É necessário que todos os fiéis tenham por seu principal dever e suma dignidade participar do Santo Sacrifício Eucarístico, com tal empenho e fervor que sejam colocados em contato íntimo com o Sumo Sacerdote.
O mistério da Santíssima Eucaristia, instituída pelo Sumo Sacerdote Jesus Cristo e, por vontade sua, perpetuamente renovada pelos seus ministros, é como a súmula e o centro da Religião cristã. Em se tratando do ápice da Sagrada Liturgia, julgamos oportuno, veneráveis irmãos, deter-nos um pouco, chamando a vossa atenção para esta importantíssima temática. […]
Verdadeiro e próprio sacrifício
O augusto Sacrifício do Altar não é uma pura e simples comemoração da Paixão e Morte de Jesus Cristo, mas é um verdadeiro e próprio sacrifício, no qual, imolando-Se incruentamente, o Sumo Sacerdote faz aquilo que fez uma vez sobre a Cruz, oferecendo-Se todo ao Pai como Vítima agradabilíssima. […]
Idêntico, pois, é o Sacerdote, Jesus Cristo, cuja sagrada presença é representada pelo seu ministro. Este, pela consagração recebida, assemelha-se ao Sumo Sacerdote e tem o poder de agir em virtude e na pessoa do próprio Cristo; por isso, de certo modo, “empresta a Cristo a sua língua, e Lhe oferece a sua mão”.[1]
Também idêntica é a Vítima, isto é, o Divino Redentor, segundo a sua humana natureza e na realidade do seu Corpo e do seu Sangue. Diferente, porém, é o modo pelo qual Cristo é oferecido.
Na Cruz, com efeito, Jesus entregou-Se todo a Deus com os seus padecimentos, e a imolação da Vítima foi realizada por meio de morte cruenta livremente sofrida; no altar, pelo contrário, por causa do estado glorioso de sua natureza humana, “a morte não tem mais domínio sobre Ele” (Rm 6, 9) e, por conseguinte, não é possível a efusão do Sangue; mas a Divina Sabedoria encontrou o modo admirável de tornar manifesto o Sacrifício de nosso Redentor com sinais exteriores que são símbolos de morte.
Já que, por meio da transubstanciação do pão e do vinho têm-se realmente presentes o Corpo e o Sangue de Cristo; as espécies eucarísticas, sob as quais está presente, simbolizam a cruenta separação do Corpo e do Sangue. Assim, o memorial da sua real morte sobre o Calvário repete-se sempre no Sacrifício do Altar, porque, por meio de símbolos distintos, significa-se e demonstra-se que Jesus Cristo Se encontra em estado de vítima.
Louvor, expiação, impetração e ação de graças
Idênticos, finalmente, são os fins, dos quais o primeiro é a glorificação de Deus. Do nascimento à morte, Jesus Cristo foi abrasado pelo zelo da glória divina e, da Cruz, a oferenda do Sangue chegou ao Céu em odor de suavidade. E porque este cântico não havia de cessar, no Sacrifício Eucarístico os membros se unem à Cabeça divina e, com ela, com os Anjos e os Arcanjos, cantam a Deus louvores perenes, dando ao Pai onipotente toda honra e glória.
O segundo fim é a ação de graças a Deus. Somente o Divino Redentor, como Filho de predileção do Eterno Pai, de quem conhecia o imenso amor, pôde entoar-Lhe um digno cântico de ação de graças. A isso visou e desejou “rendendo graças” (Mc 14, 23) na Última Ceia, e não cessou de fazê-lo na Cruz. Tampouco cessa de realizá-lo no augusto Sacrifício do Altar, cujo significado é justamente a ação de graças ou Eucaristia. Porque isso é “verdadeiramente digno, é justo e salutar”.[2]
O terceiro fim é a expiação e a propiciação. Certamente ninguém, fora Cristo, podia dar ao Deus onipotente satisfação adequada pelas culpas do gênero humano; quis Ele, pois, imolar-Se na Cruz, “propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas ainda pelos de todo o mundo” (I Jo 2, 2). Nos altares Se oferece igualmente cada dia pela nossa redenção, a fim de que, libertados da eterna condenação, sejamos acolhidos no rebanho dos eleitos. E isso não só por nós que estamos nesta vida mortal, como também “por todos aqueles que repousam em Cristo, os quais nos precederam com o sinal da Fé e dormem o sono da paz”,[3] pois, quer vivamos, quer morramos, “não nos separamos do único Cristo”.[4]
O quarto fim é a impetração. Filho pródigo, o homem malbaratou e dissipou todos os bens recebidos do Pai celeste, e por isso está reduzido à suprema miséria e inanição; da Cruz, porém, Cristo, “tendo em alta voz e com lágrimas oferecido orações e súplicas […] foi ouvido pela sua piedade” (Hb 5, 7), e nos sagrados altares exercita a mesma mediação eficaz, a fim de que sejamos cumulados de toda bênção e graça. […]
A salvação flui da Cabeça para os membros
Pode-se dizer que Cristo construiu no Calvário uma piscina de purificação e de salvação e a encheu com o Sangue por Ele derramado; mas se os homens não mergulham nas suas ondas e aí não lavam as manchas de sua iniquidade, não podem certamente ser purificados e salvos.
A fim de que, pois, os pecadores individualmente se purifiquem no Sangue do Cordeiro, é necessária a colaboração dos fiéis. Se bem que, falando em geral, Cristo haja reconciliado com o Pai todo o gênero humano por meio da sua morte cruenta, quis todavia que todos se aproximassem e fossem conduzidos à Cruz por meio dos Sacramentos e do Sacrifício da Eucaristia, para poderem conseguir os frutos salutares por Ele granjeados no Calvário.
Com esta atual e pessoal participação, assim como os membros se configuram cada dia mais à sua Cabeça divina, assim também a salvação que vem da Cabeça flui para os membros, de modo que cada um de nós pode repetir as palavras de São Paulo: “Estou crucificado com Cristo na Cruz, e vivo não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gl 2, 19-20).
Como realmente dissemos, de propósito e concisamente, em outra ocasião, enquanto Jesus Cristo morria na Cruz Ele dava à sua Igreja, sem nenhuma cooperação da parte dela, o imenso tesouro da Redenção; quando, no entanto, se trata de distribuir tal tesouro, não só o faz com a participação de sua incontaminada esposa na obra de santificação, mas deseja ainda que tal atividade jorre, de certo modo, por ação dela.
Jamais cesse nosso hino de glorificação e ação de graças
O augusto Sacrifício do Altar é insigne instrumento para aos crentes distribuir os méritos derivados da Cruz do Divino Redentor: “Toda vez que se oferece este sacrifício, cumpre-se a obra da nossa Redenção”.[5]
Isso, porém, longe de diminuir a dignidade do sacrifício cruento, dele faz ressaltar a grandeza, como afirma o Concílio de Trento,[6] e lhe proclama a necessidade. Renovado cada dia, admoesta-nos que não há salvação fora da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Gl 6, 14), e que Deus quer a continuação deste sacrifício “do surgir ao pôr do sol” (Ml 1, 11), para que não cesse jamais o hino de glorificação e de ação de graças que os homens devem ao Criador, visto que têm necessidade de seu contínuo auxílio e do Sangue do Redentor para redimir os pecados que ofendem a sua justiça.
É necessário, pois, veneráveis irmãos, que todos os fiéis tenham por seu principal dever e suma dignidade participar do Santo Sacrifício Eucarístico, não com assistência passiva, negligente e distraída, mas com tal empenho e fervor que sejam colocados em contato íntimo com o Sumo Sacerdote, como diz o Apóstolo: “Tende em vós os mesmos sentimentos que Jesus Cristo experimentou” (Fl 2, 5), oferecendo este Sacrifício com Ele e por Ele, santificando-se com Ele.
Excertos de: PIO XII. Mediator Dei, 20/11/1947
Notas
[1] SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. In Ioannem. Homilia LXXXVI, n.4.
[2] MISSAL ROMANO. Prefácio.
[3] MISSAL ROMANO. Cânon Romano.
[4] SANTO AGOSTINHO. De Trinitate. L.XIII, c.19.
[5] MISSAL ROMANO. Secreta do Dom. IX depois de Pentecostes.
[6] Cf. CONCÍLIO DE TRENTO. Sessão XXII, c.2; cân.4.