinados a deleitar os olhos do Bom Deus, quando os sujeita a seus pés. A perfeição consiste em fazer sua vontade, em ser o que Ele quer que sejamos”.4
A partir desse momento, numa poética linguagem, ela se identificará com uma frágil florzinha, necessitada de constante ajuda de Deus. Seus pais são comparados a dois pedúnculos dos quais provieram oito lírios e uma florzinha. Quatro lírios, a terra não os viu florescer: são seus irmãos falecidos em tenra idade. Os outros são suas quatro irmãs que ajudaram a florzinha a cada passo, pois ela era a caçula.
Florzinha replantada no Monte Carmelo
Essa pequena flor cresceu e logo manifestou sua beleza espiritual. Mal saíra da infância e já possuía uma das virtudes mais difíceis de adquirir: a renúncia a si mesma. No início, como ela própria disse, sua fisionomia denotava as “marcas da luta” travada para conquistar essa virtude, mas depois se tornou fácil praticá-la.
A leitura da Imitação de Cristo foi fundamental para forjar a alma de Teresinha. Recitava de memória grandes trechos desse livro que ela tomou como guia seguro para a santificação. Assim robustecida, estava a pequena flor preparada para solicitar sua admissão no Carmelo.
Para isso, era indispensável o consentimento paterno. Não poderia ter sido melhor o dia escolhido por ela para fazer o pedido: a Solenidade de Pentecostes. Depois de suplicar a intercessão dos santos Apóstolos, pois desejava com suas orações ser apóstolo dos apóstolos, Teresinha encontrou-se com seu pai no tranquilo ambiente do jardim da casa. O sol poente dourava as copas das árvores quando ela lhe abriu o coração. Após um instante de hesitação — devido à jovem idade da filha, então com menos de 15 anos —, ele percebeu ser essa a vontade de Deus e logo deu seu assentimento. Em seguida, aproximou-se de uma mureta, apanhou uma flor branca, parecida com um lírio em miniatura, e a entregou à filha, explicando-lhe com que cuidados Deus a fizera nascer e a conservara até aquele dia. Gesto especialmente simbólico, pois a florzinha fora arrancada com as raízes, como para ser replantada em outro lugar. Teresinha viu a parábola de sua vida refletida nessa singela planta: “Era bem isso que meu Papai acabava de fazer por mim, dando-me permissão para subir a montanha do Carmelo e deixar o doce vale testemunha de meus primeiros passos na vida”.5
A Santa de Lisieux guardou-a entre as páginas da Imitação de Cristo, no capítulo intitulado Devemos amar Jesus sobre todas as coisas. Quando redigia seus manuscritos, já próxima do limiar da eternidade, percebeu que se rompera a haste da simbólica flor: “Assim parece o Bom Deus indicar-me que, dentro em breve, romperá os liames de sua florzinha, não a deixando murchar sobre a terra!”.6
“Não sou uma águia…”
Entretanto, qual seria a vocação específica de Teresa? Caminhando pelos claustros do convento, ela se interrogava a este respeito. Desejava ardentemente o martírio, mas isto não lhe bastava: queria ser também missionário, doutor, guerreiro, profeta, apóstolo. Uma só missão não satisfazia o seu fervor, almejava ser tudo ao mesmo tempo! Encontrou afinal a resposta nos capítulos 12 e 13 da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios: o amor abrange todas as vocações. E exclamou, transbordante de contentamento: “No coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o amor… assim serei tudo, assim meu sonho se realizará!”.7
Contudo, convencida estava Teresinha de ser por demais fraca e imperfeita para tão elevada vocação. Isso, entretanto, não representava obstáculo para ela, pois era sua própria fraqueza que lhe dava a audácia de oferecer-se a Jesus como vítima de amor.
E exprimiu, então, com outra bela parábola sua situação no Carmelo: “Não passo de uma débil avezinha coberta apenas de leve penugem. Não sou uma águia, tenho desta unicamente os olhos e o coração, pois, apesar de minha extrema pequenez, ouso fixar o Sol Divino, o Sol de Amor, e meu coração sente todas as aspirações da águia”.8 E assim, vendo-se impossibilitada de voar para junto desse Sol, ela o contemplava com amor aqui da Terra.
Como bem reconhecia a ousada carmelita, em sua linguagem figurada, por vezes a avezinha se distraía com bagatelas terrenas, mas depois voltava arrependida, fixava novamente os olhos no Sol e estendia suas asas molhadas para se secarem ao contato com os benéficos raios. Em momentos como esses, recorria com mais ardor às grandes águias — os Anjos e Santos do Céu —, que a auxiliavam a perseverar no amor.
Mas a avezinha sabia também que estava rodeada de perigosos abutres — os demônios —, os quais espreitavam ocasião propícia para apanhá-la. Não tinha medo deles, pois, no centro do Sol, ela via sua grande proteção: a Águia Eterna, Cristo Senhor nosso, defendendo-a de todas as ciladas infernais.
O Reino da Luz e o país das trevas
Uma das mais belas parábolas da Santa de Lisieux foi escrita durante o período em que padeceu terríveis tentações contra a fé. “É preciso ter passado por esse tenebroso túnel para compreender sua escuridão”,9 comentou ela.
Na tentativa de dar uma ideia da intensidade dessa provação, a jovem carmelita imagina ter nascido num país coberto por denso nevoeiro, onde não era possível contemplar as maravilhas da natureza banhada pelos raios do Sol. Mas ela tem conhecimento, por intuição e por ter ouvido falar, da existência de um reino luminoso, onde tudo é excelente e admirável, a verdadeira pátria das almas. Por ora, contudo, os homens vivem no país das trevas. O Rei do país luminoso quis abrir os olhos de todos para as maravilhas que os esperam, porém muitos não quiseram ouvi-lo: “As trevas não compreenderam que esse Divino Rei era a luz do mundo…”.10
Quanto mais ela procura o Reino da Luz, mais as trevas a envolvem e insuflam em sua alma pensamentos de desespero: “Sonhas com a luz, com uma pátria embalsamada dos mais suaves perfumes. Sonhas com a posse eterna do Criador de todas essas maravilhas. Crês poder sair um dia dos nevoeiros que te cercam! Avança, avança! Alegra-te com a morte que te dará, não o que esperas, mas uma noite mais profunda ainda, a noite do nada”.11 De vez em quando, um minúsculo raio de luz lhe trazia um pouco de alento, mas logo depois as trevas a envolviam de novo.
Teresinha nunca cedeu a essa tentação. Enfrentou o inimigo com valentia, a ponto de poder declarar: “Julgo ter feito neste ano mais atos de fé do que durante todo o resto de minha vida”.12 Manifestava sua alegria em sofrer por amor a Jesus, bem como sua disposição de padecer muito mais ainda, se pudesse com isso reparar apenas um pecado contra a fé.
O pincel de Deus
Reconhecendo as raras virtudes da irmã Teresa, a superiora do Carmelo a convidou a ser mestra de noviças. Ela não se julgava à altura desse encargo, mas a obediência a fez perceber nas palavras da superiora a mesma ordem dada pelo Divino Mestre a São Pedro: “Apascenta os meus cordeiros” (Jo 21, 15). Assumiu então a função, mas a título de auxiliar da madre superiora, a qual acumulava os dois cargos.
No exercício dessa função, Teresinha logo notou como as almas são diferentes e, sobretudo, como é delicada a tarefa de conduzi-las a Deus. Quantas orações, quantos sacrifícios são necessários para fazer-lhes bem! Aliás, orações e sacrifícios “são as armas invencíveis que Jesus me deu”,13 declarou a Santa.
Para explicar como concebia o papel de uma mestra de noviças, a jovem carmelita recorreu a uma singela parábola. Se uma tela pintada por um grande artista pudesse pensar e falar, ela por certo não reclamaria por receber sucessivas pinceladas, nem invejaria o pincel, mero instrumento nas mãos do pintor ao qual deve a sua beleza. O pincel, por sua vez, não poderia vangloriar-se do trabalho executado, pois, com bom ou mau instrumento, o que vale de fato é a habilidade do artista. E concluiu: “Minha Madre muito amada, sou um pincelzinho escolhido por Jesus para pintar sua imagem nas almas que me confiastes”.14
Teresinha exercia com dedicação seu difícil encargo. Como havia já vencido muitas batalhas espirituais, estava preparada para ensinar às suas discípulas o caminho da perfeição. “O amor se nutre de sacrifícios. Quanto mais a alma se recusa as satisfações naturais, tanto mais sua ternura se torna forte e desinteressada”15 — insistia ela.
Com toda certeza, não imaginava a humilde freira que o Divino Artista, muito mais do que “retocar” detalhes na tela das almas das noviças do Carmelo de Lisieux, usaria aquele humilde pincelzinho para produzir obras de arte em todas as nações do universo. Com efeito, criou Ele condições para os sublimes ensinamentos de Santa Teresinha serem transmitidos às sucessivas gerações, por meio de parábolas, à maneira do Divino Mestre. Método, aliás, muito adequado, segundo São Tomás de Aquino,16 para instruir tanto os sábios quanto as pessoas simples.
São as parábolas de Santa Teresinha, ademais, vivas e atraentes descrições das batalhas travadas e das vitórias conquistadas por ela no decorrer de sua breve existência. Saibamos aproveitar, para nossa própria santificação, as lições nelas contidas. ◊
Notas