Convido o leitor a julgar as três seguintes sentenças:
“Duas coisas são infinitas: o universo e a estultice humana; mas, no tocante ao universo, ainda não tenho certeza absoluta”.
“Não é terrível o fato de a inteligência humana ter limites tão estreitos e a loucura humana ser ilimitada?”
“A estupidez humana é a única coisa que nos dá uma ideia do infinito”.
Por muito duras que soem essas palavras aos nossos ouvidos, elas não se afiguram de todo intoleráveis por duas razões. A primeira é que, pertencendo ao engenho humano – mais especificamente a três famosos gênios de diversas áreas: Einstein, Adenauer e Ernest Renan, nesta ordem –, recebem o paliativo próprio da autoavaliação. O segundo motivo está em que cada qual aplica tais assertivas a todos menos a si. Afinal alguma exceção deve haver…
Será?
O que é a loucura?
Para responder a esta angustiante questão, devemos antes sanar uma outra: o que entendemos aqui por estultice, estupidez ou loucura humanas?
Obviamente que não as compreendemos, neste contexto, como um estado patológico da mente que leva o homem a agir de forma desconexa e despropositada, impedindo-o de viver em sociedade. Tratar-se-ia então de uma enfermidade, na qual, na maior parte dos casos, não cabe culpa.
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As frases transcritas no início deste artigo fazem menção, isto sim, a outro tipo de loucura, análoga à definida no parágrafo anterior, mas muito mais generalizada, porque aparentemente inócua, e muito mais perigosa, porque culposa. Que loucura é esta? É a que se patenteia num ser que atua de modo contrário à sua natureza.
Louco é o homem que não se governa pela razão, mas apenas pelos impulsos animais, pelas modas do tempo, pelos caprichos do temperamento
Se uma zebra caçasse um leão e um leão se deixasse caçar, diríamos estarem loucos. Apodaríamos também de louca uma árvore que criasse folhas subterrâneas e estendesse as raízes para o sol. Ora, o que seria a loucura no homem? O que seria senão uma irracionalidade? Pois se aquilo que lhe é próprio, o que o distingue de todos os animais, é a razão, então, estará louco desde que não aja conforme a ela. Como a zebra carnívora e o leão covarde, é louco o homem que não se governa pela razão, mas apenas pelos impulsos animais, pelas modas do tempo, pelos caprichos do temperamento, etc.
Precisamos de exemplos?
Algumas constatações diárias
Dois colegas de faculdade, dotados ambos de notável inteligência: um deles estuda seriamente, torna-se um profissional competente, é contratado para ser diretor de uma grande empresa; o outro prefere “aproveitar a juventude”, leva uma vida de divertimentos e, no final do curso, tem de resignar-se a um emprego ordinário na mesma empresa. Qual dos dois agiu como louco? O que se aconselhou com a razão ou o que obedeceu aos impulsos da sensibilidade?
Uma pessoa serve de cabide para cada moda que entra e sai, sem sequer pôr-se aquela tão preciosa pergunta, apanágio do espírito humano: por quê? Não parece inusitado ver aqui certo sintoma de loucura…
Alguém que arruína um matrimônio – e a educação dos filhos, portanto – por preferir dobrar-se ante sua birra que diante de seu cônjuge, obedece à razão ou à paixão? À sanidade ou à loucura?
Submeter-se à máquina, escravizar-se à tecnologia, consumir inutilmente tempos tão extensos quanto preciosos diante de uma tela, deixar que se multipliquem inteligências ditas artificiais em detrimento da inteligência natural que vai minguando à falta de uso…
Enfim, para não nos alongarmos em constatações talvez corriqueiras, não é grande loucura perder a fortuna num empreendimento mal planejado? E não será mais grave ainda – pois a vida vale muito mais do que a riqueza – afundar-se nos vícios, seja do álcool, da volúpia ou tantos outros, que reduzem o indivíduo a um trapo humano e o arrasta à morte prematura?
Todas essas atitudes supõem abdicar dos preceitos da razão; da natureza humana, em suma.
O pior dos males
Mas a pior de todas as loucuras – pois que acarreta efeitos muito mais nocivos e é, no fundo, o resumo potenciado de todas as outras – ainda não apresentamos. Ou, por outra, apresentamos sim, mas não pelo nome: chama-se pecado.
De fato, explicar-nos-á o Doutor Angélico, “o pecado consiste naquilo que contraria a ordem racional”1 em grau máximo, rebaixando assim o homem à “escravidão dos animais”.2 O grande ser humano, aquele que é a chave de cúpula da criação, a ponte que abraça os dois mundos, o físico e o imaterial… ei-lo reduzido ao mero estado animal; revoltado, portanto, contra a sua natureza superior, a espiritual.
Quem abraça o pecado renuncia ao que seria a sua felicidade suprema, fugindo assim daquilo que busca. Compra por um prato de lentilhas e meia dúzia de alegrias terrenas um destino eterna e irremediavelmente infeliz.
Um remédio paradoxal
Entretanto, enquanto vivemos neste mundo há remédio para o mal do pecado. E não nos referimos especificamente à Confissão e demais Sacramentos, à oração, à penitência… Na verdade, todos esses recursos fazem parte de um único tratamento.
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Paradoxalmente, a loucura do pecado só se cura pela loucura – ó bem-aventurada loucura – que fez Deus descer à terra, que anima os Santos e que impulsiona os verdadeiros heróis: a loucura da Cruz, pregada por São Paulo (cf. I Cor 1,18-2,16).
O remédio para a loucura do pecado se personificou em “Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos”
Esta sã insensatez consiste, como a outra de que tratamos, em contrariar a natureza? Não em negar, mas em sublimar: “A graça não suprime a natureza, mas a aperfeiçoa”.3 Por ela o homem deixa sua natureza meramente material para lançar-se no universo do espiritual, do invisível, do divino; abandona os instintos que compartilha com os irracionais para viver dos impulsos sagrados da fé; chega muitas vezes a renunciar até aos laços do sangue para ser inteiro da família de Deus. Se com o pecado o homem se animaliza, pela santidade ele se diviniza.
O remédio para a loucura do pecado se personificou na Sabedoria Encarnada, em “Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos” (I Cor 1, 23), e curam-se aqueles que a Ele se configuram pela sabedoria da Cruz.
* * *
Fica em pé a fatal questão posta pelas três frases que introduziram o artigo: será de fato infinita a estultice humana, a humanidade pode dividir-se entre os que são loucos e os que não o são?
Opinem os leitores, estão abertos os debates. ◊
Notas
1 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q.153, a.2.
2 Cf. Idem, q.64, a.2, ad 3.
3 Idem, I, q.1, a.8, ad 2.