A Igreja, fundada pelo Salvador, é única para todos os povos e todas as nações; sob a sua abóbada que, como o firmamento, abriga o universo inteiro, todos os povos e todas as línguas encontram lugar e asilo, e podem desenvolver todas as propriedades, qualidades, missões e tarefas que Deus, Criador e Salvador, confiou aos indivíduos e às sociedades humanas.
O coração materno da Igreja é tão generoso que ela vê no desenvolvimento de tais peculiaridades e tarefas particulares, conforme a vontade de Deus, mais a riqueza da variedade que o perigo de cisões: alegra-se com o elevado nível espiritual dos indivíduos e dos povos; com júbilo e santo orgulho materno, descobre em suas genuínas atuações os frutos de educação e de progresso que ela promove sempre que pode fazê-lo com consciência. Mas sabe também que a esta liberdade foram impostos limites, por disposição da Divina Majestade que quis e fundou esta Igreja como unidade inseparável em suas partes essenciais.
Quem atenta contra esta intangível unidade tira da Igreja de Cristo um dos diademas com que o próprio Deus a coroou; submete o divino edifício, erguido sobre fundamentos eternos, à revisão e à transformação por parte de arquitetos aos quais nenhum poder foi concedido pelo Pai Celestial. A divina missão que a Igreja cumpre entre os homens, e deve cumprir por meio de homens, pode ser dolorosamente obscurecida pelo elemento humano, quiçá demasiado humano, que rebrota em determinados tempos, como a cizânia em meio ao trigo do Reino de Deus. Quem conhece a palavra do Salvador a respeito dos escândalos e daqueles que os dão, sabe como a Igreja e cada indivíduo devem julgar sobre o que foi e é pecado. […]
Dever de harmonizar a conduta com a Lei de Deus e a Igreja
Em nossa encíclica sobre o sacerdócio e naquela sobre a Ação Católica, chamamos insistentemente a atenção de todos os fiéis – sobretudo a dos eclesiásticos, religiosos e leigos que colaboram no apostolado – sobre o sagrado dever de pôr sua fé e sua conduta naquela harmonia exigida pela Lei de Deus e reclamada pela Igreja com infatigável insistência. Repetimos também hoje, com profunda gravidade: não basta ser recenseado na Igreja de Cristo, é preciso ser em espírito e em verdade membro vivo desta Igreja. E o são apenas aqueles que estão na graça de Deus e caminham continuamente em sua presença, ou pela inocência ou pela penitência sincera e eficaz.
Se o próprio Apóstolo dos Gentios, vaso de eleição, sujeitava seu corpo ao látego da mortificação para não acontecer que, depois de ter pregado aos outros, viesse a ser reprovado (cf. I Cor 9, 27), perguntamos: haverá porventura, para aqueles em cujas mãos estão a custódia e o incremento do Reino de Deus, outro caminho que não seja o da íntima união do apostolado com a própria santificação?
Somente assim se demonstrará aos homens de hoje, em primeiro lugar aos detratores da Igreja, que o sal da terra e o levedo do Cristianismo não se tornaram ineficazes, mas antes são poderosos e capazes de renovar espiritualmente e rejuvenescer os que se encontram na dúvida e no erro, na indiferença e no desvio espiritual, no relaxamento da Fé e no afastamento de Deus, do qual eles – admitindo ou negando o fato – estão mais necessitados do que nunca.
A autêntica reforma deflui da integridade pessoal
Uma Cristandade na qual todos os membros se mantêm vigilantes, que exclui toda tendência ao puramente exterior e mundano, que se atém seriamente aos preceitos de Deus e da Igreja e, portanto, se mantém no amor de Deus e na solícita caridade para com o próximo, esta Cristandade pode e deve ser modelo e guia para o mundo profundamente enfermo, que procura apoio e orientação, se não quiser que sobrevenha uma imensa catástrofe ou uma indescritível decadência.
Toda reforma genuína e durável teve sua origem propriamente no santuário, em homens inflamados e movidos pelo amor a Deus e ao próximo; graças à sua grande generosidade em corresponder a qualquer inspiração de Deus e pô-la em prática antes de tudo em si mesmos, crescendo em humildade e com a segurança de quem é chamado por Deus, tais homens chegaram a iluminar e renovar sua época.
Onde o zelo reformador não fluiu da fonte pura da integridade pessoal, mas foi efeito da explosão de impulsos passionais, ele obscureceu em vez de iluminar, destruiu em vez de edificar, e foi amiúde ponto de partida para erros mais funestos ainda do que os danos que se queria ou se pretendia remediar. […]
O abandono exterior da Igreja é inconciliável com a fidelidade interior a ela
Em vossas regiões, veneráveis irmãos, vozes se elevam em coro cada vez mais forte, incitando a sair da Igreja. […]
Quando o tentador ou o opressor se aproximar do fiel com as aleivosas insinuações de sair da Igreja, este então não pode deixar de contrapor-lhe, mesmo ao preço dos mais duros sacrifícios terrenos, a palavra do Salvador: “Afasta-te de Mim, Satanás, pois está escrito: Adorarás o Senhor, teu Deus, e só a Ele servirás” (Mt 4, 10; Lc 4, 8).
À Igreja, pelo contrário, deverá dirigir estas palavras: “Ó tu que és minha Mãe desde os dias de minha primeira infância, meu vigor durante a vida, minha advogada na hora da morte, que se prenda a minha língua ao céu da boca se eu, cedendo às lisonjas ou ameaças terrenas, chegar a trair as promessas de meu Batismo!”
Por fim, aqueles que tiveram a ilusão de poder conciliar o abandono exterior da Igreja com a fidelidade interior a ela, ouçam esta severa advertência do Senhor: “Quem Me negar diante dos homens será negado diante dos Anjos de Deus” (Lc 12, 9). ◊
Excertos de: PIO XI.
Mit Brennender Sorge, 14/3/1937