Houve entre o povo de Israel um jovem fogoso, em cujo olhar Moisés certamente discernia um sublime chamado. Seu nome era Fineias.
A fidelidade cristalina desse varão, obra de uma vida inteira, brilhou de maneira ímpar num episódio pouco conhecido da história do povo eleito que, contudo, fê-lo merecer um posto de honra entre os homens ilustres elogiados pelo Eclesiástico: ali ele está como “o terceiro em glória” (45, 28a), contado entre os que receberam do Senhor a dignidade sacerdotal.
Entre os maus, um punhado de fiéis
Narram as Escrituras que, desde a partida dos israelitas de Ramsés no dia seguinte ao da Páscoa (cf. Nm 33, 3), Deus não cessou de lhe demonstrar sua predileção, apesar de serem eles um povo incrédulo e rebelde. Com efeito, o texto sagrado evidencia que um clã de maus e revoltosos atuava com virulência em seu meio.
Por outro lado, havia também entre o povo algumas almas fiéis, zelosas pela Lei do Senhor e naturalmente mais próximas de Moisés, que tiveram um papel importante nas vitórias dele sobre a iniquidade reinante. Entre estas se encontrava aquele que “imitou Moisés no temor do Senhor” (Eclo 45, 28b).
Moab faz Israel tropeçar
Nos últimos momentos de seu glorioso êxodo da terra do Egito, caracterizado por fenômenos extraordinários em que a fé e o milagre se coadunavam, os israelitas chegaram às estepes de Moab, às portas da Terra Prometida, com o fim de ali acampar. Contudo, a um curto período de descanso seguiu-se uma grave prevaricação. Era a última hora antes do cumprimento das promessas, a derradeira prova a ser vencida para receber o tão ansiado prêmio.
Passara por ali, havia algum tempo, um enigmático adivinho não judeu, de nome Balaão. Fora instigado pelo rei de Moab a amaldiçoar Israel, mas o Senhor o impediu de forma miraculosa e revelou-lhe sua predileção pelo povo eleito (cf. Nm 22–23). Desta feita, Balaão ousou dar ao soberano um perverso conselho, através do qual conseguiria triunfar sobre Israel: que ele introduzisse entre os hebreus mulheres madianitas, que os seduzissem pelo pecado da carne e, depois, os levassem à idolatria a seus deuses (cf. Nm 31, 15-16).
De fato, muitos deixaram-se arrastar a esta infâmia, esquecendo Aquele que os salvara das mãos do Faraó. As mulheres madianitas passaram a exigir-lhes uma consagração a Baal-Fegor, ao que eles obedeceram, cegos pela paixão.1
Ora, o Senhor velava pelos seus e ante tal pecado tomou-Se de violenta cólera. Ardendo de desejo de que Israel voltasse ao bom caminho, e considerando tratar-se de um povo de cerviz duríssima (cf. Dt 31, 27), houve por bem castigá-lo com uma terrível peste.
Uma lição de intransigência
Enquanto muitos morriam acometidos da peste, aconteceu que Moisés reuniu os chefes e juízes do povo para transmitir-lhes indicações da parte do Senhor e, diante de toda a assembleia reunida, um dos príncipes da tribo de Simeão, chamado Zamri, levantou-se contra Moisés, dizendo: “Não me terás mais como seguidor de teus tirânicos mandamentos”.2 E seu atrevimento não cessou com tais palavras: sob os olhares de todos, trouxe para o acampamento uma mulher madianita, com a qual se havia unido ilegitimamente.

“Zamri e Cozbi são mortos por Fineias” – Gravura por David Martin (editada)
Então Fineias, considerado um dos principais jovens do povo, tanto por ser filho do sumo sacerdote Eleazar e sobrinho do próprio Moisés, quanto por sua virtude e coragem diante das dificuldades, resolveu vingar o ultraje antes que o péssimo exemplo de Zamri arrastasse outros à mesma revolta. Tomado de justa cólera e amor pela Lei (cf. I Mac 2, 24-26), “levantou-se no meio da assembleia, tomou uma lança, seguiu o israelita até sua tenda e ali transpassou-o juntamente com a mulher” (Nm 25, 7-8), de modo que pereceram ambos num único golpe.
Neste momento cessou o flagelo da peste que grassava entre os israelitas. Ao total, haviam perecido no castigo vinte e quatro mil homens (cf. Nm 25, 9).
“Ele deu provas do mesmo zelo que Eu”
Aplacado de seu divino furor, o Senhor disse a Moisés: “Fineias, filho de Eleazar, filho do sacerdote Aarão, desviou minha cólera de sobre os israelitas, dando provas entre eles do mesmo zelo que Eu. Por isso não os extingui em minha cólera. Dize-lhe, pois, que lhe dou a minha aliança de paz. Isso será para ele e seus descendentes o pacto de um sacerdócio eterno, porque se mostrou cheio de zelo pelo seu Deus, e fez expiação pelos israelitas” (Nm 25, 11-13).
Tornava-se clara, pois, a estatura moral do homem sobre quem o Altíssimo fizera repousar a promessa feita a Aarão e à tribo de Levi: “Eu sou a tua parte e a tua herança no meio dos israelitas” (Nm 18, 20). E ficavam premiados para sempre seu amor ardente pela Lei de Deus e sua firmeza em face da impiedade.
Depois desses fatos sucedeu-se a guerra contra Madiã, e Fineias foi enviado por Moisés como comandante das tropas israelitas (cf. Nm 31, 6). “O Senhor estava com ele” (I Cr 9, 20)! Doze mil homens, mil de cada tribo do povo eleito, dizimaram as cidades de Moab. Entre os mortos, estavam todos os reis madianitas e também Balaão. Iniciava-se para Israel uma nova fase de sua história: tendo triunfado sobre os inimigos e feito a expiação dos pecados, deveria entrar efetivamente na Terra da Promessa.
Enquanto ele viveu, Israel não pecou
Quando, de maneira magnífica e misteriosa, o Senhor chamou a Si o grande Moisés, Fineias, por sua virtude provada e reconhecida, tornou-se um dos ajudantes mais próximos de Josué, como o prova ter sido ele o mensageiro de suas ordens junto às tribos da Transjordânia.
Rubenitas, gaditas e a meia tribo de Manassés fizeram um altar em seu território, além do Jordão, com a boa intenção de torná-lo um símbolo de união com Deus e com as outras tribos. Essa atitude, porém, foi mal interpretada pelos israelitas e Josué mandou Fineias com mais dez chefes do povo inspecionarem o que criam ser um desvio do culto ao verdadeiro Deus (cf. Js 22, 9-29). Ao ser esclarecido da realidade, Fineias disse aos integrantes das tribos transjordânicas: “Reconhecemos hoje que o Senhor está no meio de nós, visto que não cometestes esse pecado contra Ele, e salvastes assim os israelitas da mão do Senhor” (Js 22, 31).
Essa foi a última intervenção de Fineias descrita nas Escrituras. Enquanto ele e os de sua geração viveram, Israel não pecou (cf. Jz 2, 7).
Integridade, intransigência e restauração
A história deste varão de Deus – desenrolada no contexto dos tempos do Êxodo e talvez incompreensível para a mentalidade contemporânea – é uma prova do valor da integridade aos olhos de Deus. Sua virtude, posta em confronto com o mal quando já de nada adiantavam as exortações à conversão, desdobrou-se em intransigência e restaurou a ordem rompida pelo pecado. Por isso, mereceu ele a bênção e a complacência divina: “Seu zelo lhe foi imputado como mérito, de geração em geração, para sempre” (Sl 105, 30-31).
Que, do alto do Céu, Fineias interceda junto a Deus pela Igreja Militante e obtenha para todos os seus membros a santidade necessária a fim de que a iniquidade seja extirpada de nossos corações, fazendo da terra um local de paz verdadeira, sob o reinado de Jesus e de Maria. ◊
Um ensinamento útil para a alma
O prazer é apresentado por todo vício como isca que arrasta facilmente as almas sensuais para o anzol da perdição. É sobretudo por meio do prazer impuro que a natureza é arrastada para o mal, sem que se controle.
É o que sucede agora. Com efeito, aqueles que haviam prevalecido sobre as armas inimigas, que haviam demonstrado ser o ferro mais débil que sua própria força, e que com seu poder haviam posto em fuga o exército dos inimigos, estes acabaram feridos pelos dardos femininos através do prazer. E os que haviam sobrepujado os varões se converteram em reféns das mulheres. […]
Que lição tiraremos deste relato? A de que, sabedores de quanta força para o mal possui a enfermidade do prazer, mantenhamos nossa vida o mais afastada possível de tal vizinhança, de forma que essa enfermidade – a qual se assemelha ao fogo que, com sua proximidade, acende a chama perversa – não tenha acesso algum a nós.

Sansão e Dalila, por Francesco Morone – Museu Poldi Pezzoli, Milão (Itália)
Isso é o que ensina Salomão na Sabedoria ao dizer que não se deve pisar a brasa com o pé descalço nem esconder fogo no seio (cf. Pr 6, 27-28), pois está em nosso poder permanecer livres de paixão, contanto que nos mantenhamos longe daquilo que queima. Mas se, ao contrário, chegarmos a tocar esse fogo ardente, penetrará em nosso interior a chama da concupiscência, e então se seguirá nos pés a queimadura e no seio a destruição.
O Senhor no Evangelho, com sua própria voz, para que nos mantivéssemos afastados desse mal, cortou o passo – como à raiz da paixão – à concupiscência que nasce do olhar, quando ensina que quem admite a paixão com a vista abre, contra si mesmo, a porta da enfermidade (cf. Mt 5, 28). As paixões perversas, como a peste, uma vez que tenham dominado os pontos críticos, só cessam com a morte. ◊
SÃO GREGÓRIO DE NISSA.
Vida de Moisés, c.XXVII,
n.297-298; 303-304
Notas
1 Cf. FLÁVIO JOSEFO. Antiguidades judaicas. L.IV, c.6, n.7-9.
2 Idem, n.11.