Quando Nossa Senhora for efetivamente a Rainha dos Corações, “coisas maravilhosas acontecerão neste mundo”. Na História, à semelhança das Bodas de Caná, o melhor vinho está sendo reservado para o fim…

 

Evangelho do II Domingo do Tempo Comum

“Naquele tempo, 1 houve um casamento em Caná da Galileia. A Mãe de Jesus estava presente. 2 Também Jesus e seus discípulos tinham sido convidados para o casamento. 3 Como o vinho veio a faltar, a Mãe de Jesus Lhe disse: ‘Eles não têm mais vinho’. 4 Jesus respondeu-Lhe: ‘Mulher, por que dizes isto a Mim? Minha hora ainda não chegou’. 5 Sua Mãe disse aos que estavam servindo: ‘Fazei o que Ele vos disser’. 6 Estavam seis talhas de pedra colocadas aí para a purificação que os judeus costumam fazer. Em cada uma delas cabiam mais ou menos cem litros. 7 Jesus disse aos que estavam servindo: ‘Enchei as talhas de água’. Encheram-nas até a boca. 8 Jesus disse: ‘Agora tirai e levai ao mestre-sala’. E eles levaram. 9 O mestre-sala experimentou a água que se tinha transformado em vinho. Ele não sabia de onde vinha, mas os que estavam servindo sabiam, pois eram eles que tinham tirado a água. 10 O mestre-sala chamou então o noivo e lhe disse: ‘Todo mundo serve primeiro o vinho melhor e, quando os convidados já estão embriagados, serve o vinho menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora!’. 11 Este foi o início dos sinais de Jesus. Ele o realizou em Caná da Galileia e manifestou a sua glória, e seus discípulos creram n’Ele” (Jo 2, 1-11).

I – O poder de intercessão de Maria

Perfumam as páginas do Antigo Testamento os feitos das santas mulheres que edificaram as sucessivas gerações do Povo Eleito. Todas elas são, sob algum aspecto, prefiguras de Nossa Senhora, e anteciparam o insuperável exemplo de Maria Santíssima na prática das virtudes.

Assim foram Ruth, a moabita, a casta Susana e Judite, a qual venceu o terrível Holofernes quando os governantes de Israel já preparavam a entrega da cidade. O mesmo sucedeu com Ester. Embora frágil, ela foi sensível às súplicas de seu tio Mardoqueu, para interceder junto ao rei a fim de salvar do extermínio os israelitas. Ela rezou, pediu forças e, correndo risco de vida, obteve as boas graças do rei, deixando patente o quanto amava o seu povo.

Como todo símbolo, essas prefiguras são inferiores àquilo que representam, mas elas revelam aspectos da inigualável alma da Virgem Maria.

Uma vez que “Deus Pai ajuntou todas as águas e as denominou mar, e reuniu todas as graças e as chamou Maria”, 1 qualquer perfeição existente no universo criado — com exceção de Jesus Cristo, o Homem Deus — é insuficiente para se comparar devidamente com a Mãe de Deus. 2

É nessa perspectiva que devemos analisar o Evangelho das Bodas de Caná, onde a insuficiência do vinho deu ocasião ao primeiro milagre de Jesus Cristo, por intercessão de Maria.

II – O milagre das Bodas de Caná

Não é de estranhar que o primeiro milagre de Nosso Senhor tenha ocorrido durante uma festa de casamento, pois as cerimônias nupciais eram cercadas de extraordinária solenidade naquele tempo, devido à espera do Messias que viria salvar o povo judeu. Os novos casais se formavam na expectativa de figurarem na linhagem do Salvador, e a esterilidade era considerada um verdadeiro castigo.

Segundo o costume vigente, as núpcias começavam a ser preparadas com um ano de antecedência, quando os pais dos nubentes se reuniam para fazer o contrato matrimonial e concertar todo o relativo ao patrimônio, a fim de garantir a estabilidade do novo lar.

Normalmente o banquete de bodas se realizava depois do entardecer, e a noiva se dirigia em cortejo à nova morada, precedida por amigas portando lamparinas, com manifestações de alegria e cânticos. As comemorações tinham nessa época características sui generis e prolongavam-se, muitas vezes, por uma semana, sendo frequente haver grande número de convidados. 3

Vitrais de Judite e Ester da Igreja de Saint-Germain L’Auxerrois, Paris

Jesus e Maria são convidados a um casamento

1 “Houve um casamento em Caná da Galileia. A Mãe de Jesus estava presente. 2 Também Jesus e seus discípulos tinham sido convidados para o casamento”.

Caná distava dez quilômetros de Nazaré e era uma cidade mais importante do que esta. A Mãe de Jesus certamente tinha relações de amizade com a família de um dos nubentes. Ou, conforme opina o Abbé Jourdain, “pode-se crer que Maria estava unida por laços de parentesco próximo às famílias do jovem casal e, tendo sido convidada a este título, julgou-Se no dever de comparecer”. 4

Nosso Senhor acompanhou-A, levando consigo os seus primeiros discípulos: João, Tiago, Pedro, André, Filipe e Natanael. O objetivo da presença de Jesus e de sua Mãe é assim explicado pelo Abbé Jourdain: “Jesus Cristo dignou-Se ir às Bodas de Caná, seja para honrar o matrimônio, como ensinam unanimemente os Santos Padres, seja para elevá-lo à dignidade de Sacramento e mostrar à Igreja e ao mundo que, sem a presença do Filho de Deus e de Sua Mãe Santíssima, não há núpcias santas e agradáveis a Deus.” 5 A este respeito, porém, já tivemos oportunidade de discorrer em anterior artigo, por isso analisaremos agora especialmente o papel de Nossa Senhora. 6

Oportuno é ressaltar no comentário deste versículo uma característica do espírito católico: a consideração de que a vida humana, conduzida dentro da observância da Lei de Deus, deve ser agradável, ter seus confortos e seus gáudios. Comparecendo à festa, Nosso Senhor e Nossa Senhora demonstraram que “as legítimas expansões da vida doméstica são santas” e quanto “o espírito cristão não é arredio nem antissocial”. 7 A temperante alegria da boa comida e da boa bebida, o casto prazer da mesa e outros deleites lícitos como, por exemplo, a música ou um ambiente decorado com bom gosto e requinte, estão muito de acordo com o espírito da Igreja, pois propiciam o progresso no amor a Deus.

Naquela celebração matrimonial santificada pela Sua presença, não é concebível terem Nosso Senhor e Nossa Senhora passado despercebidos. Na fisionomia, no porte, no modo de ser, sobretudo no olhar de ambos, deveria transparecer a incomensurável superioridade d’Eles sobre os demais. Inevitavelmente, uma auréola sobrenatural deveria cercá-Los, atraindo uma discreta curiosidade dos comensais. Nosso Senhor, afirma o padre Ambroise Gardeil, OP —, “pela paz que espargia, mais que por seus milagres e suas afirmações, provava que era o Filho de Deus”. 8

Sempre desejosa de fazer bem aos outros

3 “Como o vinho veio a faltar, a Mãe de Jesus Lhe disse: ‘Eles não têm mais vinho’”.

De acordo com o costume judaico, as mulheres não se sentavam à mesa nos banquetes, mas ficavam separadas dos homens preparando os alimentos. Cabia às damas de mais idade supervisionar o trabalho das mais jovens, tomar as necessárias providências e orientar o serviço que era feito à mesa. 9 Entre elas deveria figurar Nossa Senhora, pois, percebe-se pelo teor deste versículo estar Ela ajudando os anfitriões para o bom êxito da festa.

Como sempre, despreocupada de Si, Maria Santíssima prestava atenção em tudo, desejosa de fazer o bem aos outros. Percebeu, então, talvez sem ninguém Lhe ter comunicado, a situação embaraçosa: acabara o vinho. Que vergonha para os anfitriões! Quão grande seria a decepção quando isto viesse a saber-se! Isto, porém, não aconteceu, pois, como diz São Bernardino de Siena, “o Coração de Maria não poderia ver uma necessidade, uma aflição” e, mesmo sem ser rogada, “Ela intervém, pedindo um milagre para tirar de embaraços esses humildes esposos”. 10

Fachada e interior da igreja erigida no local das Bodas de Caná – Kafr Kanna, Israel

Nossa Senhora tudo interpretava com sabedoria e por certo considerou que a Providência permitira a falta de vinho para dar a Jesus ocasião de manifestar Sua Divindade. “Ele ainda não operou prodígio algum, mas Ela não duvida de Seu poder sobrenatural, e Sua comunicação implica numa súplica de que faça o possível, mesmo um milagre” — comenta Beringer. 11

Pois, como salientam os professores Jesuítas, “em sua intuição de Mãe e de Virgem iluminada, percebeu ter chegado a hora de Jesus revelar o segredo messiânico, oculto por tantos anos. A despedida anterior, o batismo, a pregação de João e os discípulos que seguiam Jesus, todos esses episódios Lhe dizem ter começado uma fase nova: a Vida Pública”. 12

De outro lado, Nosso Senhor já teria revelado à Sua Mãe o grande mistério da Eucaristia, talvez para consolá-La por toda a Paixão pela qual deveria Ele passar, e pelo abandono em que ficaria Ela na terra durante cerca de quinze anos. 13 Estaria Maria ansiosa, portanto, pelo momento de poder comungar. E tendo faltado o vinho, bem poderia Ela pensar que essa era uma boa ocasião para antecipar a instituição da Eucaristia. 14

Prefigura do milagre eucarístico

4 “Jesus respondeu-Lhe: ‘Mulher, por que dizes isto a Mim? Minha hora ainda não chegou’”.

Embora a palavra “mulher”, presente nesta resposta de Jesus, soe um tanto dura aos nossos ouvidos, na linguagem do tempo denotava, ao contrário, respeito e solenidade, inclusive grande estima e até um matiz de ternura. E não era raro usá-la para dirigir-se a princesas e rainhas. 15

Nosso Senhor havia entendido perfeitamente a insinuação de sua Mãe, e ao usar a palavra “mulher” para se dirigir a Ela quis indicar, como afirma Maldonado, o desejo de “afastar de Si toda suspeita de amor humano, ao fazer o milagre”. 16 Os professores da Companhia de Jesus manifestam igual opinião: “Jesus não nega o milagre que Lhe foi pedido, mas nega que vai operá-lo por um motivo meramente humano. Em tudo Ele Se move pela vontade de Seu Pai celestial”. 17

Como não poderia deixar de ser, Nosso Senhor também deveria estar penalizado com a situação daquelas famílias. Porém, desejava instruir Seus discípulos e associar Nossa Senhora à Sua obra, mostrando o papel decisivo da mediação de Sua Mãe. Por isso, com certeza alegrou-Se ao ouvir o pedido de Maria e, segundo o renomado exegeta padre Lagrange, respondeu como quem diz: “Deixai por minha conta, tudo irá bem […] com mais dignidade no tom, mas sem dúvida também com mais afeto na modulação da voz”. 18

Ao dizer “minha hora ainda não chegou”, Jesus declara ser ainda cedo para a instituição da Eucaristia. 19 Ademais, argumenta São João Crisóstomo, não sendo Ele ainda conhecido como o Messias, não era o momento de manifestar-Se fazendo um milagre. 20

A confiança em Nossa Senhora deve ser total

5 “Sua Mãe disse aos que estavam servindo: ‘Fazei o que Ele vos disser’”.

Conhecia muito bem Nossa Senhora o Sagrado Coração de Jesus, fornalha ardente de caridade, gerado nesse templo sublime que é o Seu claustro materno. “Por conhecer privilegiadamente, como Mãe, o Coração de Seu Filho, sabe que será atendida e recomenda aos serventes fazer tudo quanto Ele lhes mandar. E assim, a pedido de Maria, antecipa-se excepcionalmente a hora dos milagres de Cristo”. 21 É a eficácia da Onipotência suplicante.

Detalhe de “Bodas de Caná” – Catedral de Oviedo (Espanha)

Isso nos mostra como devemos confiar em Nossa Senhora sem restrições, mesmo quando pareçamos ser merecedores da rejeição de Nosso Senhor. Será Ela quem nos socorrerá quando, também a nós, “faltar o vinho”. Pois é absoluto, por desígnio divino, o poder de impetração da Medianeira de todas as graças. Em Sua insondável bondade, prometeu o Redentor: “Tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, vo-lo farei” (Jo 14, 13). Ora, se isso é válido para nós, concebidos no pecado original e com tantas misérias pessoais, como não o será em altíssimo grau para sua incomparável Mãe?

Se na terra Jesus nada Lhe negou, agiria de outro modo estando no Céu? 22 Se Ele fez esse estupendo milagre, embora não fosse ainda a hora, podemos ter certeza de que, agora sim, chegou a Sua hora, pois está no Céu como Sacerdote Eterno junto ao Pai para interceder por nós (cf. Hb 4, 14). Lá está para atender nossas solicitações, permanece à mercê dos pedidos de Nossa Senhora. Bem conclui o piedoso Cardeal de la Luzerne: “No píncaro da glória, teria Ela perdido seu poder? O prêmio de suas incomparáveis virtudes seria o de ter menos crédito perante Deus? […] Aquele que na terra estava submisso às Suas ordens rejeitará, no Céu, Suas preces?”. 23

Desse modo, estejamos certos de que, recorrendo a Maria, seremos atendidos em qualquer circunstância.

Nos milagres, Deus quer nossa cooperação

6 “Estavam seis talhas de pedra colocadas aí para a purificação que os judeus costumam fazer. Em cada uma delas cabiam mais ou menos cem litros. 7 Jesus disse aos que estavam servindo: ‘Enchei as talhas de água’. Encheram-nas até a boca”.

Recomendando aos servidores fazer tudo quanto Jesus lhes mandasse, Nossa Senhora os instruíra a não colocar obstáculo algum à vontade de Jesus. E é isso que Ela repete constantemente em nossas almas: “Fazei tudo quanto Ele vos disser”, ou seja, “segui a voz interior da graça, sem opor-lhe qualquer obstáculo”.

Infelizmente, com frequência não sabemos interpretar bem a voz de Deus, e opomos resistência à graça, ao contrário da atitude exemplar daqueles servidores. Sem dúvida, deveria parecer-lhes estranha a ideia de oferecer água num banquete, mas obedeceram com prontidão, sem fazer o menor reparo.

Uma importante lição tira desta passagem o padre D’Hauterive: “Neste episódio, devemos considerar como importa obedecer fielmente a Deus e a quem ocupa seu lugar junto a nós, sem indagar com demasiada curiosidade o motivo pelo qual nos manda uma coisa ou outra”. 24 Deus quer nossa cooperação nos milagres, pela fé, pela obediência à voz da graça em nosso interior. É como se Ele dissesse, na acertada expressão do Abbé Jourdain: “Se fizerdes o que podeis, Ele fará o que não podeis”. 25

O modo de fazer o milagre

8 “Jesus disse: ‘Agora tirai e levai ao mestre-sala’. E eles levaram.

9 O mestre-sala experimentou a água que se tinha transformado em vinho. Ele não sabia de onde vinha, mas os que estavam servindo sabiam, pois eram eles que tinham tirado a água”.

Em seus milagres, visava Jesus, ou saciar a fome da multidão — como quando multiplica os pães e os peixes —, ou atender outras necessidades prementes. Neste caso, entretanto, não era indispensável Ele mudar a água em vinho, porque a falta deste não acarretaria grave dano a ninguém.

Ora, Jesus atende com superabundância o pedido, proporcionando seis talhas cheias, ou seja, cerca de 600 litros do melhor vinho, quantidade muito superior à necessidade do momento. Qual seria a razão desse “excesso”?

Nosso Senhor assim agiu para nos mostrar que o supérfluo, de si, não só não é pecado, mas pode até ser legítimo e recomendável. Essa abundância de vinho, afirma o Cardeal Gomá, “não servirá para abuso dos convidados, porque a simples presença de Jesus os conterá, mas para livrar alguns amigos ou parentes de um grave apuro e os aliviar em sua pobreza, dando-lhes tal quantidade de vinho”. 26 Não sem razão, pois, o grande exegeta padre Fillion nos convida a admirar “a munificência régia do presente nupcial de Jesus”. 27

“Bodas de Caná” – Vitral da Catedral de Reims, França

De outro lado, cabe prestar atenção em um pormenor importante: o milagre foi feito sem nenhuma fórmula nem gesto externo, exceto a ordem dada por Nosso Senhor aos servidores; tendo eles obedecido, já não havia mais água nas talhas, mas sim vinho. O padre D’Hauterive resume em termos precisos o ocorrido: “Por um ato de sua soberana vontade, essa vontade com a qual dá ordens aos elementos, como Senhor deles, Jesus trocou num instante a substância da água em substância do vinho”. 28 Entretanto, na Santa Ceia, ao transubstanciar o pão e o vinho, Ele usa uma fórmula fixa, que a Igreja utiliza até hoje na Liturgia.

Não procedeu da mesma forma em Caná porque aquele ato não deveria ser repetido pela posteridade. E embora o milagre de Caná tenha sido espetacular, foi muito menor do que aquele que se opera em cada Missa, com a Transubstanciação do vinho e do pão em Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor. Mas, na Eucaristia, o milagre não é visível: o sacerdote pronuncia as palavras da Consagração e tanto a hóstia quanto o vinho consagrados continuam com aparência de pão e de vinho, apesar de ter sido mudada a substância. Isso é assim para provar nossa fé.

O melhor vinho foi servido no fim

10 “O mestre-sala chamou então o noivo e lhe disse: ‘Todo mundo serve primeiro o vinho melhor e, quando os convidados já estão embriagados, serve o vinho menos bom. Mas tu guardaste o vinho melhor até agora!’”.

O vinho fruto desse milagre foi, sem dúvida, o mais delicioso jamais produzido na História — o vinho dos vinhos — porque feito pelo próprio Deus.

Da circunstância de ter ele sido servido no fim, podemos tirar uma aplicação para nossa vida espiritual. Quando cedemos à sedução do pecado, haurimos em primeiro lugar o “vinho bom”: a fruição dos prazeres e a ilusão de uma felicidade perfeita. Mas logo depois, estando já embriagados pelo vício, a elas sucedem-se tristeza e frustração. 29

Pelo contrário, quando encetamos o percurso da santificação, talvez encontremos no começo dificuldades ou provações. Logo se seguirá, porém, o delicioso “vinho” das consolações espirituais. “Inicialmente, o mundo promete bens, alegria, prazeres, mas no fim ele só dá amarguras, aflições, desespero. Deus, ao contrário, faz quem se entrega a Ele sentir o amargor do cálice de Jesus Cristo, penas e trabalhos, mas no final os sofrimentos e as lágrimas cedem lugar a uma alegria inefável, a torrentes de delícias”. 30

Eis uma palavra de esperança e de consolo para aqueles que sofrem: está sendo preparado para eles o vinho bom transmudado por Nosso Senhor.

Os milagres de Nosso Senhor demonstram sua Divindade

11 “Este foi o início dos sinais de Jesus. Ele o realizou em Caná da Galileia e manifestou a sua glória, e seus discípulos creram n’Ele”.

Do teor deste versículo pode-se deduzir que até aquele momento não tinham os discípulos acreditado inteiramente no Mestre. “Haviam já começado a crer n’Ele — afirma o Cardeal de la Luzerne —, pois vincularam-se à Sua pessoa. Mas sua fé ainda era débil, talvez até incerta, e esse milagre a consolidou, tornou-a mais viva e firme”. 31 Foi preciso, portanto, esse milagre para que eles vissem em Nosso Senhor, o Messias.

Isso nos convida a dar adesão a Deus já no começo de nossa vida espiritual, não exigindo milagres ou consolações, pois Ele mesmo disse a Tomé: “Bem-aventurados os que creram sem ter visto” (Jo 20, 29).

III – O melhor vinho da História: o Reino de Maria

Perante as perplexidades e apreensões que o mundo de hoje possa causar-nos, o Evangelho deste domingo nos convida à esperança. Pois sabemos que, quando a humanidade chegar a um nível de decadência moral onde tudo parecer perdido, a intercessão onipotente de Maria obterá de seu Filho Divino a mutação da água — neste caso, uma água poluída pelo pecado — no melhor vinho.

Imagem Peregrina do Imaculado Coração de Maria pertencente aos Arautos do Evangelho

A miséria espiritual do mundo se transformará, por intercessão da Mãe de Deus, em algo de extraordinário, que não podemos sequer imaginar: o Reino de Maria, isto é, o triunfo do seu Sapiencial e Imaculado Coração, anunciado por Ela em Fátima.

A frase do Evangelho de hoje: “Tu deixaste o melhor vinho para o fim”, bem pode significar: “Deixastes, ó Deus, vossas melhores graças para os tempos vindouros”. As graças mais excelentes, os mais insignes benefícios, os maiores santos, as culturas mais requintadas — tudo quanto pode haver de melhor foi reservado para essa era marial.

De um modo suave, mas rápido e direto — tal como a água foi transmudada em vinho nas bodas de Caná —, Nossa Senhora obterá de Seu Divino Filho a santificação das nossas almas. Para obtermos essa feliz renovação, basta-nos seguir o sábio conselho do Abbé Jourdain: “Apresentai-Lhe vossa necessidade, vossa miséria, vossa tibieza e suplicai-Lhe: ‘Virgem Santíssima, falta-me o vinho do amor e da devoção, tenho apenas um pouco de água fria e insípida; pedi a vosso Filho que a converta em vinho’”. 32

Nessa venturosa era, Maria será estabelecida Rainha dos Corações, e “coisas maravilhosas acontecerão neste mundo, onde o Espírito Santo, encontrando Sua querida Esposa como que reproduzida nas almas, a elas descerá abundantemente, enchendo-as de Seus dons, particularmente do dom da sabedoria, a fim de operar maravilhas da graça. Quando chegará esse tempo feliz, esse século de Maria, em que inúmeras almas escolhidas, perdendo-se no abismo de seu interior, se tornarão cópias vivas de Maria, para amar e glorificar Jesus Cristo?”. 33

Por amoroso desígnio de Seu Divino Filho, o melhor vinho da História virá no fim, e será o “vinho de Maria”! 

 

Notas

1 SÃO LUÍS GRIGNION DE MONTFORT. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, n.23. 15.ed. Petrópolis: Vozes, 1987, p.30.
2 Ensina, a este respeito, São Tomás: “A humanidade de Cristo, pelo fato de estar unida a Deus; a bem-aventurança criada, por ser o deleitar-se em Deus; e a Bem-aventurada Virgem, por ser a Mãe de Deus, têm até certo ponto infinita dignidade, provinda do bem infinito que é Deus”. (SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I, q.25, a.6, ad.4).
3 Cf. FERNÁNDEZ TRUYOLS, SJ, Andrés. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Madrid: BAC, 1954. p.150-152.
4 JOURDAIN, Zéphyr-Clément. Somme des grandeurs de Marie. Paris: Walzer, 1900, t.II, p.461.
5 Idem, ibidem.
6 Revista Arautos do Evangelho, nº 22 (Outubro de 2003).
7 GOMÁ Y TOMÁS, Isidro. El Evangelio explicado. Barcelona: Casulleras, 1930, v.I, p.454.
8 GARDEIL,OP, Ambroise. El Espírito Santo en la vida cristiana. Madrid: Rialp, 1998, p.167.
9 Cf. DIDON, OP, Henri. Jesus Christo. Porto: Chardron, 1895, v.I, p.187; TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada. Madrid: BAC, 1964, p.999-1000.
10 Apud SAN BERNARDINO DE SIENA. Explication des Évangiles. Hong-Kong: Imprimerie de la Société des Missions Étrangères, 1920, t.I, p.272.
11 BERINGER, R. Repertorio universal del predicador. Barcelona: Litúrgica española, 1933, v.I, p.198.
12 Cf. LEAL, SJ, Juan; PARAMO, SJ, Severiano del; ALONSO, SJ, José. La Sagrada Escritura. Texto y comentario por los Profesores de la Compañía de Jesús. Nuevo Testamento I, Evangelios. Madrid: BAC, 1961, p.846.
13 “Não há duvida de que Maria conheceu o propósito de Cristo de instituir a Eucaristia muito antes que fosse instituído tão augusto sacramento”. (ALASTRUEY, Gregorio. Tratado de la Virgen Santísima. Madrid: BAC, 1956, p.678-679).
14 Cf. ALASTRUEY, op. cit., p.680-681.
15 Cf. JOURDAIN, op. cit., p.59; TUYA, OP, Manuel de. Biblia comentada, II. Madrid : BAC, 1964, p.1006 ; CAROL, OFM, J.B. Mariología. Madrid: BAC, 1964, p.103-104; DEHAUT. L’Evangile expliqué, défendu, médité. Paris: Lethielleux, 1867, p.39-40.
16 MALDONADO, SJ, Juan de. Comentarios a los cuatro Evangelios. III. Evangelio de San Juan. Madrid: BAC, 1954, p.155.
17 LEAL, SJ; PARAMO, SJ; ALONSO, SJ, op. cit., p.847.
18 LAGRANGE, OP, M.J. Évangile selon Saint Jean. Paris: Lecoffre, 1936, p.56.
19 “Que Cristo tenha cogitado em instituir a Eucaristia naquela ocasião é insinuado por Santo Agostinho […]. E São Máximo de Turim afirma: ‘Ao dizer minha hora ainda não chegou, prometia aquela hora da sua gloriossíssima Paixão e o vinho da nossa Redenção’” (ALASTRUEY, op. cit., p.680).
20 Cf. SAN JUAN CRISÓSTOMO. Homilías sobre el Evangelio de San Juan (1-29). Madrid: Ciudad Nueva, s/d. p.268.
21 TUYA, OP, op. cit., p. 1003.
22 Cf. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Pequeno ofício da Imaculada Conceição comentado. São Paulo: Artpress, 1997, p.283-285.
23 LUZERNE. Explication des Évangiles. Paris: Mequignon Junior, 1847, t.I, p.194.
24 D’HAUTERIVE, P. La suma del predicador. Paris: Luis Vivès, 1888, t.II, p.284.
25 JOURDAIN, op. cit., t.VII, p.368.
26 GOMÁ Y TOMÁS, op. cit., p.451.
27 FILLION, Louis Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Madrid: Rialp, v.I, p.335.
28 D’HAUTERIVE, op. cit., p.302.
29 É importante notar que, conforme sublinham os professores da Companhia de Jesus, a palavra “embriagados” não deve ser tomada neste versículo no sentido pejorativo de “bêbados”, mas sim como parte de “uma espécie de provérbio” (LEAL, op. cit., p.852). Por sua vez, o Cardeal Gomá interpreta as palavras do mestre-sala como um “amável gracejo” (Op. cit., p.451). No mesmo sentido se pronunciam o Abbé Dehaut (Op. cit., p.26) e os professores de Salamanca (TUYA, op. cit., p.1002).
30 Epitres et Évangiles avec des explications. Paris: Jean Mariette, 1727, t.I, p.199.
31 LUZERNE, op. cit., p.200.
32 JOURDAIN, op. cit., t.VII, p.369.
33 SÃO LUÍS GRIGNION DE MONTFORT, op. cit., n.217, p. 211.

 

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Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP
Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, é fundador dos Arautos do Evangelho.

3 COMENTÁRIOS

  1. Categórica resposta ao nosso amigo leitor, desobediente à regra de Literatura Portuguesa, que por critérios próprios colocou o ‘artigo’ em lugar impróprio, mudando assim todo o sentido fraseológico. Suma cum laude pelo o alto nível de formação intelectual e acadêmico nas fileiras dos Arautos do Evangelho, seja nos artigos da Revista e todo o mundo de trabalhos apostólicos realizados a serviço da Santa Igreja.

  2. Tradução equivocada do evangelho de João, pela irregularidade do uso do termo TODO MUNDO: ‘Todo mundo serve primeiro o vinho melhor e, quando os convidados já estão embriagados, serve o vinho menos bom.”. Nunca se pode usat o termo TODO MUNDO se não se referir a TODA POPULAÇÃO MUNDIAL ou TODO PLANETA ou CADA MUNDO. Seria melhor alterar esse termo para TODOS.

    • Salve Maria, Sr. Clayton!

      Agradecemos sua visita ao nosso site e sua participação com um comentário.
      Apenas queremos lhe ponderar dois pontos, com relação ao tema mencionado: em primeiro lugar, a tradução do Evangelho utilizada neste artigo foi tirada do Lecionário em português oficial da Santa Igreja, portanto, uma tradução feita com bastante cuidado e critério.
      Em segundo lugar, queríamos lhe recordar a riqueza de nossa língua portuguesa.
      Dada esta riqueza, a expressão “todo mundo” se refere a “todas as pessoas (a respeito das quais se sabe, se tratou antes)” (cf. locução do verbete “mundo” no Dicionário Houaiss), no caso, as pessoas que estavam ali junto a Nosso Senhor, segundo o Evangelho.
      Mas temos também a expressão “todo o mundo”, que aí, sim, se refere às “pessoas todas (tomadas indefinidamente)” (cf. idem, ibidem), que é o sentido que o senhor menciona.
      Deste modo, podemos verificar que a tradução está correta e não há necessidade de nenhuma alteração.
      Desejamos que Nossa Senhora o auxilie sempre!

      Em Jesus e Maria,
      Ir. Juliane Campos

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