O que é um Anjo? A Sagrada Escritura e a Tradição da Igreja deixam-nos entrever dois aspectos. Por um lado, o Anjo é uma criatura que está diante de Deus, orientada com todo o seu ser para Deus. Os três nomes dos Arcanjos [Miguel, Gabriel e Rafael] terminam com a palavra El, que significa Deus. Deus está inscrito nos seus nomes, na sua natureza. A sua verdadeira natureza é a existência em vista d’Ele e para Ele.
Explica-se precisamente assim também o segundo aspecto que caracteriza os Anjos: eles são mensageiros de Deus. Trazem Deus aos homens, abrem o Céu e assim abrem a terra. Exatamente porque estão junto de Deus, podem estar também muito próximos do homem.
De fato, Deus é mais íntimo a cada um de nós do que o somos nós mesmos. Os Anjos falam ao homem do que constitui o seu verdadeiro ser, do que na sua vida com muita frequência está velado e sepultado. Eles o chamam a reentrar em si mesmo, tocando-o da parte de Deus. Neste sentido também nós, seres humanos, deveríamos tornar-nos sempre de novo anjos uns para os outros; anjos que nos afastam dos caminhos errados e nos orientam sempre de novo para Deus. […]
Miguel: defensor da causa de Deus
Tudo isso se torna ainda mais claro se olharmos agora para as figuras dos três Arcanjos, cuja festa a Igreja celebra hoje. Antes de tudo está Miguel. Encontramo-lo na Sagrada Escritura sobretudo no Livro de Daniel, na Carta do Apóstolo São Judas Tadeu e no Apocalipse. […] Ele defende a causa da unicidade de Deus contra a soberba do Dragão, da “Serpente antiga” (Ap 12, 9), como diz João. É a perene tentativa da Serpente de fazer crer aos homens que Deus deve desaparecer, para que eles se possam tornar grandes; que Deus é um obstáculo para a nossa liberdade e que por isso devemos desfazer-nos d’Ele.
Mas o Dragão não acusa só Deus. O Apocalipse chama-o também “o acusador dos nossos irmãos, que os acusava de dia e de noite diante de Deus” (12, 10). Quem põe Deus de lado, não enobrece o homem, mas priva-o da sua dignidade. Então o homem torna-se um produto defeituoso da evolução. Quem acusa Deus, acusa também o homem. A fé em Deus defende o homem em todas as suas debilidades e insuficiências: o esplendor de Deus resplandece sobre cada indivíduo. […]
Gabriel: desbravador dos corações
Encontramos o Arcanjo Gabriel sobretudo na preciosa narração do anúncio a Maria da Encarnação de Deus, como nos refere São Lucas (cf. Lc 1, 26-38). Gabriel é o mensageiro da Encarnação de Deus. Ele bate à porta de Maria e, por seu intermédio, o próprio Deus pede a Maria o seu “sim” para a proposta de se tornar a Mãe do Redentor: dar a sua carne humana ao Verbo Eterno de Deus, ao Filho de Deus.
Repetidas vezes o Senhor bate às portas do coração humano. No Apocalipse diz ao “Anjo” da Igreja de Laodiceia e, através dele, aos homens de todos os tempos: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele” (3, 20). O Senhor está à porta do mundo e à porta de cada um dos corações. Ele bate para que O deixemos entrar: a Encarnação de Deus, o seu fazer-Se carne deve continuar até o fim dos tempos. Todos devem estar reunidos em Cristo num só corpo: dizem-nos isto os grandes hinos sobre Cristo na Carta aos Efésios e na Carta aos Colossenses. Cristo bate.
Também hoje Ele tem necessidade de pessoas que, por assim dizer, lhe ponham à disposição a própria carne, que lhe doem a matéria do mundo e da sua vida, servindo assim para a unificação entre Deus e o mundo, para a reconciliação do universo. Queridos amigos, compete-vos bater à porta dos corações dos homens, em nome de Cristo. Entrando vós mesmos em união com Cristo, podereis também assumir a função de Gabriel: levar a chamada de Cristo aos homens.
Rafael: bálsamo contra as chagas do pecado
São Rafael é-nos apresentado sobretudo no Livro de Tobias como o Anjo ao qual é confiada a tarefa de curar. Quando Jesus envia os seus discípulos em missão, à tarefa do anúncio do Evangelho está sempre ligada a de curar. O bom samaritano, acolhendo e curando a pessoa ferida que jaz à beira da estrada, torna-se silenciosamente uma testemunha do amor de Deus. Este homem ferido, com necessidade de curas, somos todos nós. Anunciar o Evangelho, já em si, é curar, porque o homem precisa sobretudo da verdade e do amor.
Do Arcanjo Rafael são referidas no Livro de Tobias duas tarefas emblemáticas de cura. Ele cura a comunhão importunada entre homem e mulher. Cura o seu amor. Afasta os demônios que, sempre de novo, rasgam e destroem o seu amor. Purifica a atmosfera entre os dois e confere-lhes a capacidade de se receberem reciprocamente para sempre. […]
Em segundo lugar, o Livro de Tobias fala da cura dos olhos cegos. Todos sabemos quanto estamos hoje ameaçados pela cegueira para Deus. Como é grande o perigo de que, perante tudo o que sabemos sobre as coisas materiais e o que somos capazes de fazer com elas, nos tornemos cegos para a luz de Deus.
Curar esta cegueira mediante a mensagem da fé e o testemunho do amor, é o serviço de Rafael confiado dia após dia ao sacerdote e de modo especial ao Bispo. Assim, somos espontaneamente levados a pensar também no Sacramento da Reconciliação, no Sacramento da Penitência que, no sentido mais profundo da palavra, é um Sacramento de cura. A verdadeira ferida da alma, de fato, o motivo de todas as outras nossas feridas, é o pecado. E só se existe um perdão em virtude do poder de Deus, em virtude do poder do amor de Cristo, podemos ser curados, podemos ser remidos. ◊
Excertos de: BENTO XVI.
Homilia na festa dos Arcanjos
Miguel, Gabriel e Rafael, 29/9/2007