No Natal, o Messias desceu à terra sob os véus da humildade. No fim dos tempos, virá em todo esplendor e glória, como supremo Juiz. Entre essas duas vindas, segundo São Bernardo de Claraval, há uma “terceira vinda” de Jesus, que ocorre a todo instante de nossa vida.

 

Evangelho do Primeiro Domingo do Advento

25 “Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra as nações ficarão angustiadas com pavor do barulho do mar e das ondas. 26 Os homens vão desmaiar de medo, só de pensar no que vai acontecer ao mundo porque as forças do céu serão abaladas. 27 Então eles verão o Filho do Homem vindo sobre uma nuvem com grande poder e glória. 28 Quando estas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça; porque a vossa libertação está próxima. 34 Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida, e esse dia não caia de repente sobre vós; 35 pois esse dia cairá como uma armadilha sobre todos os habitantes da terra. 36 Portanto, ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé diante do Filho do Homem” (Lc 21, 25-28.34-36).

I – As duas vindas de Cristo

A despreocupação com que a criança vive e brinca lhe advém em grande medida da confiança no apoio, para ela infalível, do pai ou da mãe. Essa salutar segurança é, sem dúvida, uma das razões para a desanuviada e contagiante alegria infantil.

Relacionamento semelhante a esse entre filhos e pais, na ordem natural, observa-se também entre o homem e Deus, na ordem espiritual. É o que poeticamente exprime a Sagrada Escritura ao dizer: “Mantenho em calma e sossego a minha alma, tal como uma criança no seio materno, assim está minha alma em mim mesmo” (Sl 130, 2).

Deus é muito mais do que um pai terreno

Deus, como incomparável Pai, nos ama verdadeira e incondicionalmente, e fica agradado sempre que pedimos Seu auxílio, não importa em que situações. Entretanto, ao contrário da criança, que jamais se esquece dos seus progenitores, tendemos a levar a vida cotidiana sem considerar quanto dependemos da Divina Providência, a qual nunca deixa de velar por nós. E essa propensão à autossuficiência seria muito maior se nossas debilidades, limitações e infortúnios não nos recordassem frequentemente o quanto precisamos da ajuda divina.

“Fuga ao Egito”, por Fra Angélico – Museu de São Marcos, Florença

Ora, Deus é para nós muito mais do que um pai terreno, pois dEle dependemos de forma absoluta, essencial e única. Em primeiro lugar, Ele nos criou: devemos-Lhe nossa existência. Ademais, Ele nos conserva, nos sustenta no ser, o que nenhum pai humano pode fazer a seu filho. Se Deus, por assim dizer, cessasse de pensar em nós um instante, deixaríamos de existir, voltaríamos ao nada. Em relação a Ele, nossa dependência é total.

Além disso — mistério de amor! —, Deus Se encarnou para nos remir. E o preço pago para essa Redenção foi a morte na Cruz, derramando todo o Seu Sangue por nós. Mais, verdadeiramente, não poderia Ele fazer pela humanidade.

É nessa perspectiva da Bondade de Deus que nos ama como Pai e nos redime, que devemos entrar no período do Advento que hoje começa, e é também nessa clave que comemoramos, na Liturgia deste domingo, as ­duas vindas de Nosso Senhor.

Uma vinda na humildade e outra na glória

Na primeira, que já se realizou, o Menino Jesus apresentou-Se pobre, humilde, sem qualquer manifestação de grandeza: “Revestido da nossa fragilidade, Ele veio a primeira vez para realizar Seu eterno plano de amor e abrir-nos o caminho da salvação”. 1 De forma bem diversa se dará a segunda, no fim dos tempos, quando Nosso Senhor vier para julgar os vivos e os mortos: “Revestido de Sua glória, Ele virá uma segunda vez para conceder-nos em plenitude os bens prometidos, que hoje, vigilantes, esperamos”. 2

Mostra o grande Bossuet como, ao assumir a natureza humana, Deus quis fazê-lo nas condições mais modestas, humilhando-Se até o inconcebível: “Ele como que caiu, do seio de Seu Pai, no de uma mulher mortal, daí num estábulo, e daí desceu, por sucessivos graus de rebaixamento, até a infâmia da Cruz, até a escuridão do túmulo. Reconheço que não era possível cair mais baixo”. 3

Ora, tão humilde quanto foi o nascimento de Jesus, gloriosa será Sua segunda vinda, a respeito da qual afirma São Gregório Magno: “Aquele a Quem não quiseram escutar quando Se apresentou humilde, eles O verão descer em grande poder e majestade, e experimentarão o Seu poder, tanto mais rigoroso quanto menos dobrem agora a cerviz do coração ante a paciência dEle”. 4

O acentuado contraste entre essas duas situações leva o Pe. Dehaut a exclamar: “Que diferença entre esta segunda vinda de Jesus e a primeira! Na primeira, Ele Se apresentou aos homens na fraqueza da infância, na pobreza e na indigência, escapando, pela fuga, aos emissários de um tirano sanguinário. Na segunda, descerá cercado de glória e majestade, como Rei do Universo”. 5

As quatro semanas de advento

O Tempo do Advento compõe-se de quatro semanas, representando os séculos e milênios que esperou a humanidade pela vinda do Redentor. Nesse período, tudo na Liturgia se reveste de austeridade — omite-se o Glória, os paramentos são roxos e as flores não enfeitam mais o interior dos templos — para lembrar “nossa condição de peregrinos, ancorados ainda na esperança”, como afirma o famoso liturgista Manuel Garrido. 6

A causa de estar dedicado o Evangelho deste primeiro domingo à segunda vinda de Nosso Senhor é assim explicada por Dom Maurice Landrieux, Bispo de Dijon: “A Igreja nos fala do fim do mundo, isto é, dos Novíssimos, para recordar-nos o sentido da vida, desapegar-nos do pecado e encorajar-nos à prática do bem. Deus nos criou para a vida eterna. Não temos morada permanente nesta terra: aqui estamos de passagem, a caminho do Céu”. 7

Daí que, já no início da Celebração Eucarística, a Igreja faça esta oração: “Concedei aos Vossos fiéis o ardente desejo de possuir o Reino Celeste. Para que acorrendo com as nossas boas obras ao encontro do Cristo, que vem, sejamos reunidos à Sua direita na comunidade dos justos”.

Assim, nesta abertura de ano litúrgico, temos duas preparações: uma para comemorar dignamente o nascimento de Jesus em Belém; outra, para o grandioso ato de encerramento da História humana, que é o Juízo Final. Pois “a lembrança da última vinda de Nosso Senhor, inspirando-nos um salutar pavor que nos afasta do pecado e nos conduz ao bem, prepara-nos também para celebrar santamente a primeira vinda”. 8

Na segunda e terceira semanas são considerados aspectos do Precursor; e na última a Liturgia trata de uma preparação mais direta para o nascimento do Redentor, considerando toda a espera e as orações de Nossa Senhora, dos patriarcas, dos profetas, como fatores que aceleraram a vinda do Messias à terra.

II – Jesus anuncia Sua segunda vinda

25 “Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra as nações ficarão angustiadas com pavor do barulho do mar e das ondas. 26 Os homens vão desmaiar de medo, só de pensar no que vai acontecer ao mundo porque as forças do céu serão abaladas”.

São João Crisóstomo faz uma interessante consideração sobre estes versículos, ao dizer que Nosso Senhor indica aqui uma série de sinais prenunciadores do fim do mundo enquanto, em outras passagens, afirma que este virá num momento inesperado (cf. Mt 24, 42). 9

Para explicar esta aparente contradição, levanta o Crisóstomo a hipótese de que nos últimos tempos haverá guerras e perseguições, mas em certo momento tudo entrará numa aparente tranquilidade em meio à desordem do pecado. Os bons ficarão reduzidos a presenciar impotentes todo tipo de abominações. Quando, porém, parecer evidente a todos o triunfo geral e definitivo do mal, dando a ideia de que Deus não existe, o Juiz Supremo Se apresentará inesperadamente para julgar os vivos e os mortos. 10

Santo Agostinho, de sua parte, comenta que os fenômenos da natureza descritos nestes versículos “devem ser entendidos como se referindo à Igreja, pois esta é o sol, a lua e as estrelas; ela tem sido chamada de formosa como a lua, eleita como o sol, e não brilhará nessa época, devido à furiosa perseguição”. 11

27 “Então eles verão o Filho do Homem vindo sobre uma nuvem com grande poder e glória”. 

“Redenção dos justos”, por Fra Angélico – Museu de São Marcos, Florença

Vejamos a bela relação que faz o Pe. Julien Thiriet entre este versículo e a primeira vinda do Senhor: “Eles verão o Filho do Homem vindo com grande poder e majestade. Ou seja, com força invencível, para confundir e castigar Seus inimigos, mas também com uma glória resplandecente, uma majestade divina, para recompensar e coroar Seus eleitos. Assim, depois de ter aparecido sob uma forma humilde e desprezível na Sua primeira vinda — ‘aniquilou-se a Si mesmo, assumindo a condição de escravo’ (Fl 2, 7) —, aparecerá na última vinda como poderoso Rei e soberano Senhor do Céu e da terra. Todos os homens verão em Seu Corpo as gloriosas cicatrizes de Suas chagas, e os pecadores, conforme disse o profeta Zacarias, reconhecerão Aquele que transpassaram”. 12

O fato de Cristo vir sobre uma nuvem é relacionado pelo mesmo autor com o dia de Sua Ascensão: “As nuvens que Lhe serviram de carro triunfal para subir ao Céu, diz Orígenes, servir-Lhe-ão de trono quando Ele descer para julgar a terra”. 13

Mais circunstanciado é o comentário de Santo Agostinho, que considera duas possíveis interpretações para esse pormenor:

“Pode-se entender isso em dois sentidos. Ele poderá vir à Igreja como sobre uma nuvem, como não cessa de vir agora, conforme diz a Escritura: ‘Vereis doravante o Filho do Homem sentar-Se à direita do Todo-Poderoso, e voltar sobre as nuvens do céu’ (Mt 26, 64). Mas virá então com grande poder e majestade, porque manifestará mais nos santos Seu poder e majestade divina, pois aumentou-lhes a fortaleza para não sucumbirem na perseguição. Pode-se entender também que venha em Seu Corpo, que está sentado à direita do Pai, no qual  morreu, ressuscitou e subiu ao Céu, conforme está escrito nos Atos dos Apóstolos: ‘Dizendo isso, elevou-Se da terra à vista deles e uma nuvem O ocultou aos seus olhos’. E ali mesmo disseram os Anjos: ‘Voltará do mesmo modo que O vistes subir ao Céu’ (At 1, 9.11). Temos, pois, motivos para crer que virá, não só em Seu Corpo, mas também sobre uma nuvem; virá como Se foi, e ao ir-Se uma nuvem O ocultou. É difícil julgar qual dos dois sentidos é o melhor”. 14

28 “Quando estas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça; porque a vossa libertação está próxima”.

As palavras de Jesus neste versículo convidam e elevar o ânimo e ter confiança pois, junto com o anunciado castigo, chegará para aqueles que tiverem permanecido fiéis a hora da libertação. Daí que São Gregório Magno afirme: “Quando as pragas afligirem o mundo, levantai vossas cabeças, isto é, alegrai vossos corações, porque enquanto acaba o mundo, do qual na verdade não sois amigos, aproxima-se vossa redenção, que tanto tendes procurado”. 15

A aumentar nossa esperança e alçar nossos corações para o Céu nessa hora, convida também Dom Maurice Landrieux: “Se o dia do Juízo Final deve ser terrível para os réprobos, será, ao contrário, consolador para os eleitos, os quais entrarão de corpo e alma na glória completa, tão desejada. Portanto, quando essas coisas começarem a acontecer, enquanto os pecadores murcharão de terror e serão tomados de desespero, vós, Meus amigos e servidores, levantai a cabeça e olhai; fortalecei vossa fé e vossa esperança, desviai da terra vosso espírito e vosso coração e elevai-os ao Céu; alegrai-vos, pois está próxima a vossa libertação. Essa libertação ou redenção será para os eleitos o fim absoluto de todos os males, a perfeita satisfação da alma e do corpo, o gozo incomparável da eterna bem-aventurança”. 16

E conclui com esta exclamação: “Dia de pavor e desespero para os ímpios, os pecadores: dies iræ, dies illa! Mas de indizível esperança para os justos de Deus, para os pequenos e os humildes desconhecidos, desdenhados, rejeitados, execrados, explorados, maltratados, oprimidos de todos os modos nesta terra”. 17

Ora, se no fim dos tempos os castigos de Deus contra os maus significam a libertação dos bons, a ponto de Santo Agostinho afirmar que “a vinda do Filho do Homem incute temor só aos incrédulos”, 18 bem poderíamos tirar disso uma conclusão para nossa época: por mais que, nos dias atuais, as aflições e apreensões oprimam os bons, estes igualmente não devem temer, pois Deus jamais abandona quem nEle confia.

É o que afirma São Cipriano: “Quem espera a recompensa divina deve reconhecer que em nós não poderá haver medo algum ante as borrascas do mundo, nenhuma vacilação, pois o Senhor predisse e ensinou que isso aconteceria, exortando, instruindo, preparando e fortalecendo os fiéis de Sua Igreja com vistas a suportar os acontecimentos futuros”. 19

III – Preparação dos corações

34 “Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida, e esse dia não caia de repente sobre vós; 35 pois esse dia cairá como uma armadilha sobre todos os habitantes da terra”.

“Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis!”. Nesta segunda parte do Evangelho escolhido pela Igreja para este domingo, o Divino Mestre faz referência àquelas almas que, mesmo não negando formalmente a Fé, já não se enlevam, não vibram, nem se comovem com as mais belas doutrinas, cerimônias ou acontecimentos, ficando incapazes de reconhecer neles a voz ou a presença do Salvador.

“Como uma armadilha”, cairá o dia terrível do Juízo Final sobre os habitantes da terra; portanto, para não sermos apanhados de improviso, precisamos estar vigilantes para impedir que nossos corações se tornem insensíveis pelos vícios e pela preocupação com os efêmeros bens deste mundo.

“Juízo Final”, por Fra Angélico – Museu de São Marcos, Florença

Gula, embriaguez e preocupações da vida

Jesus menciona, em primeiro lugar, a gula. Pecado que, em nossos dias, pode ser considerado inclusive no sentido inverso, ou seja, como a preocupação excessiva com o controle do peso, em prejuízo da própria saúde. O equilíbrio consiste em comer o necessário para manter-se e poder enfrentar as dificuldades da vida.

Mas existe também uma gula dos olhos: a excessiva curiosidade; ou dos ouvidos: o desejo imoderado de conversar, de querer estar a par de todas as novidades. Para não estender demais a lista dos vícios correlatos à gula, mencionemos apenas mais um, e dos mais perniciosos: o anseio de chamar a atenção sobre si.

Quanto à embriaguez, Orígenes nota quão profunda é a degradação à qual ela conduz, por afetar simultaneamente o corpo e a alma. “Em outros casos pode acontecer que o espírito se fortaleça quando o corpo se debilite, como diz o Apóstolo (cf. II Cor 12, 10); e quando ‘o homem exterior se enfraquece, o interior se renova’ (II Cor 4, 16). Mas na enfermidade da embriaguez deterioram-se ao mesmo tempo o corpo e a alma; o espírito se corrompe como a carne. Debilitam-se os pés e as mãos, embota-se a língua, as trevas lançam um véu sobre os olhos, e o olvido envolve a mente, de modo que o homem não conhece nem sente”. 20

Em nossos dias, bem poderia este vício ser tomado como símbolo do inebriamento com as coisas materiais como o automóvel, o computador, o telefone celular, a internet e outros aparelhos que são úteis e até necessários, mas que, usados sem o controle da virtude da temperança, contribuem para tornar o coração insensível às realidades sobrenaturais.

Uma eloquente metáfora do mesmo Orígenes vem muito a propósito para realçar o quanto precisamos tomar em consideração a advertência feita pelo Divino Mestre no Evangelho deste domingo: “Imagine-se que um médico experiente e sábio dê prescrições parecidas a esta, recomendando, por exemplo: ‘Cuide de não tomar em excesso suco de tal erva, pois isso pode causar morte repentina’. Não duvido que, para preservar a própria saúde, todos obedeceriam a essa advertência. Ora, Aquele que é médico das almas e dos corpos, o Senhor, nos ordena tomar cuidado com a erva da embriaguez e da crápula, bem como dos negócios mundanos e dos sucos mortais que é preciso evitar”. 21

Assim, não só quem se deixa levar pelos vícios degradantes como a gula e a embriaguez, mas também quem se toma de excessivas preocupações pelos bens terrenos, acaba ficando com o coração insensível, pesado, incapaz de elevar-se até Deus. É novamente Orígenes quem faz esclarecedores comentários: “A última advertência de Jesus, no momento, incide sobre o cuidado que devemos ter com aquelas coisas da vida que — embora não sendo consideradas como pecados graves, mas sim como atividades aparentemente indiferentes — obnubilam entretanto nossa consciência a respeito de Sua volta iminente e da repentina chegada do fim do mundo”. 22

A este respeito, recomenda-nos São Basílio: “A curiosidade e os cuidados desta vida, embora não pareçam prejudiciais, devem ser evitados quando não contribuem para o serviço de Deus”. 23 E o douto Tito nos alerta: “Tomai cuidado para não se obscurecerem as luzes de vossa inteligência, porque as preocupações desta vida, a crápula e a embriaguez afugentam a paciência, fazem vacilar a fé e provocam o naufrágio”. 24

Ao que Dom Landrieux acrescenta: “Prestai muita atenção para não deixar vosso coração apegar-se à terra pelos prazeres grosseiros dos sentidos, pela fruição imoderada dos bens deste mundo, ou  por um cuidado excessivo com vossa situação, que vos exporia a ser surpreendido de repente pela morte: et superveniat in vos repentina dies illa. Pelo contrário, vigiai e orai, sede prudentes, recorrei aos meios sobrenaturais para obter que a mão de Deus vos sustente nessas provações, de sorte a poderdes permanecer de pé no dia do Juízo: stare ante filium hominis. 25

Vigilância e oração

36 “Portanto, ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé diante do Filho do Homem”.

Bem observam os professores de Salamanca o fato de São Lucas não acompanhar seu relato com parábolas, como fazem os outros sinópticos. Ele traz apenas uma exortação geral. “Em compensação, exprime bem o sentido dessa vigilância constante em pureza de vida e oração”. 26

Ficar atento significa estar sempre preparado para o encontro com Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora, mantendo bem abertos, não apenas os olhos do corpo, mas, sobretudo, os da alma, pois são estes que poderão indicar a proximidade do Senhor. E para isto precisamos viver continuamente em estado de oração, mesmo quando estivermos cumprindo nossas obrigações habituais. Só assim poderemos estar preparados para os grandes acontecimentos anunciados por Jesus e nos apresentar “de pé diante do Filho do Homem”, isto é, íntegros, honestos e virtuosos. Em suma, permanecendo no estado de graça.

Na vida terrena, muito mais importante do que conservar a saúde, o dinheiro ou qualquer outro bem, é manter-se na graça de Deus. Portanto, esforçando-se por jamais ofendê-Lo; mas, se tiver a desgraça de cair no pecado, procurando imediatamente reconciliar-se com Ele, pelo sacramento da Confissão. A isso nos exorta São Gregório Magno: “Emendai-vos, mudai vossos costumes, vencei as tentações e castigai com lágrimas os pecados cometidos, porque algum dia vereis a chegada do eterno Juiz com tanto maior segurança quanto mais tiverdes prevenido pelo temor Sua severidade”. 27

Grupo escultórico do cemitério da Consolação, São Paulo

IV – A “terceira vinda”

A Liturgia do Primeiro Domingo do Advento é toda ela penetrada pela perspectiva da comemoração da primeira vinda de Nosso Senhor, com Seu nascimento na gruta em Belém, e pela preparação da segunda, que se dará no fim do mundo para julgar toda a humanidade.

De acordo com São Bernardo de Claraval, porém, são três as vindas de Nosso Senhor: “A primeira, quando Ele veio por Sua Encarnação; a segunda é cotidiana, quando Ele vem a cada um de nós, pela Sua graça; e a terceira, quando virá para julgar o mundo”. 28 Em outra passagem, especifica o Doutor Melífluo que o segundo advento de Cristo é oculto e “somente os eleitos o veem em si mesmos, e com ele salvam suas almas”. Ele está vindo constantemente a nós para ser “nosso repouso e consolo”. 29

Assim, a todo instante somos chamados a ter um encontro com Jesus. Será, sobretudo, na Eucaristia. Mas também, por exemplo, ao meditar este Evangelho do Primeiro de Advento, ou escutando uma palavra inspirada de algum ministro de Deus. Por isso, nossa vida deveria em realidade girar em torno de um Natal permanente, que se iniciasse ao acordar pela manhã e não terminasse sequer ao dormir à noite, porque para tudo dependemos da graça de Deus e devemos estar continuamente esperando o auxílio que nos vem dEle.

Fiquemos atentos e aproveitemos esses valiosos convites da graça de modo a estarmos em condições de receber, não com pavor e desespero, mas com júbilo, o justo Juiz que descerá do Céu em toda pompa e majestade e dirá àqueles que nesta terra confiaram em Sua misericórdia e cumpriram Seus Mandamentos: “Vinde, benditos de Meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo” (Mt 25, 34). Quem tiver sempre em vista esse fim, terá ânimo redobrado para praticar a virtude e comparecer sem temor ao encontro definitivo com Nosso Senhor.

Preparemo-nos, portanto, porque Ele virá quando menos esperarmos! 

 

Notas

1 Prefácio do Advento, I.
2 Idem.
3 BOSSUET. Oeuvres choisies. Versailles: Lebel, 1822, p. 156.
4 SAN GREGORIO MAGNO. Obras de San Gregorio Magno. Madrid: BAC, 1958, p. 538.
5 DEHAUT, P. Pierre Auguste Teóphile. L’Évangile expliqué, défendu, médité. Paris : Lethielleux, 1868, vol. 4, p. 405.
6 GARRIDO, Manuel. Iniciación a la Liturgia de la Iglesia. Palabra, p. 275.
7 LANDRIEUX, Mgr. Maurice. Courtes gloses sur les Evangiles du dimanche. Paris: Beauchesne, 1918, p. 2-3.
8 THIRIET, P. Julien. Explication des Evangiles du dimanche. Hong-Kong: Société des Missions Étrangères, 1920, p. 2.
9 Veja-se também I Ts 5, 2; II Pd 3, 10; Ap 16, 15.
10 Cf. SAN JUAN CRISÓSTOMO. Homilias sobre el Evangelio de San Mateo, 76 e 77.
11 Apud AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea.
12 THIRIET, Op. cit., p. 5.
13 Idem.
14 SAN AGOSTÍN, Carta 199, 41-45. In Comentarios de San Agustín, Valladolid: Estudio Agustiniano, 1986, p. 52-53.
15 Apud AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea.
16 THIRIET, Op. cit., p. 6.
17 LANDRIEUX, Op. cit. p. 7
18 Apud ODEN, Thomas C.; JUST, Arthur A. La biblia comentada por los Padres de la Iglesia. Madrid: Ciudad Nueva, 2000, p. 431.
19 SAN CIPRIANO. Sobre la mortalidad, 2 apud ODEN-JUST, Op. cit., p. 434.
20 Homilías sobre el Levítico, 7, 1-237. Apud ODEN-JUST, Op. cit., p. 434-435.
21 Idem.
22 Apud ODEN-JUST, Op. cit., p. 432.
23 Apud AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea.
24 Apud idem.
25 LANDRIEUX, Op. cit. p. 8-9.
26 TUYA, OP, Pe. Manuel de. Biblia comentada. Madrid: BAC, 1964, p. 904.
27 SAN GREGORIO MAGNO, Op.cit., p. 541.
28 Cf. THIRIET, Op. cit., p. 2.
29 SAN BERNARDO DE CLARAVAL. In Obras completas de San Bernardo. Madrid: BAC, 1953, p. 177.

 

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Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, é fundador dos Arautos do Evangelho.

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