Perante a incontestável realidade do mal, é possível a dilatação do Reino de Deus no mundo e nas almas?

 

Evangelho do XVI Domingo do Tempo Comum

Naquele tempo: 24 Jesus contou outra parábola à multidão: “O Reino dos Céus é como um homem que semeou boa semente no seu campo. 25 Enquanto todos dormiam, veio seu inimigo, semeou joio no meio do trigo, e foi embora. 26 Quando o trigo cresceu e as espigas começaram a se formar, apareceu também o joio. 27 Os empregados foram procurar o dono e lhe disseram: ‘Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde veio então o joio?’ 28 O dono respondeu: ‘Foi algum inimigo que fez isso’. Os empregados lhe perguntaram: ‘Queres que vamos arrancar o joio?’ 29 O dono respondeu: ‘Não! pode acontecer que, arrancando o joio, arranqueis também o trigo. 30 Deixai crescer um e outro até a colheita! E, no tempo da colheita, direi aos que cortam o trigo: arrancai primeiro o joio e o amarrai em feixes para ser queimado! Recolhei, porém, o trigo no meu celeiro!’”

31 Jesus contou-lhes outra parábola: “O Reino dos Céus é como uma semente de mostarda que um homem pega e semeia no seu campo. 32 Embora ela seja a menor de todas as sementes, quando cresce, fica maior do que as outras plantas. E torna-se uma árvore, de modo que os pássaros vêm e fazem ninhos em seus ramos”.

33 Jesus contou-lhes ainda uma outra parábola: “O Reino dos Céus é como o fermento que uma mulher pega e mistura com três porções de farinha, até que tudo fique fermentado”.

34 Tudo isso Jesus falava em parábolas às multidões. Nada lhes falava sem usar parábolas, 35 para se cumprir o que foi dito pelo profeta: “Abrirei a boca para falar em parábolas; vou proclamar coisas escondidas desde a criação do mundo”.

36 Então Jesus deixou as multidões e foi para casa. Seus discípulos aproximaram-se d’Ele e disseram: “Explica-nos a parábola do joio!”

37 Jesus respondeu: “Aquele que semeia a boa semente é o Filho do Homem. 38 O campo é o mundo. A boa semente são os que pertencem ao Reino. O joio são os que pertencem ao maligno. 39 O inimigo que semeou o joio é o diabo. A colheita é o fim dos tempos. Os ceifadores são os Anjos. 40 Como o joio é recolhido e queimado ao fogo, assim também acontecerá no fim dos tempos: 41 o Filho do Homem enviará os seus Anjos e eles retirarão do seu Reino todos os que fazem outros pecar e os que praticam o mal; 42 e depois os lançarão na fornalha de fogo. Ali haverá choro e ranger de dentes. 43 Então os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai. Quem tem ouvidos, ouça” (Mt 13, 24-43).

 

I – Os mistérios do Reino de Deus escondidos na obra da criação

“Eu Te louvo, ó Pai santo, Deus do Céu, Senhor da terra: os mistérios do teu Reino aos pequenos, Pai, revelas!” (cf. Mt 11, 25). Com estas palavras do Divino Redentor, a Aclamação ao Evangelho descortina diante de nós os horizontes da Liturgia do 16º Domingo do Tempo Comum. Pequenos, neste contexto, não são as pessoas sem importância ou de inteligência infantil, mas sim aqueles que sabem reconhecer a infinita distância que separa a criatura do Criador; aqueles, portanto, que, além do conhecimento racional, possuem uma consciência viva de tal desproporção e alegram-se por depender inteiramente das mãos de Deus. Se a revelação é feita apenas aos que têm semelhante postura de alma, coloquemo-nos nela para adentrarmos com fruto nas reflexões sobre este Evangelho, que contém três parábolas da sequência de ensinamentos de Jesus sobre o Reino.

Essas imagens prendiam-se especialmente à vida cotidiana daqueles tempos nas regiões percorridas por Nosso Senhor, em que, junto com a pesca, a criação e, um pouco menos, a caça, o principal meio de subsistência era a agricultura. Sendo muito comum o cultivo dos campos de trigo, todos entendiam as referências a este respeito, como as feitas por Jesus na ocasião.

A prudência de um agricultor experiente

Naquele tempo: 24 Jesus contou outra parábola à multidão: “O Reino dos Céus é como um homem que semeou boa semente no seu campo. 25 Enquanto todos dormiam, veio seu inimigo, semeou joio no meio do trigo, e foi embora. 26 Quando o trigo cresceu e as espigas começaram a se formar, apareceu também o joio. 27 Os empregados foram procurar o dono e lhe disseram: ‘Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde veio então o joio?’ 28 O dono respondeu: ‘Foi algum inimigo que fez isso’. Os empregados lhe perguntaram: ‘Queres que vamos arrancar o joio?’ 29 O dono respondeu: ‘Não! pode acontecer que, arrancando o joio, arranqueis também o trigo. 30 Deixai crescer um e outro até a colheita! E, no tempo da colheita, direi aos que cortam o trigo: arrancai primeiro o joio e o amarrai em feixes para ser queimado! Recolhei, porém, o trigo no meu celeiro!’”

Ao iniciar a narração mencionando “outra parábola”, o Evangelista indica que a imagem usada nesta oportunidade pelo Divino Mestre era continuação da anterior, isto é, a do semeador (cf. Mt 13, 4-23), contemplada no último domingo.

Num campo de trigo, as sementes lançadas pelos empregados pareciam estar bem plantadas. Ao surgirem as primeiras folhas, porém, eles perceberam a existência de grande quantidade de joio. Quando isso ocorria, não era raro se suspeitar da maldade de alguém.

Árvore de mostarda plantada em Betânia, junto ao túmulo de Lázaro

Durante a germinação o joio é muito parecido com o trigo, a ponto de só um perito conseguir distinguir as duas plantas. Pior ainda, as raízes de ambas se entrelaçam, de maneira que, ao arrancar a daninha, facilmente se prejudica a boa… Pelo contrário, se a cizânia não é tirada, ela produz algum prejuízo ao cultivo, mas não impede que o trigo, em vez de ser perdido, desenvolva-se com certa normalidade. Logo, é preciso esperar que as espigas cresçam e separá-las ao fazer a colheita.

Nesse caso, o procedimento corrente era amarrar o joio em feixes e jogá-lo ao fogo, pois não apresentava utilidade alguma, além de ser frequentemente tóxico, se consumido pelo homem.

Portanto, ao usar essa parábola Nosso Senhor não revelava nenhuma novidade a seus ouvintes, mas deixava-os com uma incógnita. Percebiam eles que essa realidade tão corriqueira, posta nos lábios do Divino Didata, encerrava um profundo ensinamento. Tal modo de proceder estimulava-os a refletir nas realidades do Alto e aumentava seu encanto pela Pessoa de Jesus.

Sem deter-Se em explicações, Ele prosseguiu com duas outras imagens muito semelhantes entre si e, na aparência, pouco relacionadas com a primeira. Isto não quer dizer que Nosso Senhor Se repetiu. Na realidade, tendo Ele criado o homem e a mulher, falava para as duas psicologias, dando uma metáfora mais compreensível para cada gênero. O homem, acostumado a trabalhar na plantação, entenderia melhor o exemplo do grão de mostarda; enquanto a mulher, mais habituada às tarefas domésticas, o do fermento.

A força da menor das sementes

31 Jesus contou-lhes outra parábola: “O Reino dos Céus é como uma semente de mostarda que um homem pega e semeia no seu campo. 32 Embora ela seja a menor de todas as sementes, quando cresce, fica maior do que as outras plantas. E torna-se uma árvore, de modo que os pássaros vêm e fazem ninhos em seus ramos”.

O grão de mostarda é diminuto, mas, apesar de ser uma simples hortaliça, chega a tornar-se uma árvore frondosa onde as aves podem se aninhar. A eloquência desta figura criada por Nosso Senhor é tal que o Autor teve a oportunidade, em congressos e simpósios juvenis, de ver a pitoresca reação dos meninos e das meninas quando lhes é entregue um grãozinho de mostarda. Eles olham aquela minúscula semente e se impressionam ao saber que, em um ou dois anos, ela será uma árvore de três ou quatro metros de altura.

Ao usar alegoria tão expressiva, Jesus quis significar a força da Santa Igreja, que se expandirá até o fim do mundo como cresce a pequena mostarda. Quando há um desígnio divino, de nada adianta ao homem opor obstáculos: se a obra é de Deus, queira-se ou não, ela vingará!

Fazendo uma aplicação espiritual, essa sementinha bem simboliza a força do Espírito Santo, que entra na alma com todos os seus dons através do Batismo e da Crisma. De fato, quando cultivamos a graça posta em nós por estes Sacramentos, até os menores atos tomam grande valor na eternidade, pois adquirem uma vitalidade distinta e muito superior à meramente humana: o vigor da vida divina. Na semente insignificante que somos nós penetra uma seiva chamada graça e, vencidos os delírios da natureza decaída, Deus mostra sua onipotência.

É oportuno lembrar ainda que o grão de mostarda germina com força porque está na terra. Se, quando estivesse desabrochando, o desenterrássemos e deixássemos sobre uma mesa para analisar de perto seu desenvolvimento… em pouco tempo o viço desapareceria. O mesmo acontece conosco: se nos desligamos da ambientação própria ao incremento da vida divina, instalando-nos nas terras sujas do pecado ou simplesmente nos afastando do solo fértil da oração e dos Sacramentos, a graça definha e termina por morrer em nossas almas.

Missa na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, 20/5/2017

O fermento

33 Jesus contou-lhes ainda uma outra parábola: “O Reino dos Céus é como o fermento que uma mulher pega e mistura com três porções de farinha, até que tudo fique fermentado”.

Com pujança surpreendente, basta uma pequena porção de fermento colocada numa boa quantidade de farinha para que, convenientemente misturados e passado certo tempo, a massa cresça. Também os filhos da luz agem como levedura posta na massa do mundo, pois fazem esta crescer aos olhos de Deus, ao multiplicar em seu interior as boas obras.

Algo análogo se verifica em cada alma. Às vezes os dons naturais de uma pessoa são ínfimos como um grãozinho de mostarda ou uma modesta medida de fermento. Entretanto, se ela é fiel à voz do Alto, pela ação divina será capaz de produzir muito fruto. Quando voltamos nossos corações para as coisas elevadas, até as ações na aparência insignificantes tornam-se grandiosas.

Ora, tal como a semente fora da terra, o fermento não pode desempenhar seu papel se não for devidamente misturado com a farinha. Se a esta não é acrescentada a levedura, a massa não crescerá! Outra apropriada simbologia desta imagem, portanto, é a Sagrada Comunhão. Se nos alimentarmos dela, em pouco tempo a graça se expandirá em nossa alma com a incomparável e discreta capacidade de difusão das realidades sobrenaturais.

Primogênito de toda a criação e Mestre insuperável

34 Tudo isso Jesus falava em parábolas às multidões. Nada lhes falava sem usar parábolas, 35 para se cumprir o que foi dito pelo profeta: “Abrirei a boca para falar em parábolas; vou proclamar coisas escondidas desde a criação do mundo”.

Antes de relatar a explicação sobre o joio e o trigo, o Evangelista se detém numa reflexão acerca do valor das parábolas idealizadas em tanta abundância por Nosso Senhor, e com as quais Ele revelava o tesouro de sabedoria divina oculto na criação. A obra de Deus é perfeita e tem por objetivo a própria glória d’Ele. Não poderia ser de outra forma, pois todos os seres existem para o seu Criador.

Por isso, São Mateus refere-se a uma profecia feita pelo salmista que se realizava plenamente em Jesus Cristo: “Abrirei a boca para falar em parábolas; vou proclamar coisas escondidas desde a criação do mundo” (Sl 77, 2). De fato, quem poderia desvendar tais lições, como antes ninguém o fizera? Quem, a não ser Ele, que conhecia aquelas maravilhas enquanto Deus, desde toda a eternidade, e que tinha sido o padrão supremo dessa grandiosa obra enquanto “Primogênito de toda a criação” (Col 1, 15)? Nosso Senhor abria assim a interminável série de explicitações sobre as “coisas escondidas” na ordem do universo, que vêm sendo aprofundadas ao longo dos séculos e o serão até o último dia da História. O mesmo acontecerá na bem-aventurança eterna, onde nós veremos a Deus, na expressão do Doutor Angélico,1 totus sed non totaliter, isto é, todo, mas não totalmente. Sempre teremos novidades a respeito d’Ele, como num divino caleidoscópio cujas flores e figuras nunca se repetirão.

II – Uma parábola sobre a vida da Igreja nesta terra

36 Então Jesus deixou as multidões e foi para casa. Seus discípulos aproximaram-se d’Ele e disseram: “Explica-nos a parábola do joio!” 37 Jesus respondeu: “Aquele que semeia a boa semente é o Filho do Homem. 38 O campo é o mundo. A boa semente são os que pertencem ao Reino. O joio são os que pertencem ao maligno. 39a O inimigo que semeou o joio é o diabo”.

Os discípulos não haviam compreendido o sentido mais recôndito da parábola do joio e do trigo e, já na intimidade, perguntaram-no a Nosso Senhor. A explicação dada pelo Divino Mestre fala por si, mas permite um sem-fim de úteis aplicações tanto para a vida social quanto para a espiritualidade de cada fiel.

O comportamento do dono do campo representa a atitude de Deus perante o mal neste mundo. Segundo Nosso Senhor afirma, constituem o joio todos aqueles que pertencem ao maligno, ou seja, os que abraçaram o pecado e, portanto, estão contra Deus e suas leis, assim como os demônios, os quais procuram levar outros a seguir as mesmas vias.

Nosso Senhor ensinando aos discípulos – Igreja dos Loios, Évora (Portugal)

O mal já existia no Paraíso Terrestre, onde a serpente tentou nossos primeiros pais, e encontra-se até no seio da Igreja ou no interior das obras mais santas! Contudo, o Senhor não extirpa logo o joio, pois o relacionamento humano dever ser constituído por bons e maus. Estes últimos não podem ser eliminados antes do tempo, como os servos fiéis desejariam, pelo risco de, cortando a planta nociva, amputar também a boa.

Tal é a realidade deste vale de lágrimas, em que o mal se apresenta, em quase todas as circunstâncias, misturado com o bem. Ora, nós, católicos, estamos no mundo e devemos atuar nele. É mister não nos deixarmos corromper; agir no mundo, sem nos tornarmos dele. O joio se nos mostra em vaidades, gozos terrenos, imoralidades e tantos outros delírios… Precisamos saber controlá-lo, para que não sufoque as nossas boas raízes, e resistir a essas atrações tóxicas, permanecendo sempre como trigo sadio! Aqui embaixo, portanto, o Reino não é de doçura e delícias, mas de combate: “Militia est vita hominis super terram – A vida do homem sobre a terra é uma luta” (Jó 7, 1).

Diante das dificuldades, porém, não há por que nos perturbarmos. Nosso Senhor transmitiu essa parábola junto com a do grão de mostarda e a do fermento para nos ensinar que, embora o Reino de Deus caminhe no meio da maldade humana e das insídias do demônio, ele é como uma semente que, cuidada de forma adequada, torna-se uma árvore frondosa por sua própria vitalidade. O joio, inclusive, faz um trabalho muito útil na sociedade, atraindo para si, até a hora da colheita, aqueles que não são verdadeiro trigo.

A chegada da colheita…

39b “A colheita é o fim dos tempos. Os ceifadores são os Anjos. 40 Como o joio é recolhido e queimado ao fogo, assim também acontecerá no fim dos tempos: 41 o Filho do Homem enviará os seus Anjos e eles retirarão do seu Reino todos os que fazem outros pecar e os que praticam o mal; 42 e depois os lançarão na fornalha de fogo. Ali haverá choro e ranger de dentes. 43 Então os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai. Quem tem ouvidos, ouça”.

A separação completa entre os filhos de satanás e os de Nosso Senhor Jesus Cristo dar-se-á somente no fim do mundo, quando, com os corpos ressurrectos, nos reuniremos no Vale de Josafá. O Deus clemente considerado na primeira leitura (cf. Sb 12, 13.16-19) e no Salmo desta Liturgia (cf. Sl 85), que geme por nós e espera nossa conversão para nos salvar, é quem virá fazer essa radical divisão.

Só então “os que fazem outros pecar” e “os que praticam o mal” serão condenados por toda a eternidade, sem mais tempo para a paciência divina. Com seus corpos cinzentos, sujos e mal cheirosos, embora já indestrutíveis, eles irão para a “fornalha de fogo”. Esta expressão pode parecer uma redundância, mas com seu uso Nosso Senhor exprime um incêndio que não se extingue, porque é alimentado pela cólera do próprio Deus. Eis o infeliz destino daqueles que, nesta vida, representam o joio para os outros. Para evitar que ali cheguemos, Nosso Senhor Se refere quinze vezes ao inferno no Evangelho, e numerosos Santos asseguram que a pregação sobre as penas eternas produz mais conversões e benefícios para as almas que as prédicas sobre o Céu.

Após essa derrota do mal, os justos subirão para o Reino de seu Pai, isto é, o Céu, onde brilharão como o Sol numa felicidade perfeita e sem fim.

III – Como combater o joio em nosso interior?

Além do ensinamento escatológico contido nessas parábolas, o Evangelho deste domingo nos dá uma lição de paciência e de prudência para nossa vida espiritual. Não só na sociedade, mas também dentro de cada um existe uma terrível mistura entre trigo e cizânia. Por mais que não queiramos, junto a qualidades que se desenvolvem, também descobrimos em nós defeitos que se manifestam como inclinações más, paixões desregradas ou instintos inferiores.

Ora, como sabemos, aquilo que há de bom em nós vem de Deus, mas a podridão, como explica Nosso Senhor (cf. Mc 7, 18-19), nasce do nosso interior. Esta cizânia, muitas vezes, não pode ser arrancada tão logo é notada. Não se trata também, como pensam alguns, de cruzar os braços em relação ao mal, com a ilusão de que no fim tudo se acertará. Tal atitude seria semelhante à de alguém que, com um ferimento gangrenado no dedo, preferisse esperar o processo de corrupção chegar ao fim. Ele perderia não só o dedo, como a mão, o braço e, provavelmente, a própria vida.

Onde, então, encontraremos forças para, neste mundo, nunca cometer faltas e praticar a perfeição, se levarmos em conta que “o justo cai sete vezes” (Pr 24, 16) ao dia? Por que Deus permite a existência do mal em nossas vidas? Ao rezar o Pai-Nosso, pedimos: “Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal”. Nosso Senhor Jesus Cristo foi tentado e, segundo certas revelações particulares, Nossa Senhora passou pela mesma situação. As tentações são normais e constituem uma condição indispensável da criatura no estado de prova; primeiro, a fim de demonstrarmos nossa fidelidade e, depois, como meio de adquirirmos méritos com vistas à vida eterna.

A necessidade da paciência para crescer com o joio

Mais importante que arrancar o joio é saber a hora de fazê-lo. Diante das próprias misérias não se deve desesperar, pois há ocasiões em que não podemos extirpá-las de um só golpe. Devemos ter a paciência do senhor da parábola e aceitar o conselho dado por ele aos servos: “Deixai crescer um e outro até a colheita”. Nesse ínterim, isto sim, deitemos a atenção para que a cizânia não prejudique o nosso trigo, e progridamos na vida espiritual sabendo circunscrever o mal, ainda que na hora de nossa morte exclamemos como São Luís Maria Grignion de Montfort: “Cheguei ao fim da minha estrada. Está feito. Não pecarei mais”.2

É impossível que o justo não cometa esta ou aquela imperfeição, mas sua conduta deve consistir em manter o trigo e o joio suficientemente discriminados, de maneira que, quando se desenvolverem, saiba distingui-los com facilidade a fim de queimar um e aproveitar o outro. Ao grão bom cabe apenas ser ele mesmo, ou seja, crescer no interior das espigas da santidade e da virtude. Tomada tal decisão, por mais que a cizânia germine junto, não conseguirá asfixiar a planta sadia.

Sagrado Coração de Jesus – Casa Monte Carmelo, Caieiras (SP)

Quando extirpar o mal?

Todavia, em determinado momento é preciso agir contra o mal. E a circunstância oportuna nos é indicada pela prudência, virtude toda feita de sabedoria, que não significa conivência com o pecado, mas a escolha do caminho mais curto entre dois pontos, ou seja, o meio mais adequado para a obtenção da meta. Este ensinamento se aplica à nossa vida cotidiana, seja na família, na sociedade ou até no âmbito de uma consagração religiosa.

No relacionamento familiar, por exemplo, qual é a hora de corrigir um filho? Às vezes não convém fazê-lo logo após a infração, pois o temperamento pode nos trair, causando maior prejuízo à sua alma. Passado algum tempo será mais fácil censurar seu comportamento com firmeza, mas sem carga temperamental, incentivando-o à confiança.

O Autor se lembra de um relato feito por uma pessoa a quem Dr. Plinio Corrêa de Oliveira afavelmente apontara certo defeito de alma. Depois de agradecer, o interlocutor perguntou-lhe quando havia percebido essa falha. Dr. Plinio respondeu: “Eu a vi desde que o conheci”, isto é, havia quinze anos. E não podia ser diferente, devido ao agudo carisma de discernimento dos espíritos que adornava este varão desde a mais tenra infância. Surpreso, aquele seguidor indagou-lhe por que demorara tanto para admoestá-lo, ao que Dr. Plinio redarguiu: “Porque eu estava à espera do momento em que você tivesse força para ‘meter a mão na alma’ e arrancar isso”. Foi preciso aguardar todo esse tempo para evitar que o joio levasse consigo o trigo!

Fatos como esse nos auxiliam a considerar nossa vida espiritual com resignação, calma e, sobretudo, muita confiança na Providência, pois Ela é a dona da grande propriedade chamada mundo e destas parcelas que são as nossas almas. E quanto Ela sabe esperar por cada um! Nós imaginamos que com um esforço enorme nos santificaremos. Ilusão! Tudo depende de uma graça. Portanto, sem jamais desanimar, devemos compreender que, enquanto Deus não puser sua mão para arrancar o joio na hora adequada, não teremos forças suficientes nem perícia para fazê-lo.

Na parábola, o dono do campo tratou da questão com toda a serenidade, sendo aparentemente até humilhado pelo inimigo… Na realidade, aceitar a presença do joio era muito mais astuto que arrancá-lo. Da mesma forma, termos paciência e resignação com os nossos defeitos muitas vezes acaba sendo mais virtuoso que querermos alcançar uma perfeição repentina, que nos levaria a uma perigosíssima presunção. Saibamos, pois, suportar nossas misérias com paz de espírito, sem permitir que elas prevaleçam no campo de nossa alma, mas esperando a ocasião em que o Divino Dono as arranque com a sua graça.

Deus terá paciência com os que reconhecem seu nada

A primeira leitura nos ajuda a ter essa confiança na ação de Deus, ao afirmar a respeito d’Ele: “Dominando tua própria força, julgas com clemência e nos governas com grande consideração: pois quando quiseres, está ao teu alcance fazer uso do teu poder. Assim procedendo, ensinaste ao teu povo que o justo deve ser humano; e a teus filhos deste a confortadora esperança de que concedes o perdão aos pecadores” (Sb 12, 18-19). Deus, ciente de nossas fraquezas, como que suspende a justiça e julga com misericórdia quem crê no poder d’Ele e, reconhecendo sua insuficiência, suplica o perdão.

Quando São Paulo pediu por três vezes a Nosso Senhor que retirasse dele o aguilhão da concupiscência, que muito o fazia sofrer (cf. II Cor 12, 7-8), Jesus lhe disse: “Basta-te minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha força” (II Cor 12, 9). É na contingência de conviver com o joio em nosso interior que Deus torna patente seu divino poder. Cresçamos nessa certeza, sabendo que, como atesta a segunda leitura deste domingo, “o Espírito vem em socorro de nossa fraqueza” (Rm 8, 26). O Consolador nunca deixará de nos sustentar e fortalecer nas vias da santidade em meio à resistência contra o joio!

 

Notas

1 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. I, q.12, a.7; De veritate, q.8, a.2, ad 6; De potentia, q.7, a.1, ad 2; Super Sententiis. L.IV, d.49, q.2, a.3, ad 3.
2 LAURENTIN, René. Luís Maria Grignion de Montfort. São Paulo: Paulinas, 2002, p.115.

 

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Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, é fundador dos Arautos do Evangelho.

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