A exemplo de Santa Maria Goretti, preferiu arriscar a vida a macular sua castidade. Começou então um longo Calvário, oferecido a Jesus para a conversão dos pecadores.

 

A meio caminho entre o Porto e Braga, situa-se o povoado de Balazar, típico exemplar das encantadoras aldeias portuguesas, com casas de pedras rústicas, rodeada de vinhedos, trigais, figueiras e oliveiras.

O pequeno lugarejo não contava 2 mil habitantes em 1953, quando co­me­çou a receber milhares de visitantes por dia. Por exemplo, 6 mil a 10 de maio. O que atraía para lá essas multidões? — O brilho da santidade, refletido na vida de uma virgem heróica, prostrada há mais de 30 anos num lei­to de dor.

Infância iluminada pela Eucaristia

Ali veio ao mundo Alexandrina Maria da Costa, no dia 30 de março de 1904. Filha de camponeses devotos e laboriosos, ficou órfã de pai pouco após seu nascimento. Era uma menina mui­to alegre, atraente e vivaz. Mas nun­ca deixava levar-se por sua jovialidade e espontaneidade a ponto de prejudi­car sua precoce vida espiritual.

Desde seus primeiros anos, fascinava-se com as procissões religiosas cheias de colorido, que percorriam a aldeia em dias de festa. Quando fez sua Primeira Comunhão, aos sete anos, já tinha ad­quirido um profundo amor à Eucaristia, visitando o Santíssimo Sacramento com inabitual freqüência e fazendo comunhões espirituais nas ocasiões em que não lhe era possível assistir à Missa.

Devido à difícil situação da família, viu-se obrigada, aos nove anos, a trocar os bancos escolares pelo trabalho no cam­po. Após três anos de serviço, um camponês de coração depravado quis atentar contra a castidade dessa frágil menina. Não teve êxito em seu intento, pois, segurando o Rosário em sua mão, foi ela dotada pelo Senhor de uma for­ça inexplicável. Depois deste inciden­te, retornou Alexandrina para a casa materna. Nesse ano, 1916, adoeceu gravemente e recebeu a Unção dos Enfermos. Sua mãe dava-lhe o crucifixo a beijar, mas a jovenzinha movia a cabeça, murmurando: “Não é este que quero, mas sim Jesus na Eucaristia”.

Não se recuperou inteiramente. Em precário estado de saúde, dedicou-se à costura, junto com sua irmã mais velha, Deolinda.

Vista geral de Balazar, terra natal da Beata Alexandrina

Castidade heróica

Essa tranqüila vida de trabalho em família foi interrompida de forma brutal em 1918, quando ela tinha 14 anos. Estava no andar superior da casa em companhia de Deolinda e outra jo­vem. Três homens aproximaram-se, exigindo com ameaças que os deixassem entrar. Assomando-se à janela, Alexandrina re­conheceu um deles como aquele que ha­via tentado ultrajá-la anos atrás. Rapidamente, fechou a porta. Mas eles con­seguiram entrar por uma portinhola. Deolinda e a outra jovem puderam escapar, porém Alexandrina ficou cercada por aquele bandido num canto do quarto. Ela gritava: “Jesus, ajudai-me!”, ao mesmo tempo que o açoitava com o Rosário.

Atrás dela havia uma janela. Era sua única saída! Sem hesitar, lançou-se pa­ra baixo, preferindo arriscar a vida em defesa de sua virgindade. O golpe foi muito duro. Sentindo uma dor agudíssima que lhe fazia ranger os dentes, agar­rou-se a um pedaço de madeira e arras­tou-se para dentro da casa. Sua colu­na ficou irreparavelmente prejudicada.

Os melhores médicos especialistas do Porto nada puderam fazer para evitar a trágica conseqüência da queda: após 5 anos de dores que aumentavam sem cessar, a heróica virgem viu-se, ainda na flor da juventude, condenada à paraplegia pelo resto de sua vida.

Descoberta de uma sublime vocação

Insondáveis e maravilhosos são os caminhos traçados pela Divina Pro­vi­dência para cada alma! No leito de dor a que estava reduzida, Alexandrina co­meçou a pedir uma maior união com Jesus. E não tardou a surgir-lhe na alma a idéia de que sua vocação era a de aceitar amorosamente os sofrimentos.

À sua aldeia começaram a chegar notícias das aparições de Nossa Se­nho­ra em Fátima. A Santíssima Vir­gem — narravam-lhe — vinha pedir sacrifícios pela conversão dos pe­ca­do­res e em re­paração pelas ofensas co­metidas contra o Imaculado Coração de Maria e seu Filho Divino. Certo dia, quase toda a população da pequena aldeia partiu pa­ra Fátima. Sozinha em casa, Alexan­drina fechou os olhos e começou a orar, oferecendo a Jesus, nessas intenções, o sacrifício do abandono e da desolação.

Estando nessa oração, seus pensamentos e desejos voavam para o Santíssimo Sacramento, presente na igreja de Santa Eulália, a poucos passos de seu aposento. Estaria Ele, lá, abando­nado como ela? Inesperadamente, te­ve uma iluminação da graça em sua alma: “Pude entender que Nosso Senhor também se encontrava prisioneiro no tabernáculo”, declarou.

A descoberta deste vínculo com Jesus Hóstia constituiu para ela um convite para ir visitá-Lo em espírito e permanecer constantemente em sua presença, adorando-O e amando-O sem in­terrupção, orando, oferecendo-se como vítima expiatória para consolar seu Sagrado Coração e obter a conversão dos pecadores.

Uma alta missão: sofrer, amar, reparar

Não pôde ir à Cova da Iria visitar a singela capelinha erguida no local on­de aparecera a Mãe de Deus. Mas tor­nou-se uma das primeiras e mais ardo­rosas discípulas da Virgem de Fátima. Sumamente comovida, Alexandrina su­plicava a Nosso Senhor que lhe permitisse sofrer até o limite de suas forças, para livrar do fogo do inferno os pe­ca­dores.

Não se fez tardar a aceitação dessa generosa súplica: suas dores come­ça­ram a agravar-se até ficarem quase insupor­táveis. Noite após noite, permanecia ela desperta e com febre muito alta. Sempre com o Rosário nas mãos, repetia en­tre soluços a jaculatória ensinada por Nossa Senhora de Fátima aos pastori­nhos: “Ó Jesus, é por amor a Vós, pela conversão dos pecadores e em re­pa­ra­ção às ofensas ao Imaculado Coração de Maria!

Na sagrada Eucaristia, que o Pároco de Balazar levava-lhe diariamente, ob­ti­­nha ela novas forças para oferecer mais sofrimentos. Em 1931, começou a ser beneficiada por fenômenos místicos e definiu em três palavras sua missão: “Sofrer, amar, reparar”. Segundo seus próprios relatos, ela teve, sob a forma de êxtases, mais de mil contatos com o Divino Redentor, normalmente às sextas-feiras ou nos primeiros sábados.

Janela por onde Beata Alexandrina se atirou para fugir de seu perseguidor: vista interna e externa

“Ajuda-me na redenção do gênero humano”

No dia 6 de setembro de 1934, Jesus falou com Alexandrina pela primeira vez, convidando-a a participar de sua Paixão. Ela nunca pôde esquecer esse dia em que sofreu sua “primeira crucifixão” e emitiu o voto de fazer sempre o que fosse mais perfeito. No mês se­guin­te, o Divino Redentor fez-lhe um convite para ser vítima expiatória: “Ajuda-me na redenção do gênero humano”.

No dia 3 de outubro de 1938, Nosso Senhor convidou-a a submergir-se em sua Paixão: “Vê, minha filha, o Cal­vá­rio está pronto, aceitas?” Alexandrina ace­deu generosamente. As pessoas presen­tes sustinham a respiração enquanto ela entrava em êxtase e, recobrando momentaneamente o uso de seus membros paralisados, empreendia os movimentos da Paixão, desde a Agonia no Horto das Oliveiras até a morte no Cal­vá­rio. “Tudo parecia estar presente diante de mim. Eu sentia o medo e o horror des­sas horas amargas, a ansiedade de meu diretor espiritual a meu lado e as lágrimas de minha família aterrorizada”, escreveu ela.

Esse fenômeno místico repetiu-se desde então todas as sextas-feiras, até 20 de março de 1942. O Pe. Umberto Pascoale — sacerdote salesiano, seu diretor espiritual e principal biógrafo — recomendou-lhe ditar às suas duas secretárias o relato desses êxtases, que duravam do meio-dia às 3 horas da tar­de. Com isto, recolheu uma documentação abundante e de alta qualidade. Alguns desses êxtases foram filmados e incorporados ao processo de beatificação.

Vivendo exclusivamente da Eucaristia

Num dia de 1942 ouviu a voz do Senhor dizendo-lhe: “Não te alimentarás mais com comida nesta terra. Tua comida será minha Carne, tua bebida será meu Sangue, tua vida será minha Vida”. Assim se fez. Durante os últimos 13 anos de sua vida, Alexandrina não comeu nem bebeu mais nada. Alimentava-se exclusivamente da Euca­ris­tia. Sua fome e sede somente por Deus podiam ser saciadas.

Ela comunicou a seu diretor espiritual o que Nosso Senhor lhe havia dito: “Estás vivendo só da Eucaristia por­que quero mostrar ao mundo inteiro o poder da Eucaristia e o poder de minha Vida nas almas”.

Decorreram, assim, longos anos de vida de vítima expiatória, entre atrozes sofrimentos, graças místicas insignes e, por incrível que possa parecer, algumas atividades apostólicas.

Alexandrina tornara-se muito conhe­cida. No ano de 1952, o número de visi­tantes aumentou a ponto de o Arcebispo de Braga publicar uma circular, declarando proibidas essas visitas. Po­rém, poucos meses depois, declarou anulada a circular, e a afluência de pessoas cresceu ainda mais. Em 9 de maio de 1953, recebeu quase 2 mil visitantes. Em 5 de junho, perto de 5 mil. E no dia 10 do mesmo mês, cerca de 6 mil.

Campa onde repousa o corpo da Beata, próximo do altar da igreja, em Balazar, e Capela onde a Beata esteve sepultada primeiramente, antes de ser transladada para a igreja

“Não chorem por mim … por fim, vou-me para o Céu”

No dia 13 de outubro de 1955, pou­co depois de receber a Sagrada Eucaristia, faleceu a privilegiada participante da Paixão de Cristo Jesus. Suas últimas palavras foram: “Não chorem por mim, hoje sou imensamente feliz… por fim, vou-me para o Céu”. Aos sacerdotes, pe­regrinos e jornalistas que abarrotavam o lugar, deu uma recomendação na qual se reconhece o eco da Mensagem de Fátima: “Não pequem mais. Os praze­res desta vida nada valem. Recebam a Comunhão, rezem o Rosário todos os dias. Isto resume tudo!

O corpo de Alexandrina repousa na igreja paroquial de Balazar, perto do Sacrário. Seu processo de beatificação, aberto pelo Arcebispo de Braga em 1973, está concluído. No dia 25 deste mês, ela será proclamada Bem-Aventurada pelo Vigário de Cristo na terra, em cerimônia na Praça de São Pedro.

Sua longa vida de sofrimentos foi uma contínua prece pela conversão dos pecadores. No Céu, será ela certamente valiosa intercessora junto a Jesus e Maria para todos quantos a ela recorrerem, pedindo essa preciosa gra­ça para si ou para terceiros.

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