O fundamento de toda vitória

Qual é o fundamento da constância própria aos Santos, que os faz permanecer confiantes nos piores desastres e desapegados nos maiores triunfos? A resposta nos é dada por Aquele que, no Calvário, não temeu enfrentar o fracasso.

 

Quem gosta de analisar com profundidade as pessoas com as quais se encontra ao longo da vida, decerto já terá se encantado ao observar a diversidade das almas, a variedade dos temperamentos, as surpreendentes características que o Bom Deus é capaz de colocar em cada homem, tornando-o, sob certo ponto de vista, único, irrepetível, supremo.

Uma coisa, porém, parece ser igual em todos os filhos e filhas de Adão: a inconstância.

Capazes de mudanças enormes em pouco tempo

No Brasil, as estações do ano nunca foram muito estritas, ­tornando-se comum acontecer de vivermos todas elas num só dia: madrugada de inverno, manhã de outono, tarde de verão, anoitecer de primavera…

Às vezes, o dia desponta ensolarado, sem nenhum indício do que sucederá ao entardecer: uma chuva torrencial, com raios e trovões. Em outras ocasiões, sucede o contrário: início de jornada triste, nublado e cinzento, que cede lugar a um ocaso de esperanças, pintado com os fulgores de um sol vencedor.

Bem podemos dizer que assim também são as almas: capazes de mudanças enormes em pouco tempo! Acorda-se otimista, alegre, sorrindo para a vida; horas depois, as disposições serão exatamente as contrárias: decepção, tristeza, desespero. Sobretudo em pessoas que confiam em si mesmas, sucedem-se “baixas” e “altas” às vezes muito bruscas, conforme se deparem com uma adversidade ou consigam sair-se bem em alguma situação ou empreendimento.

Ao pensarmos nessa realidade de nossa natureza, uma pergunta se põe: pode alguém ser sempre igual a si mesmo, sem se entregar a tantas variações? E logo chegamos à surpreendente conclusão de que não é possível nos mantermos constantemente idênticos em todos os aspectos, pois uma noite de insônia ou uma doença grave já são suficientes para mudar, fisicamente, as “condições climáticas” de nossa alma.

Ademais, querer que uma pessoa permaneça inalterável no decorrer de toda a sua existência não pode ser o mais perfeito, pois não foi assim que Deus fez na obra da criação. Ao longo da vida, é preciso haver mudanças, deve haver auroras, ocasos e meios-dias.

Onde, então, encontrar a constância nesta terra?

A rocha onde se fundamenta a constância dos Santos

O Sagrado Coração de Jesus, Supremo Formador das almas serenas e inocentes, deu uma solução perfeita e acabada a esse problema com a metáfora do homem prudente, que construiu sua casa sobre a rocha. “Caiu a chuva, vieram as enchentes, sopraram os ventos e investiram contra aquela casa; ela, porém, não caiu, porque estava edificada na rocha” (Mt 7, 24-25).

Sim, é bem verdade que tudo muda, que vêm tempestades, enchentes e furacões, mas existe uma rocha, um fundamento que não aparece, mas permanece inalterável, e nisto está a constância dos Santos!

Apesar da variedade das almas e dos desígnios da Providência, um fundamento há que não pode ser substituído e que Deus exige de todos: a disposição de ser humilhado, rejeitado e malquisto por causa do seu nome. Em suma, a disposição de fracassar!

A tal ponto essa atitude interior se tornou indispensável à natureza humana decaída que o Homem por excelência, apesar de unido hipostaticamente a Deus, não deixou de experimentar em Si o sentimento do fracasso. O Filho do Altíssimo, a quem o Senhor deu o trono de seu pai Davi (cf. Lc 1, 31), haveria de passar por pungentes humilhações, sofrer crudelíssimos tormentos e morrer no mais infamante dos suplícios, ladeado por dois malfeitores.

Entretanto, ao ser batizada no Sangue de Cristo, essa rocha, cujo nome de nascença é “disposição de fracassar”, converteu-se no sólido apoio dos homens neste vale de lágrimas. A derrota suprema e aparente de Jesus fez com que a Cruz se revestisse de luz, a mais pura e refulgente que se possa encontrar na terra.

Ondas batendo na rocha em Nazaré (Portugal)

Impossível é alcançar a santidade sem a cruz

É por não assentarmos nossa casa sobre essa rocha que em ­nossa vida espiritual os períodos de fervor, cheios de ideais e excelentes ideias, são sucedidos por momentos trágicos, nos quais temos a sensação de ruir interiormente, à maneira da casa que o insensato construiu na areia: “Ela caiu e grande foi a sua ­ruína” (Mt 7, 27).

Ora, se formos procurar as causas de tão radical mudança é bem provável que descubramos em nós um grande desejo de “dar certo”, de sermos bem-sucedidos em nossos empreendimentos, de alcançarmos êxito diante dos nossos conhecidos, ou talvez apenas aos nossos próprios olhos. Em outras palavras, vemos que tentamos subir muitos montes, menos aquele para o qual somos chamados: o Calvário.

Há um só meio de obtermos a constância de espírito: nos convencermos de que é impossível alcançar a santidade sem a cruz.

Na vida de todo bem-aventurado houve humilhações, reveses, ­mal-entendidos, ingratidões, calúnias, dores, perplexidades e “ruas sem saída”! Eles atravessaram todas essas dificuldades batendo no peito, agradecendo a Deus pela provação, perdoando a quem os ofendia, interessando-se pelos outros, humilhando-se e reconhecendo-se merecedores de muito mais!

“Vinde morar em meu Coração”

Portanto, se quisermos manter em todas as circunstâncias um equilíbrio de alma inabalável, não basta recordarmos as poéticas considerações que a parábola da rocha sugere. Devemos lembrar, sobretudo, que essa rocha tem um nome: disposição de fracassar em qualquer uma das nossas realizações nesta terra.

As almas que assim reconhecem a própria impotência face às dificuldades, submetendo-se com humildade aos desígnios divinos e aceitando todos os infortúnios e derrotas que a Providência queira enviar-lhes, enternecem o Imaculado Coração de Maria, que as arrebata para junto de Si, dizendo-lhes: “Vinde morar em meu Coração, onde qualquer ­fracasso se transforma em vitória!” 

Artigo anteriorSanta Rosa de Viterbo – Misericórdia e intransigência oriundas de um amor ardente
Próximo artigoRevista Arautos do Evangelho, Ano XVIII, nº 208, Abril 2019

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui