O crescente interesse pela consagração a Jesus pelas mãos de Maria proposta por São Luís Maria Grignion de Montfort não será um sinal de que o Reino de Maria está por chegar?

 

Nossa Senhora de Fátima

Descoberto a meados do século XIX depois de passar mais de um século oculto, o Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem teve, a partir de então, larga difusão no mundo inteiro. Pedra angular da espiritualidade de muitos Santos modernos, motivo de elogio para os Papas do passado século, ele tem se transformado no “livro de cabeceira” de inumeráveis devotos da Virgem Mãe.

Que nos ensina esta obra? Ela nos convida a nos consagrarmos a Nossa Senhora como escravos de amor, para assim pertencermos mais perfeitamente a Nosso Senhor Jesus Cristo. E o faz coadunando uma linguagem cálida e despretensiosa com a mais profunda das argumentações teológicas.

Mas o Tratado é também, e talvez principalmente, uma obra profética. Ele prediz o glorioso triunfo da Virgem Mãe e a fundação de uma era histórica que poderíamos chamar Reino de Maria, e prevê o surgimento de almas repletas do espírito de Maria Santíssima, das quais Ela Se servirá para restaurar a fé, a caridade e o verdadeiro amor à Santa Igreja.

Que disseram os Papas?

A eficácia salvífica da devoção proposta por São Luís Maria Grignion de Montfort foi reconhecida, nos albores do século XX, pelo Papa Leão XIII, que beatificou seu autor e concedeu indulgência plenária a todos quantos fizessem ou renovassem essa consagração a Jesus por Maria no dia 8 de dezembro, festa da Imaculada Conceição, e no dia 28 de abril, festa de São Luís Grignion de Montfort.

Também São Pio X estimava muito o Tratado e em duas oportunidades confidenciou que nele se inspirara para escrever a Encíclica mariana Ad diem illum.1 Em 27 de dezembro de 1908, concedeu “de todo coração e com vivo afeto a bênção apostólica a todos quantos leiam o Tratado tão admiravelmente escrito pelo Bem-aventurado Montfort”. 2

Em carta ao Superior-Geral da Companhia de Maria, por ocasião do centenário da morte de São Luís Grignion, Bento XV “fez especial elogio ao livrinho da verdadeira devoção, por sua ‘suavíssima unção e solidíssima doutrina’”. 3

Pio XI, por meio de seu Secretário de Estado, o Cardeal Pacelli, futuro Pio XII, elogiou a edição alemã do Tratado da verdadeira devoção e outras obras de seu santo autor.

No início de seu discurso sobre o então Beato Luís de Montfort, ao conceder o decreto para sua canonização, Pio XII o compara ao “grande Padre e Doutor, São Bernardo de Claraval”. 4

São João Paulo II foi além: consagrou-se a Nossa Senhora como escravo segundo o método de São Luís Grignion de Montfort. Elogiou em diversas ocasiões o Tratado da verdadeira devoção e fez especial menção ao seu autor, ao considerar a autêntica espiritualidade mariana, na Encíclica Redemptoris Mater: “A este propósito, é-me grato recordar, dentre as muitas testemunhas e mestres de tal espiritualidade, a figura de São Luís Maria Grignion de Montfort, o qual propõe aos cristãos a consagração a Cristo pelas mãos de Maria, como meio eficaz para viverem fielmente os compromissos batismais”. 5

Cristo reinará no mundo por meio de Maria

O Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem nos apresenta, como já dissemos, a importância suprema de Maria Santíssima na obra da criação, sua luta contra o demônio e seu profético papel, especialmente no período histórico que São Luís chama de últimos tempos.

O santo autor encerra a Introdução de sua obra esclarecendo que “a divina Maria permaneceu desconhecida até agora” e por isso Nosso Senhor Jesus Cristo “ainda não é conhecido como deve ser”. 6 E conclui afirmando que o conhecimento e o Reino de Jesus só virão ao mundo “como consequência necessária do conhecimento e do Reino da Santíssima Virgem Maria”, 7 pois, como esta O trouxe ao mundo a primeira vez, cabe-Lhe fazê-Lo resplandecer em sua segunda vinda. Ousada afirmação, difícil de encontrar em outros autores…

Segundo a lógica do Tratado, este se destina a propagar a devoção a Nossa Senhora para que venha o Reino de Cristo. “Trata-se, portanto, de uma obra de larga visão e de alcance histórico muito amplo, fixando-se no desejo de trazer o Reino de Cristo para um mundo que não o possui, fazendo-o preceder em certo sentido pelo reinado de Maria Santíssima”. 8

São Luís Maria expõe seu fundamento teológico nas primeiras palavras do Tratado: “Jesus Cristo veio ao mundo por meio de Maria e é também por meio d’Ela que Ele reinará no mundo”. 9 Ora, se o Reino de Cristo deve vir ao mundo por intermédio de Maria Santíssima, espalhar a devoção a Ela é, nesta perspectiva, “a maior obra a que um homem pode aspirar”. 10

Portanto, a devoção ensinada por este grande Santo é de capital importância para a implantação do Reino de Cristo. Eis outro ponto não fácil de encontrar nos manuais de Mariologia.

Ela é o Paraíso Terrestre do Novo Adão

Ainda na Introdução, expande-se o Santo em louvores à augustíssima Rainha dos Céus. “Em união com os Santos, digo que Maria é o Paraíso Terrestre do Novo Adão, onde Ele Se encarnou por obra do Espírito Santo para ali realizar maravilhas incompreensíveis”. 11 Ela é o grande e divino mundo de Deus, a magnificência do Altíssimo, onde Ele escondeu seu Filho único “e n’Ele tudo quanto existe de mais excelente e precioso”. 12

São João Paulo II – Santuário Nacional de São Tomé, Chennai (Índia)

Depois de observar que os espíritos mundanos ignoram as grandezas da Virgem Maria por serem indignos e incapazes de conhecê-las, Grignion de Montfort põe em destaque uma verdade um tanto relegada ao esquecimento nos dias atuais: “Coisas admiráveis disseram os Santos a respeito desta santa cidade de Deus e, como eles próprios reconhecem, nunca foram mais eloquentes nem mais felizes do que quando delas se ocuparam”. 13

De fato, uma especialíssima e intensíssima devoção a Nossa Senhora é característica de todos os Santos. Mais adiante, São Luís Grignion passa a demonstrar como essa devoção é necessária a todos os batizados, é uma exigência de toda autêntica vida espiritual.

Papel de Nossa Senhora na Encarnação

Mas ele não se detém nesse ponto. Aprofundando as razões teológicas da devoção à Santíssima Virgem, aborda um tema da maior transcendência: quis o Altíssimo servir-Se de Maria na Encarnação; e sustenta que tal devoção se baseia no papel central que Ela desempenhou nesse evento fundamental.

Com efeito, a Encarnação do Verbo é um episódio culminante da História da humanidade; no campo dos acontecimentos humanos, nada há que, nem de longe, possa ser tão importante quanto este sublimíssimo fato: “O Verbo Se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14). Daí decorre que, no plano divino da criação e Redenção, a Mãe de Deus tem o papel mais importante e fundamental.

Dada esta insuperável posição da Virgem Maria, São Luís Grignion traça elevadas considerações sobre as relações d’Ela com as três Pessoas da Santíssima Trindade.

Relacionamento com a Santíssima Trindade

O Eterno Pai comunicou-Lhe sua fecundidade para Ela poder gerar seu Divino Filho e todos os membros do Corpo Místico de Cristo. Por isto Maria é a Mãe de todos os fiéis na ordem da graça.

A cooperação de Nossa Senhora com Deus Filho se dá pelo fato de que Ela formou seu santíssimo Corpo, Ela O alimentou e d’Ele cuidou em sua infância. Ela foi um tabernáculo vivo, no qual Jesus Cristo começou a glorificar o Pai nesta terra, desde o primeiro momento da união hipostática.

Colaboração com o Espírito Santo: como Maria é verdadeiramente a Esposa do Espírito Santo, sua participação nesse acontecimento é de uma sublimidade e de uma intimidade impossíveis de se imaginar. Cabe a Ela também, nessa situação, papel importantíssimo na santificação e na perseverança de cada um de nós.

Prosseguindo em sua sólida argumentação, Grignion de Montfort demonstra de maneira brilhante que Nosso Senhor Jesus Cristo é o fim último da devoção a Maria. Este ponto é fundamental, pois desmonta os sofismas de todos quantos objetam contra a devoção a Nossa Senhora, sob o falacioso pretexto de ser ela um entrave à devoção ao nosso Divino Redentor.

Escravidão a Maria e suas consequências

O ponto essencial da “verdadeira devoção” pregada por São Luís Grignion é a consagração como escravo de amor à Santíssima Virgem. Uma consagração que, frisa bem ele em seu Tratado, é na realidade uma consagração a Nosso Senhor Jesus Cristo “pelas mãos de Maria”, expressão que ele repete inúmeras vezes em sua portentosa obra.

A alguns leitores talvez cause estranheza a palavra escravo, usada por São Luís, adaptando-a de São Paulo (cf. Fl 2, 7), para designar a entrega total a Jesus Cristo por meio de sua Mãe Santíssima. Entretanto, explica o Santo, ela é uma perfeita renovação das promessas do Batismo, que todo católico faz várias vezes ao longo da vida.

Antes do Batismo, explica São Luís, todo ser humano é escravo do demônio, pois lhe pertence. No Batismo, porém, ele renuncia solenemente a satanás, suas pompas e suas obras, e toma Jesus Cristo por seu Mestre e soberano Senhor, tornando-se seu escravo de amor. E conclui: “O mesmo se faz na presente devoção: cada qual renuncia (como está dito na fórmula da consagração) ao demônio, ao mundo, ao pecado e a si mesmo, e se entrega totalmente a Jesus Cristo pelas mãos de Maria”. 14 Mas com uma importante diferença: no Batismo, as crianças se manifestam pela voz de seus padrinhos; nesta devoção, a pessoa fala por si mesma, com pleno conhecimento de causa.

São Luís Maria Grignion de Montfort, Basílica de São Pedro

Ela nunca Se deixa superar em amor

Prosseguindo, Grignion de Montfort nos apresenta vários motivos que nos recomendam a prática da verdadeira devoção a Nossa Senhora. Por ela, a pessoa se consagra inteiramente ao serviço de Deus, sem prejudicar seus deveres de estado; ela nos leva a imitar o exemplo de Jesus Cristo e a praticar a virtude da humildade.

No terceiro motivo, o autor acentua como lucramos com essa devoção. A Santíssima Virgem, explica ele, nunca Se deixa superar em amor e liberalidade. Vendo que alguém se Lhe consagra totalmente para honrá-La e servi-La, “Ela também Se dá por inteiro e de modo inefável a quem Lhe deu tudo. Imerge-o no abismo de suas graças, adorna-o com seus méritos, apoia-o com seu poder, ilumina-o com sua luz, abrasa-o com seu amor, comunica-lhe suas virtudes: sua humildade, sua fé, sua pureza, etc. Ela Se constitui sua fiadora, seu suplemento e seu tudo perante Jesus”. 15

Só isso já é suficiente para mostrar como são insondáveis as graças e vantagens que nos advêm da prática dessa devoção. Porém, há muito mais.

Dado que a Virgem das virgens tem relações especialíssimas com a Santíssima Trindade, quem a Ela se entrega por inteiro como escravo de amor passa a ter com a mesma Trindade um relacionamento muito mais rico, intenso e íntimo; mudam também suas relações com a Sagrada Eucaristia, pois ele passa a comungar com Maria, em Maria, por Maria e para Maria. Pode-se dizer que entra numa nova economia da graça quem assim se consagra a Maria.

Em resumo, é de todo inefável o comportamento dessa Virgem fiel com seus filhos e escravos. “Ela os ama, por ser sua verdadeira sua Mãe, e uma mãe sempre ama os filhos, fruto de suas entranhas; ama-os por reconhecimento, pois eles efetivamente A amam como sua boa Mãe; ama-os porque, sendo predestinados, Deus os ama […]; ama-os porque se consagraram por inteiro a Ela e são sua porção e sua herança”. 16 Mais ainda: desde que eles sejam fiéis na prática dessa devoção, a alma da Santíssima Virgem se comunicará a eles para glorificar o Senhor; seu espírito se porá no lugar do deles para rejubilar-se em Deus nosso Salvador. 17

Sobre o ódio do demônio ao “Tratado”

Bem poderíamos acrescentar aqui longos trechos desse livro maravilhoso, mas parece-nos melhor convidar os leitores a percorrerem suas páginas e se deixarem guiar por este devoto exemplar de Maria Santíssima.

São Luís Maria Grignion de Montfort foi um Santo dotado de carisma profético, que se torna manifesto em várias passagens do seu Tratado e, sobretudo, na prece intitulada Oração Abrasada. Lendo-a parece-nos sentir o fogo sagrado que ardia em sua alma de apóstolo.

Numa dessas passagens, declara ele prever claramente que animais frementes surgirão em fúria para estraçalhar com seus diabólicos dentes “este pequeno livro e o homem do qual o Espírito Santo Se serviu para escrevê-lo” 18 ou, pelo menos, escondê-lo no fundo de algum armário onde ninguém o possa encontrar. Desalentou-se com tal perspectiva? Pelo contrário! Esta previsão incentivava nele a esperança de um grande sucesso, ou seja, o surgimento de “um numeroso esquadrão de soldados de Jesus e de Maria, homens e mulheres, para combater o mundo, o demônio e a natureza corrompida, nos perigosos tempos que estão por vir, mais perigosos do que nunca”. 19

Cumpriu-se à risca a primeira parte desta profecia. São Luís partiu para o Céu em 1716, alguns anos depois de ter escrito esse livro. Entretanto, por diversos fatores, entre os quais a necessidade de esconder os preciosos manuscritos durante o período das perseguições movidas pela Revolução Francesa contra a Igreja, somente em 1843 foi lançada ao público sua primeira edição. Quase cento e trinta anos de espera.

Maria e os apóstolos dos últimos tempos

O grande Santo mariano se manifesta com ressonâncias proféticas também quando se refere a “estes últimos tempos”, 20 nos quais Deus quer revelar e manifestar ao mundo inteiro a obra-prima da criação.

“Maria deve resplandecer mais do que nunca, em misericórdia, em força e em graça, nesses últimos tempos”. 21 Em misericórdia, explica ele, para acolher amorosamente os pobres pecadores que se converterão; em força, contra os empedernidos inimigos de Deus e da Igreja; em graça, para animar e sustentar os valentes e fiéis servidores que combaterão pelos interesses de Jesus Cristo.

E conclui com esta afirmação: “Enfim, Maria deve ser terrível ao demônio e seus sequazes, como um exército em ordem de batalha, sobretudo nesses últimos tempos, porque o demônio, sabendo que lhe resta pouco tempo para perder as almas, redobrará diariamente seus esforços e ataques. Suscitará ele em breve cruéis perseguições e armará terríveis ciladas contra os fiéis servidores e verdadeiros filhos de Maria, muito mais difíceis de vencer”. 22

Mas quem serão esses “fiéis servidores e verdadeiros filhos de Maria”? Numa profecia abrasada de amor a Nossa Senhora, São Luís traça o seu perfil espiritual: “Serão fogo flamejante, ministros do Senhor que atearão por toda parte o fogo do divino amor. Serão como flechas agudas postas na poderosa mão de Maria para transpassar seus inimigos”. 23

“Bem purificados pelo fogo de grandes tribulações”, continua o Santo, esses escravos da Virgem “terão no coração o ouro da caridade, no espírito o incenso da oração e no corpo a mirra da mortificação”. 24 Como “nuvens trovejantes movendo-se ao sopro do Espírito Santo”, 25 derramarão a chuva da Palavra de Deus, invectivarão o pecado, bradarão contra o mundo, fustigarão o demônio e seus sequazes.

Em resumo, “serão verdadeiros apóstolos dos últimos tempos, aos quais o Senhor concederá a palavra e a força para operar maravilhas e triunfar gloriosamente sobre seus inimigos”. 26 Eles “terão em sua boca a espada de dois gumes da Palavra de Deus; portarão sobre os ombros o estandarte ensanguentado da Cruz, o crucifixo na mão direita, o rosário na esquerda, os sagrados nomes de Jesus e de Maria no coração”. 27

Quando e como, porém, acontecerá isto? O modo e a hora, só Deus sabe, mas São Luís acrescenta uma sábia orientação: “A nós compete calar, suplicar, almejar e aguardar”. 28

Cruz feita por São Luís Maria Grignion de Montfort – Saint-Laurent-Sur-Sèvre (França)

Uma esperança profética

São Luís Grignion de Montfort manifesta em sua magna obra a esperança de que a própria Rainha dos Céus obterá de seu Divino Esposo que este conduza um varão eleito ao mais alto grau da verdadeira devoção por ele preconizada.

Como o essencial desta devoção, explica o Santo, consiste no interior que ela deve formar, não será compreendida igualmente por todos. Alguns, em grande número, se deterão em sua forma exterior. Muito menos serão aqueles que entrarão em seu interior, subindo apenas um degrau. Menos numerosos ainda serão os que alcançarão alguns degraus a mais.

Enfim, interroga-se o Santo, quem com ela se identificará por inteiro? E responde: “Somente aquele a quem o Espírito de Jesus Cristo revelar este segredo e conduzir Ele próprio sua fidelíssima alma a avançar de virtude em virtude, de graça em graça, de luzes em luzes, até chegar à transformação de si mesmo em Jesus Cristo e à plenitude de sua idade na terra e de sua glória no Céu”. 29

Como apontamos no início destas linhas, aumenta cada dia o número de pessoas que desejam consagrar-se à Santíssima Virgem segundo o método de São Luís Grignion. São homens e mulheres, sobretudo jovens, de todas as profissões e categorias sociais. Há inclusive em alguns países cursos on-line de preparação para esta consagração.

O crescente interesse por praticar esta especial forma da devoção à Virgem Mãe de Deus, e por Ela a Nosso Senhor Jesus Cristo, não será um sinal de que estamos vivendo dias muito promissores e já se vislumbra no horizonte o surgimento do Reino de Maria por ele profetizado? 

São Luís Maria Grignion de Montfort

São Luís Maria Grignion de Mont­fort nasceu em 1673 na pequena cidade bretã de Montfort-la-Cane, atual Montfort-sur-Meu, França. Segundo dos dezoito filhos de uma família profundamente católica, fez o curso colegial no colégio jesuíta de Rennes. Sentia desde criança a inclinação ao sacerdócio, a qual se confirmou como vocação certo dia em que, rezando diante de uma imagem de Nossa Senhora da Paz, ouviu claramente uma voz interior a dizer-lhe: “Serás sacerdote”.

Vitral da Igreja de São Pedro, Domagné (França)

Aos vinte anos ingressou no célebre Seminário São Sulpício, de Paris, talvez o mais importante da França naquela época. Surgira ele sob o influxo da Escola Francesa de Espiritualidade, formada por autênticos varões de Deus, como o Cardeal Pedro de Bérulle, o Pe. Jean-Jacques Olier, São João Eudes e outros. Reinava ali inicialmente uma grande devoção à Sagrada Eucaristia e à Santíssima Virgem.

Como não tinha recursos financeiros para as despesas do curso, os superiores puseram o jovem seminarista a trabalhar na biblioteca do seminário. Ação providencial, pois ali ele entrou em contato com as obras dos principais teólogos, dos Padres da Igreja e de numerosos Santos que iluminaram com sua doutrina o mundo cristão. Sem prejudicar seus estudos de Teologia, dedicou-se a organizar uma coleção de comentários de todos esses autores a respeito da Mãe de Deus.

Lamentavelmente, esse seminário havia se afastado das boas influências do passado e se deixado infectar pela heresia jansenista que, entre outros males, asfixiava a piedade, a devoção à Eucaristia e à Santíssima Virgem. Por esta razão, São Luís foi ali objeto de menosprezo e de perseguição.

Ordenado sacerdote em 1700, aos vinte e sete anos de idade, lançou-se com ardor ao trabalho de evangelização, mas os jansenistas levantaram contra ele tantos obstáculos e objeções que decidiu empreender uma viagem a Roma a fim de pedir ao Papa Clemente XI que o enviasse como missionário ao Canadá. O Vigário de Cristo deu-lhe o título de missionário apostólico, com a ordem de retornar ao apostolado na França.

Voltou, pois, à França, mas, longe de cessar, as perseguições aumentaram a tal ponto que ele acabou reduzido a pregar em apenas duas dioceses: Luçon e La Rochelle.

Pressentindo que se aproximava o fim de sua curta vida – morreu aos quarenta e três anos –, retirou-se a uma gruta nas proximidades de La Rochelle, em busca de tranquilidade. Ali compôs o Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem, escrevendo “rapidamente, cheio de entusiasmo e como que impulsionado por uma inspiração divina” (PÉREZ, SJ, Nazario. Introducción. In: SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Obras. Madrid: BAC, 1954, p.425).

 

Notas

1 Uma vez “ao Pe. Lépidi, OP, mestre do Sacro Palácio, outra ao Pe. Lhoumeau, procurador-geral da Companhia de Maria” (PÉREZ, SJ, Nazario. Introducción. In: SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Obras. Madrid: BAC, 1954, p.429).
2 Idem, ibidem.
3 Idem, ibidem.
4 Idem, ibidem.
5 SÃO JOÃO PAULO II. Redemptoris Mater, n.48.
6 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT. Traité de la vraie dévotion à la Sainte Vierge, n.13. In: Œuvres Complètes. Paris: Du Seuil, 1966, p.494.
7 Idem, ibidem.
8 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Comentários ao “Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem”. São Paulo, 1951.
9 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT, op. cit., n.1, p.487.
10 CORRÊA DE OLIVEIRA, op. cit.
11 SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT, op. cit., n.6, p.490.
12 Idem, ibidem.
13 Idem, n.7.
14 Idem, n.126, p.566.
15 Idem, n.144, p.578.
16 Idem, n.201, p.620.
17 Cf. Idem, n.258, p.660.
18 Idem, n.114, p.557.
19 Idem, p.557-558.
20 Idem, n.50, p.515.
21 Idem, p.516.
22 Idem, ibidem.
23 Idem, n.56, p.520-521.
24 Idem, p.521.
25 Idem, n.57.
26 Idem, n.58.
27 Idem, n.59, p.522.
28 Idem, ibidem.
29 Idem, n.119, p.562.
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