Na variedade dos povos, a unidade da Igreja, que ao longo dos séculos inspira o heroísmo da virtude, surpreende o cético espectador… Ignora ele qual o fator determinante desta maravilhosa coesão!
Sequência da Solenidade de Pentecostes
“Espírito de Deus, enviai dos Céus um raio de luz! Vinde, Pai dos pobres, dai aos corações vossos sete dons. Consolo que acalma, hóspede da alma, doce alívio, vinde! No labor descanso, na aflição remanso, no calor aragem. Enchei luz bendita, chama que crepita, o íntimo de nós! Sem a luz que acode, nada o homem pode, nenhum bem há nele. Ao sujo lavai, ao seco regai, curai o doente. Dobrai o que é duro, guiai no escuro, o frio aquecei. Dai à vossa Igreja, que espera e deseja, vossos sete dons. Dai em prêmio ao forte, uma santa morte, alegria eterna”.
I – A alma, fator de unidade e vida
No transcurso do tempo, sem dúvida, já tivemos ocasião de comparecer a um funeral ou presenciamos algum violento acidente de automóvel com vítimas fatais. Em cada uma dessas oportunidades experimentamos uma profunda impressão, ao contemplar o corpo de um defunto, imóvel, sem reação nenhuma, irremediavelmente desprovido de vitalidade.
Com efeito, a vida humana é constituída pela presença da alma animando o corpo. Este perde sua harmonia quando aquela se separa. Dado que possuímos membros muito diferentes, com peculiaridades e atribuições variadas — os braços são diversos da cabeça, as pernas dos braços, e até mesmo é distinto o papel de cada dedo da mesma mão —, é indispensável um fator de unidade que exerça uma ação ordenadora sobre todo o organismo. Tal é o papel da alma. Sem a sua presença desde o primeiro instante de nossa concepção seríamos um conglomerado de órgãos e elementos sem coesão, incapazes de agir em conjunto.
O Espírito Santo, alma da Igreja
Essa característica da natureza humana não é senão uma pálida imagem de outra realidade incomparavelmente mais alta: “o que a alma do homem é para o corpo, é o Espírito Santo para o Corpo de Cristo, que é a Igreja”.1 É a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade quem a anima, de maneira que — por um absurdo irrealizável — se Ela se retirasse, ficaria a Igreja inerte como um cadáver. Cristo é a Cabeça, nós somos os membros e o Espírito Santo é a alma vivificante que, por sua atuação, conserva a unidade deste Corpo Místico.
Se nos detivermos um pouco para analisar a sociedade humana, perceberemos que, em geral, seu dinamismo e movimentação lhe são concedidos de fora para dentro. Quem deseja, por exemplo, fundar uma instituição, procura para fazer parte dela, em primeiro lugar, pessoas dispostas e que possam garantir-lhe força e perenidade. A Igreja, pelo contrário, possui uma vida que nasce em si mesma, insuflada pelo Divino Espírito Santo. Ele está presente na Igreja, inabitando seus membros e permanecendo neles pela graça santificante.
Esta presença é sentida pelas almas, ainda que de modo imponderável, como se passou com o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, desde menino. Refletindo sobre a unidade que transparecia na diversidade da Igreja, pensava ele: “Por cima de tudo isto há Alguém, que é mais do que tudo! É uma coisa curiosa. A Igreja não parece uma instituição, mas uma pessoa que se comunica através de mil aspectos. Ela tem movimentos, grandezas, santidades e perfeições, como se fosse uma alma imensa que se exprime em todas as igrejas católicas do mundo, todas as imagens, toda a Liturgia, todos os acordes de órgão e todos os toques de sino. Essa alma chorou com os réquiens e alegrou-se com os bimbalhares dos Sábados de Aleluia e das noites de Natal. Ela chora comigo, se alegra comigo. Como eu gosto dessa alma!”.2 Em sua jovem idade não podia ele definir tal alma naquele então, como o fez mais tarde: “A alma da Igreja Católica é o Espírito Santo. É Ele quem está presente em todas as manifestações da Igreja. Ele é quem sugeriu aos homens da Igreja, ao longo dos séculos, que selecionassem tudo segundo uma determinada forma. Ele é quem fez nascer na Igreja todas as coisas que são o reflexo d’Ele mesmo”.3
Universalidade conferida pelo Espírito
Una é a Igreja Católica dentro da múltipla riqueza de seus aspectos, como escreveu São Cipriano: “À semelhança dos raios do Sol que são muitos, mas uma só é a luz, também muitos são os ramos da árvore e um só é o tronco, firmemente enraizado no solo; e quando de uma só nascente fluem muitos riachos, mesmo que pela abundância da água que dela emana pareça ser uma multiplicidade que se está difundindo, permanece a unidade na origem. […] Assim também a Igreja, inundada pela luz do Senhor esparge seus raios por todo o mundo e, no entanto, uma só é a luz que difunde por toda a parte, sem dividir a unidade do corpo; estende seus ramos com grande generosidade por toda a Terra; envia seus rios para fluir com largueza por toda a parte. E, sem embargo, uma só é a cabeça, uma só sua origem e uma só sua mãe, rica pelos frutos de sua fecundidade. De seu seio nascemos, de seu leite nos alimentamos e por seu espírito somos vivificados”.4
Por ação divina, filhos das mais diversas nações e com as mais variadas culturas participam em amor recíproco de uma única e mesma Fé, sob os cuidados de um só pastor. Quando Nosso Senhor Jesus Cristo declarou “Pedro, tu és pedra e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18), estava prometendo à sua Igreja a perenidade dessa vitalidade, que jamais haveria de abandoná-la. Por esta razão é a Igreja indestrutível, e aqueles que julgam poder derrotá-la se iludem com o impossível. Mais ainda, Ela é inteiramente triunfante em todas as circunstâncias.
Uma semente tíbia e medrosa que frutifica com fulgor
Exemplo arquetípico dessa indestrutibilidade foi a transformação operada nos Apóstolos, em Pentecostes. Enquanto semente da Igreja, constituíam eles um corpo, todavia sem vida, conforme nos demonstram os acontecimentos que antecederam a cena contemplada pela primeira leitura desta Solenidade. Os Evangelhos narram como, terminada a Sagrada Ceia, Nosso Senhor saiu com seus discípulos até o Horto das Oliveiras, entre cânticos festivos. Sentindo próxima a hora terrível da Paixão, foi orar ao Pai em meio à tristeza e aflição, acompanhado apenas pelos três Apóstolos que gozavam de sua maior intimidade. Mas estes, vencidos pelo sono, mereceram receber dos lábios do Divino Mestre a repreensão: “Não pudestes vigiar uma hora comigo?” (Mt 26, 40). Mais tarde, ao verem-No preso, todos fugiram tomados pelo medo (cf. Mt 26, 56; Mc 14, 50), e São Pedro, seguindo-O só de longe, negou-O três vezes (cf. Mt 26, 69-75; Mc 14, 67-72; Lc 22, 55-62; Jo 18, 25-27), por respeito humano.
Depois do sepultamento de Jesus, os discípulos permaneceram reunidos a portas fechadas, receosos de uma perseguição se desencadear contra eles (cf. Jo 20, 19). Quando, por fim, Nosso Senhor lhes apareceu ressuscitado, espantaram-se e duvidavam se não seria um fantasma, a ponto de Ele pedir alimento para mostrar-lhes a realidade de seu Corpo. Não obstante, mesmo havendo testemunhado a vitória de Cristo sobre a morte, os Apóstolos estavam mais preocupados com a restauração do reino temporal de Israel — como nos demonstra o diálogo prévio à Ascensão de Jesus — do que com a doutrina que o Divino Ressuscitado ainda lhes queria comunicar.
Em sentido diametralmente oposto, depois de Pentecostes saíram eles cheios de fervor pregando às multidões, sem temor algum de serem presos ou perseguidos. “Com a vinda do Espírito Santo” — afirma São João Crisóstomo — “já estavam transformados e eram superiores a tudo o que fosse corpóreo. Ali mesmo a assistência do Espírito Santo converte em ouro o que era barro. […] E é admirável que os Apóstolos saem a combater como que desnudos frente a adversários armados, contra príncipes detentores da autoridade sobre eles; aqueles que não tinham eloquência e eram ignorantes enfrentam impostores, charlatães e uma multidão de sofistas, retóricos e filósofos peripatéticos corrompidos da Academia”.5
Foi a partir da efusão do Espírito Divino que a Igreja começou a se mover e se expandir. Foi Ele quem fez florescer as maravilhas e as riquezas que os séculos presenciaram, quem inspirou a coragem e o heroísmo dos mártires e a pregação do Evangelho pelo mundo inteiro, e é Ele quem rejuvenesce constantemente a Esposa de Cristo, multiplicando os frutos de santidade por toda a face da Terra, em todos os tempos.
II – O Espírito Santo em nós
Quantas vezes somos movidos por surtos de entusiasmo, de bons desejos e propósitos, e não sabemos explicar de onde eles provêm. Em outras ocasiões, pelo contrário, sentimo-nos ácidos ou desanimados e, de repente — sem nenhuma ação de nossa parte —, invade-nos uma profunda consolação. Em ambas as circunstâncias, tais impulsos interiores procedem do Espírito Santo, que age sobre nossas almas como outrora sobre os Apóstolos, predispondo-nos à prática do bem e tornando-nos capazes, pelo poder de sua força transformadora, até mesmo de atingir a heroicidade.
No Espírito Santo nos tornamos divinos
São conhecidas as palavras de Tertuliano: “O testimonium animæ naturaliter christianæ! — Ó testemunho das almas, naturalmente cristãs!”6, as quais exprimem uma grande verdade, uma vez que cada alma foi criada em função de Nosso Senhor Jesus Cristo. Contudo, antes de receberem elas as águas regeneradoras do Batismo, sem possuírem a vida divina, brotam de sua natureza manchada pela culpa original o egoísmo, o exclusivo cuidado consigo mesmo e uma preocupação desmedida por seus interesses, de onde defluem as amargas experiências que nos proporciona o trato humano, no decorrer de nossos anos.
É necessário ao homem, portanto, “renascer da água e do Espírito” (Jo 3, 5). Pleno de fé, esperança e caridade, adquire uma profunda compreensão dos panoramas sobrenaturais, o que se reflete depois no empenho em fazer o bem e em se entregar, se for preciso, a um verdadeiro holocausto em favor dos outros. Tal é a vida da graça, mantida, desenvolvida e robustecida pela ação do Espírito Paráclito. Nesse sentido, diz Santo Agostinho: “o Deus-Amor é o Espírito Santo. Quando este Espírito, Deus de Deus, se dá ao homem, inflama-o de amor a Deus e ao próximo, pois Ele é amor”.7
Como se verifica essa participação na vida divina? No Homem-Deus, modelo supremo de toda a criação, o Verbo serve de suporte — do grego, hipóstasis — para a união da natureza humana com a divina. Algo de semelhante e misterioso se opera em nosso interior, pela ação da graça santificante recebida no Batismo: mantendo as proporções, o papel que desempenha a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade em Jesus é exercido em nós pela Terceira Pessoa, fazendo-nos partícipes da vida incriada de Deus e pertencentes ao Corpo Místico de Cristo.
Adotados como filhos de Deus
Podemos então afirmar que pelo Batismo passamos a fazer parte da família divina. Enquanto Nosso Senhor Jesus Cristo, no que diz respeito à sua origem, é o Unigênito de Deus, gerado pelo Pai desde toda a eternidade, nós, embora não tendo sido engendrados na Trindade, pela graça nos tornamos filhos de Deus por adoção.
Para facilitar a compreensão de tão alta verdade, analisemos, por exemplo, a diferença que há entre ser adotado por alguém de condição modesta ou por uma pessoa abastada. Sem dúvida, se fosse dado a escolher, a grande maioria das pessoas optaria pela segunda possibilidade, pois significaria um aumento de projeção social e uma herança muito superior. Ora, infinitamente mais do que conquistar qualquer dignidade ou possuir bens materiais é ser recebido por Deus como filho. Essa adoção sobrenatural não se efetua à maneira da humana, registrada em um cartório: enquanto os pais não podem dar sua vida biológica aos filhos adotivos, Deus, pelo contrário, nos confere uma participação física e formal em sua própria vida.
De modo diverso do que acontece com o vestuário, que varia de acordo com os gostos e as ocupações de cada um, mudando a aparência exterior da pessoa sem, entretanto, alterar o organismo, a graça qualifica o interior, revestindo nossa alma e configurando-nos com Cristo, conforme as palavras do Apóstolo: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gal 2, 20).
Célebre é a imagem utilizada pelos teólogos para explicar esta doutrina: o ferro quando é colocado nas altas temperaturas da forja torna-se brasa incandescente e passa a ter as características do fogo, embora continue sendo ferro. Assim é a alma pervadida pela graça santificante: sem deixar de ser humana, fica divinizada.
Uma natureza insuficiente para governar um organismo divino
Para estar à altura de tamanha dádiva precisamos agir como o próprio Deus. Como atingir meta tão elevada? No Batismo, junto com a graça santificante, Deus infunde na alma as virtudes, que constituem o elemento dinâmico e operativo de todo o organismo sobrenatural. Porém, apesar de serem as virtudes movidas em nós pelo Espírito Santo, que a todo instante está sustentando-nos, inspirando-nos e ajudando-nos mediante
graças atuais, o uso dessas mesmas virtudes cabe a nós e depende de nossa iniciativa e vontade, o que pode representar um perigo, concebidos como somos no pecado original.
Seremos, então, como um menino a quem dessem para pilotar um potente avião de passageiros. A mais avançada das tecnologias de nada serviria em mãos tão pouco peritas quanto as de uma criança… Mais uma vez se revela insubstituível o papel exclusivo do Espírito Santo, refletido na belíssima Sequência apresentada pela Liturgia para o dia de hoje.
III – Os dons do Espírito Santo, insubstituível auxílio para a vida espiritual
Tendo sido comentados anteriormente nesta seção o relato da descida do Espírito Santo, bem como as duas opções para o Evangelho oferecidas pela Santa Igreja para esta Solenidade,8 centraremos nossas considerações na Sequência, o famoso Veni Sancte Spiritus.
“Espírito de Deus, enviai dos céus um raio de luz! Vinde, Pai dos pobres, dai aos corações vossos sete dons”.
O raio de luz aqui referido é uma figura dos dons do Espírito Santo, os quais serão mencionados nos versos da Sequência. A riqueza de um tema tão esquecido quanto este permitiria encher páginas e páginas, com grande proveito para todos os fiéis. Tendo ouvido falar a respeito deles, quiçá até muitas vezes, sabemos, de fato, o que são? São eles hábitos infusos, que agem sobre as virtudes, fortalecendo-as, tornando-as mais robustas e conduzindo-as a seu pleno desenvolvimento.
Deixar-se levar…
A moção dos dons não mais pertence ao homem, mas ao Divino Espírito Santo como causa única. Da mesma forma como seria imperioso para a criança que ganhara o avião de passageiros o concurso de um piloto experimentado para levantar a imensa máquina do solo, Deus, ao infundir os dons em nossa alma, se faz nosso condutor, pondo à nossa disposição um auxílio oportuníssimo para suprir nossa incapacidade no governo de um organismo sobrenatural que nos supera ao infinito. A alma apenas precisa deixar-se levar…
Para compreender melhor o desempenho das virtudes na alma, lembremo-nos da clássica figura da criança que caminha de mãos dadas com sua mãe: sem dúvida alguma quem avança é o menino, sujeito à inexperiência de sua tenra idade e sustentado pelo amparo materno. Muito diferente seria se a mãe, receosa dos perigos a que se expõe o frágil filho andando por si, o tomasse no colo. O esforço do deslocamento passaria a depender unicamente da vontade dela, e já não mais das pernas pouco ágeis do pequeno. Esta segunda situação é uma pálida imagem da ação benfazeja dos dons. O Espírito Santo nos “carrega no colo”, “sublimando, mediante suas iluminações e moções especialíssimas, nosso próprio modo de pensar, querer e agir”,9 protegendo-nos de todas as ameaças que nos circundam durante a vida.
Luz única e consolo dos corações
Ademais é o Espírito Santo que enriquece nossas capacidades intelectuais, concedendo-nos a luz necessária para atingir as verdades da Fé. Além de deitar seus raios sobre a nossa inteligência, o Consolador ilumina também a nossa vontade, ou seja, o nosso coração. Sob esta claridade acabamos por desejar o que se deve; sem ela nos afastaríamos do rumo traçado pela Revelação e nosso amor se desviaria para toda espécie de loucuras, terminando no que descreve São Paulo na segunda leitura desta Solenidade, na Epístola aos Romanos: “Os que vivem segundo a carne não podem agradar a Deus” (Rm 8, 8). Por carne não devemos entender aqui tão só o que fere o sexto Mandamento do Decálogo, como também a consideração naturalista e humana da realidade, na qual as preocupações materiais monopolizam a atenção. Quem eleva nossa mente, libertando-nos da escravidão das leis da carne, é o Espírito Santo.
“Consolo que acalma, hóspede da alma, doce alívio, vinde! No labor descanso, na aflição remanso, no calor aragem”.
Assim, habitando dentro de nós, o Espírito Divino tempera nossa alma. D’Ele provêm todos os nossos bons movimentos. Mas de tal maneira é Ele a Humildade em essência que não deixa transparecer sua ação e entrega com liberalidade os tesouros de sua infinita riqueza, como alguém que, possuindo volumosas quantidades de dinheiro, abrisse em um banco uma conta para outro, depositando-lhe com prodigalidade uma alta soma.
Ele é, também, o doce refrigério, pois é a única fonte capaz de nos transmitir verdadeira paz e consolação interior. Com efeito, nas situações de aflição enfrentadas por nós em nosso dia a dia, o conforto só se encontra n’Aquele que muda as lágrimas em autêntica alegria.
Sublime exemplo da necessidade da petição
“Enchei luz bendita, chama que crepita, o íntimo de nós!”.
Há certas ações do Espírito Divino que dispensam a necessidade de petição, como, por exemplo, quando a criança é batizada e a graça opera por si, sem ter ela solicitado nada. Contudo, Ele está como que à espera de uma súplica. Os próprios Apóstolos permaneceram reunidos em oração durante nove dias (cf. At 1, 14; 2, 1) aguardando sua vinda, conforme Nosso Senhor lhes havia ordenado (cf. At 1, 4).
Se no Cenáculo não estivesse presente Nossa Senhora para interceder por eles, implorando a descida do Espírito Santo, quanto tempo mais teria sido preciso rezar? Seguindo o exemplo de Maria Santíssima, antes de qualquer atividade, com insistência roguemos ao Paráclito que Ele tome inteira posse e domínio de tudo quanto possamos fazer.
Uma força que sobrepuja a da criatura humana
“Sem a luz que acode, nada o homem pode, nenhum bem há nele”.
O que se passou com os Apóstolos no dia de Pentecostes foi uma superabundante infusão dos dons do Espírito Santo, a ponto de saírem eles anunciando o Evangelho na própria língua e os outros os ouvirem nas línguas respectivas (cf. At 2, 7-8), pois era o próprio Espírito quem falava nos Doze e quem ouvia nas almas do povo.
Se não fosse sua maravilhosa atuação, o convívio da humanidade tornar-se-ia insuportável. É Ele quem produz o entendimento mútuo, a compreensão perfeita de uma linguagem única e comum, a do amor entre os filhos de Deus, num intercâmbio benéfico entre uns e outros.
Nada há de impossível para o Espírito Santo!
“Ao sujo lavai, ao seco regai, curai o doente”.
Até mesmo quem trilhou por toda a vida as vias tortuosas da impureza e do erro é passível de purificação pela graça do Divino Espírito, podendo, inclusive, chegar a tornar-se ainda mais diáfano, mais transparente e mais luzidio do que um Serafim! Se esta afirmação parecer por demais ousada, detenhamo-nos na consideração de Santa Maria Madalena. Afundada no pecado, após uma primeira conversão mal correspondida — segundo conta a tradição —, à qual sucederam quedas ainda piores que as anteriores, foi ela justificada de tal modo que hoje seu nome se encontra inserido com precedência sobre os das virgens invocadas na Ladainha de Todos os Santos. Acaso o Espírito Santo seria impotente para realizar o que quer? Também nós, quando experimentarmos a necessidade de reparar devidamente alguma falta, não duvidemos em pedir-Lhe que desça, nos transforme e nos limpe! Só Ele poderá ensinar o caminho da salvação a quem se extraviou pelas sendas do pecado!
“Dobrai o que é duro, guiai no escuro, o frio aquecei”.
Semelhante fenômeno ocorre quando se fecundam as maiores esterilidades no campo do apostolado ou se alcança a vitória definitiva sobre os defeitos morais mais difíceis de extirpar… Quantos casos conhecemos de pessoas cuja rigidez no erro parecia inflexível! Uma ação do Espírito Santo, porém, foi capaz de fazer ceder quem não queria mudar os próprios critérios. Também as almas dominadas pelo terrível vício da indiferença ou acédia, havendo perdido o gosto das coisas do espírito e tornando-se frias em relação a Deus, só serão aquecidas como convém pelo Espírito Santo.
“Dai à vossa Igreja, que espera e deseja, vossos sete dons. Dai em prêmio ao forte, uma santa morte, alegria eterna”.
Quanto precisamos implorar para nós os sete dons sagrados! Se desejamos cumprir a missão específica determinada para cada um de nós, eles nos são essenciais, pois com sua assistência, passo a passo, as virtudes adquirirão um caráter de perfeição que, devido à nossa insuficiência, jamais alcançariam. Pelo contrário, se os dons não agirem, tudo sairá com a marca de nossa própria pequenez…
Sem o estado de graça, os atos por nós praticados, por mais que tenham a aparência de heroicos, estarão desprovidos de qualquer mérito sobrenatural, ficando limitados ao mero valor da nossa deficiente natureza humana. Desde que não oponhamos resistência ao Espírito Consolador, Ele nos dará, ao término de nossa peregrinação terrena, a salvação eterna.
IV – Vinde, Espírito Santo!
Os ensinamentos trazidos pela Solenidade de Pentecostes nos põem na perspectiva da enorme necessidade de crescer na devoção ao Espírito Santo, a quem um grande teólogo do século XX, o padre Antonio Royo Marín, chamou de o grande desconhecido, 10 e que poderia também ser denominado o grande esquecido.
Desde o despertar devemos pedir a intervenção d’Ele em todas as nossas atividades do dia, de acordo com os pontos contemplados na Sequência desta Liturgia. Nada pode abater quem está cheio do Espírito Santo! Se ficamos edificados com a integridade dos mártires — sempre firmes na Fé, como foi São Lourenço ao ser queimado na grelha —, nós, embora não tenhamos passado por suplícios como os deles, somos submetidos ao martírio da vida diária, com suas decepções, desilusões e traumas de relacionamento — às vezes até dentro da própria família. Em qualquer circunstância, devemos ter a certeza de que a solução para todas as angústias, aflições ou perturbações está na luz do Espírito Santo.
Se vivermos neste mundo não pela carne, mas pelo Espírito, seguindo o conselho de São Paulo — “todos aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus” (Rm 8, 14) —, perceberemos a insignificância de todos os tormentos que nos assaltam ante a esperança na maravilha da ressurreição, quando haveremos de recuperar nossa própria carne, finalmente gloriosa e transformada.
“Emitte Spiritum tuum et creabuntur…”
Nesta Solenidade que encerra o ciclo Pascal, devemos entregar-nos por inteiro ao Divino Espírito Santo, suplicando-Lhe que cuide de nós, conforme reza a Oração do Dia: “realizai agora no coração dos fiéis as maravilhas que operastes no início da pregação do Evangelho”.11 Desejemos com ardor participar da mesma alegria sentida pelos Apóstolos no momento de Pentecostes, no Cenáculo! Peçamos que aquela disposição de levar o Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo até os confins do universo se verifique também em nossos dias! Queiramos ver a face da Terra incendiada por uma labareda de amor segundo as palavras de Jesus: “Eu vim trazer fogo à Terra, e que hei de querer senão que ele arda?” (Lc 12, 49). É esse o nosso anelo! Que se espalhe esse fogo com todo seu esplendor, para infundir nova vida à Santa Igreja: “Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem Terræ” (Sl 103, 30), e possa Nossa Senhora proclamar: “Por fim, meu Imaculado Coração triunfou!”. ◊