Seu número não foi sequer contado. De seus nomes, a História registra apenas os dos Apóstolos Pedro e Paulo. Todos os outros luzem no firmamento da Igreja como uma constelação de astros anônimos, celebrados na Liturgia de 30 de junho.
O primeiro ato do drama de seu martírio teve início na noite de 19 de julho do ano 64, com os repetidos toques de trombetas dos vigias postados em pontos-chave da Capital do mundo. Toques de alerta, bem conhecidos e temidos, logo seguidos dos primeiros gritos: “Fogo!… Fogo!… Fogo!”
Um incêndio dotado de grande poder destruidor
Nessa cidade superpovoada, com bairros pobres nos quais se amontoavam casas de madeira, um incêndio não passava de um acidente corriqueiro. Este, porém, logo revelou ser dotado de grande poder destruidor. Em poucos minutos os brados de “Fogo!”, cada vez mais apavorados, se espalharam pelas ruas do bairro popular do Grande Circo e logo depois por outros bairros.
As chamas pareciam ter-se estendido por várias regiões ao mesmo tempo, devorando implacavelmente lojas comerciais e residências. Encontrando em seu caminho alguns depósitos de óleo e outros materiais combustíveis, alastraram-se por toda a região em torno dos montes Palatino e Célio. Quando por fim elas se apagaram, seis dias depois, haviam destruído dez dos quatorze bairros da grande Metrópole imperial. Tão pavorosa fora a catástrofe que se tornou impossível calcular o número de mortos.
“Não é permitido ser cristão”
Durante esses terríveis dias, grandes grupos de homens impediam, por meio de ameaças, a ação de todos quantos queriam apagar o incêndio. Mais ainda, todos os historiadores antigos concordam em que foram vistos homens atiçando o fogo.
Os habitantes de Roma imediatamente acusaram Nero de ter provocado o incêndio, ou pelo menos de o ter favorecido. Os antigos historiadores abonam essa acusação, enquanto alguns modernos a rejeitam.
Deixando de lado a controvérsia histórica, o fato inegável é que o monstruoso Imperador, para se livrar da imensa onda de indignação levantada contra ele, lançou a culpa sobre os cristãos. Para o homem que havia mandado matar sua própria mãe, a invenção de uma tal calúnia pesava muito pouco na consciência.
Agindo em conseqüência, Nero mandou prender, de início, todos quantos se proclamavam cristãos. Delatores movidos pelos mais espúrios interesses logo possibilitaram a prisão de muitos outros. Quantos concretamente? Não se sabe. Um historiador afirma ter sido “uma grande multidão”. Todos foram sumariamente condenados à morte.
Em breve espalhou-se por todo o Império uma palavra de ordem: “Non licet esse christianus — Não é permitido ser cristão”.
Pavorosas cenas do martírio
O ódio bimilenar de Satanás e de seus asseclas humanos contra a Santa Igreja Católica está bem retratado nas cenas brutais e escabrosas dessa primeira perseguição.
Não se limitaram os algozes a torturar e depois decapitar ou crucificar as inocentes vítimas, em espetáculos no Circo de Calígula e Nero, localizado na Colina do Vaticano. “Tudo quanto se pode conceber na imaginação de um sádico a quem se concedesse plena liberdade para praticar o mal, foi posto em prática numa atmosfera de pesadelo”, afirma o historiador Daniel Rops, em sua monumental obra História da Igreja de Cristo.
O Imperador mandou franquear à populaça o jardim do parque imperial. Aí se organizaram “caçadas” nas quais os alvos eram cristãos revestidos de peles de animais ferozes para, assim, serem perseguidos e por fim dilacerados pelos cães. Mulheres eram arremessadas ao ar por brutais chifradas de touros, numa alegoria a episódios de uma fábula pagã. Não faltaram sequer ignominiosos ultrajes e atentados à virgindade das donzelas.
Caindo a noite, os carrascos ergueram numerosos postes ao longo das alamedas do parque, nos quais amarraram corpos de cristãos besuntados de resina e pez, e lhes atearam fogo, a fim de servirem de iluminação para a “festa”. Vestido de cocheiro, Nero passeava com seu carro puxado a cavalos pelas alamedas abarrotadas de embasbacados espectadores e iluminadas por essas tochas humanas.
São Clemente Romano, o terceiro sucessor de São Pedro, relata as horrorosas cenas dessa noite, das quais foi testemunha ocular. E o historiador latino Tácito, homem claramente hostil ao Cristianismo, escreveu que um tal excesso de atrocidade acabou por levantar em algumas parcelas da opinião pública um movimento de pena em relação aos cristãos.
Estes são os Protomártires da Igreja de Roma. Seus nomes são desconhecidos nesta terra, mas no Céu eles brilham como sóis por toda a eternidade, e lá intercedem por nós que aqui celebramos sua gloriosa memória.
São Pedro e São Paulo
Os dois mais importantes varões da Santa Igreja também sofreram o martírio na perseguição de Nero. Os Apóstolos Pedro e Paulo foram presos e encerrados no cárcere Mamertino, onde não cessaram seu apostolado, conseguindo a conversão até dos próprios carcereiros.
O Príncipe dos Apóstolos foi condenado à crucifixão. Julgando-se indigno de morrer como seu Mestre Divino, pediu aos algozes que o crucificassem de cabeça para baixo. No local de sua sepultura foi edificada a grandiosa Basílica de São Pedro.
O Apóstolo dos Gentios, por ser cidadão romano, mereceu um pouco mais de consideração das autoridades imperiais. Conduzido para fora da cidade, morreu decapitado na Via Ostiense. Sobre o seu túmulo se encontra a magnífica Basílica de São Paulo Extramuros.
Seis milhões de mártires
A esta primeira perseguição sucederam-se nove outras, ao longo dos 250 anos subseqüentes, até a proclamação do Edito de Milão, em 313. Calcula-se que nessa primeira fase da Igreja 6 milhões de mártires selaram com a morte sua fé em Nosso Senhor Jesus Cristo. Ou seja, em média, 24 mil por ano, 66 por dia.
“O sangue dos mártires é semente de novos cristãos”. Esse sangue bendito que regou a terra nos primeiros séculos do Cristianismo continua a produzir seus frutos até hoje, e assim será até o dia em que a humanidade inteira for convocada para o derradeiro ato da História, quando Cristo Glorioso ditará a última sentença: “Vinde, benditos de meu Pai” … “Afastai-vos de mim, malditos” (Mt 25, 34 e 41).◊