A sabedoria humana, sempre rica em ensinamentos, fascinou os pensadores de todos os tempos. Contudo, essa mesma sabedoria se ajoelha e se inclina para adorar a Deus.

 

E xiste todo gênero de discussões. Há aquelas que são repentinas e momentâneas, fruto da irreflexão, do descontrole temperamental ou da imaturidade. Há outras intermináveis, cujos partidários, de um e outro bando, sucedem-se de geração em geração. Aprimoram-se os argumentos, desmontam-se os silogismos, mas a contenda não tem fim.

Ludwig Feuerbach, gravura de August Weger

O debate sobre a existência de Deus encontra-se entre estas últimas. Nos últimos dois séculos, especialmente, vieram à luz as mais diversas modalidades de ateísmo, como, por exemplo, a do filósofo alemão Ludwig Feuerbach, segundo o qual Deus não criou o homem, mas, pelo contrário, foi este quem inventou Deus.

De modo geral, a crítica ateia se assenta no fato de a Religião construir seus princípios com base na Revelação, ou seja, a partir de dados fornecidos sobrenaturalmente ao homem, não comprováveis pelo raciocínio e pela experiência científica. Contudo, haverá algum modo de atestar que Deus existe apoiando-se apenas na razão?

Para responder a essa pergunta, deixemos de lado por alguns instantes os argumentos proporcionados pelas Sagradas Escrituras e pela Tradição, fontes da Revelação, e naveguemos nas águas da Antropologia e da Filosofia Antiga.

É possível alcançar Deus com a mera razão?

Antes de empreender uma obra, deve-se analisar se a empreita é realizável. Assim, cabe nos perguntarmos: a razão tem realmente condições de procurar o Altíssimo?

Glória de São Tomás de Aquino, por Francesco Traini –
Igreja de Santa Catarina, Pisa (Itália)

São Tomás de Aquino explica que, de fato, existem verdades às quais a pobre inteligência humana jamais poderia chegar sem o auxílio de uma manifestação divina. Assim se passa com o mistério da Santíssima Trindade, por exemplo. Essas sumas verdades, porém, apesar de transcenderem nosso intelecto, não o contradizem nem o negam.[1] Não é absurdo, portanto, aceitá-las.

Por outro lado, continua o Doutor Angélico,[2] há verdades que a nossa razão pode alcançar, como é o caso da existência de Deus. Nós não O vemos, mas comprovamos seus reflexos na criação e, mediante os efeitos, vislumbramos a Causa. Aquilo que é invisível manifesta-se nas coisas visíveis.

Foi esse o caminho percorrido por alguns sábios da Antiguidade. Trilha árdua e arriscada, não há dúvida, pois aqueles que andam sem a luz da fé peregrinam de olhos fechados, às apalpadelas. Sua trajetória, se bem que orientada para Deus, foi incerta, vacilante, cambaleante.

Todo homem tem uma religião

Ao voltarmos os olhos para a Antiguidade, deparamo-nos com uma evidência que nenhum ateu pode negar: a existência de um fenômeno religioso. Trata-se, agora, de saber em que momento isso começou: quando o homem “inventou” Deus?

Se consultarmos a Antropologia, a resposta será: desde sempre. Todos os povos, em todos os tempos, tiveram uma religião. Suas sociedades foram construídas sobre princípios fornecidos pela crença, dando origem a ritos e preceitos a partir dos quais, por sua vez, surgiram um código de ética e uma conduta moral que regiam os atos humanos.

Nesse sentido, atribui-se a Plutarco, pensador greco-romano do primeiro século de nossa era, a seguinte frase: “Se formos de nação em nação, poderemos encontrar cidades sem muros, sem ciências e sem arte, sem reis, palácios ou riquezas; cidades onde o dinheiro seja desconhecido ou não seja usado; cidades sem edifícios públicos e teatros; mas ninguém jamais viu ou verá uma cidade sem templos, deuses, orações, juramentos e oráculos, uma cidade que não procure, por meio de sacrifícios e de festas religiosas, obter favores e desviar males”.[3]

1. Galáxias do Quinteto de Stephan; 2. Pôr do sol em Puerto de Santa María (Espanha); 3. Arco-íris sobre as Cataratas do Niágara

É verdade que o modo de representar o divino se diferenciou em cada povo, dando origem a formas de culto diversas, politeístas na sua imensa maioria. Os bárbaros na Europa idolatravam árvores sagradas; os chineses veneravam o céu; muitos dos orientais e dos índios da América adoravam o Sol; outros erguiam altares aos seus próprios reis. Nasceram ainda lendas ou mitos para narrar a história das divindades.

Insuficiente e deficientes, tais manifestações de religiosidade confirmam, porém, que a figura de um ser divino acompanhou a humanidade desde seus primórdios, até… surgirem alguns que decidiram negá-la: os ateus. O ateísmo, este sim, é uma invenção relativamente recente.

4. Cerejeiras da Casa Turris Eburnea, Caieiras (SP); 5. Buganvílias da Serra da Cantareira; 6. Tigres do zoológico de Atibaia (SP)

Um problema para a Filosofia resolver

O homem possui uma inclinação para o sagrado por ser naturalmente religioso, como observa Cícero.[4] Trata-se de um instinto que, desprovido ainda de suficientes elementos racionais, caminha para a certeza: “Todos os seres humanos têm uma concepção dos deuses”.[5]

Entretanto, as narrações mitológicas tão difundidas entre os povos antigos não atendiam plenamente aos anseios da alma humana de conhecer a origem do universo. Foi então que alguns sábios helênicos começaram a procurar um fundamento racional para sua crença na divindade. Tirando paulatinamente as vistas do Olimpo, os filósofos gregos passaram a interrogar a natureza em busca de uma solução.

Não houve pensador antigo que não procurasse dar uma resposta à questão, como afirma o Pe. Battista Mondin: “O problema da existência de Deus é uma linha que atravessa toda a História da Filosofia; não há filósofo digno desse nome que não tenha abordado seriamente esse assunto”.[6]

Platão – Julgava necessário haver uma “mente organizadora” do universo. A imensa e complexa disposição dos seres não pode ser obra do acaso. Como explicar que a enorme variedade das espécies tenha sua origem no “nada”?

Platão e Aristóteles, ápice do pensamento grego

Quem primeiro formulou uma tentativa séria de provar a existência de Deus foi Platão, tomando como ponto de partida a ordenação do universo.

As expressões “leis da natureza”, “cadeia alimentar” e “equilíbrio ambiental” estão no nosso vocabulário corrente. Contudo, poucas vezes notamos que elas jamais poderiam ter surgido de uma maneira inteiramente espontânea: se existem leis, deve haver também legislador; se existe encadeamento, antes houve quem dispusesse as coisas em sequência; e se existe harmonia ou equilíbrio na natureza, é porque alguém estabeleceu uma ordem.

Por esse motivo, Platão julgava necessário haver uma “mente organizadora” do universo.[7] A imensa e complexa disposição dos seres não pode ser obra do acaso. Como explicar que a enorme variedade das espécies vegetais e animais tenha sua origem no “nada”? Como crer que o perfeito movimento dos astros seja fruto da mera “sorte”?

Aristóteles – “Em geral, onde se encontra algo melhor, encontra-se também o melhor. Uma vez, então, que nas coisas que existem umas são melhores do que outras, existe também o melhor de tudo, que será precisamente o divino”

Seu discípulo Aristóteles foi um pouco mais longe. Contemplando o mundo ao seu redor, observou que tudo se desenvolve, tudo se move. Os astros e os animais estão em contínuo deslocamento, os vegetais possuem um crescimento próprio, e até mesmo as rochas passam por transformações geológicas. Entretanto, quem terá começado essa maravilhosa sincronia?

Tudo aquilo que se move é movido por outros. Ninguém nasce espontaneamente, é preciso que alguém o gere; nenhuma pedra rola sem ser impulsionada, ainda que pela gravidade; vegetal algum cresce sem ter sido plantado: trata-se de verdades incontestáveis.

Ora, quando é que tudo começou a se mover? Quem foi o “motor” que colocou tudo em movimento? Esse agente, por sua vez, não pode ter começado a se mover sozinho. Se continuássemos a fazer essas perguntas, jamais encontraríamos o primeiro “motor”, pois sempre deveria haver um ser anterior para o movimentar…

Logo, o universo não teve começo? Admitir isso seria um absurdo! Sendo impossível regredir a uma sequência infinita de “motores”, torna-se necessária a existência de um “motor” supremo, que não seja movido por ninguém e, ao mesmo tempo, tenha dado início ao movimento universal.[8] Eis aí a figura de Deus, que move tudo sem Se mover.

Aristóteles formulou ainda outra prova: “Em geral, onde se encontra algo melhor, encontra-se também o melhor. Uma vez, então, que nas coisas que existem umas são melhores do que outras, existe também o melhor de tudo, que será precisamente o divino”.[9]

Cícero: como pode o universo ser fruto do acaso?

Cícero – Acreditar que o universo, com toda a perfeição nele contida, seja resultado do mero acaso, é tão absurdo como crer que um punhado de letras lançadas ao ar formasse, por si só, um dos livros de Ênio, poeta greco-romano

Deixemos o mundo grego do século IV antes de Cristo e passemos para a República Romana, onde o conhecido orador Marco Túlio Cícero vai nos dar um dos argumentos mais simples, nem por isso menos profundo, em favor da existência de Deus.

Na sua obra De natura deorum,[10] o famoso tribuno retoma a prova sugerida por Platão e Aristóteles sobre a causa e o efeito, acrescentando, contudo, um exemplo didático: acreditar que o universo, com toda a perfeição nele contida, seja resultado do mero acaso, é tão absurdo como crer que um punhado de letras lançadas ao ar formasse, por si só, um dos livros de Ênio, poeta greco-romano.

Traduzindo em termos mais próximos a nós: seria como se alguém recortasse, uma por uma, as vogais, consoantes e símbolos de pontuação que compõem Os Lusíadas de Camões e, atirando-os ao vento, ficasse à espera de que constituíssem por si mesmos, sem ação externa, o clássico português.

De fato, as probabilidades de que a Terra se formasse como ela é – com condições de vida e ornada de tantas maravilhas da natureza –, sem intervenção de um ser inteligente, revelam-se tão pequenas que tangem a impossibilidade.

Quando o homem inventou o ateísmo?

Tenhamos, portanto, esta certeza: se um dia nos fosse dado entrevistar os sábios da Antiguidade e perguntar-lhes o que achavam sobre a existência de Deus, de todos ouviríamos uma palavra favorável.[11] Pois o que poderíamos denominar de “ateísmo militante” surgiu apenas no século XIX

Feuerbach, o mais influente mentor do ateísmo humanista que precedeu o marxismo, afirmava que o homem forjou a ideia de Deus, quando seria mais adequado dizer que o homem inventou o ateísmo. A crença na divindade esteve sempre presente entre os povos, às vezes de maneira incipiente e pueril, outras vezes alentada pela análise racional.

A Igreja Católica, porém, possui o tesouro da Revelação e dos mistérios de Deus. Diante de tal maravilha, a razão se inclina reverente e submissa, presta-lhe auxílio e mostra que nossa Fé não é absurda, mas verdadeira, sábia, divina. 

 

Notas

[1] Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma contra os gentios. L.I, c.7.
[2] Cf. Idem, c.12.
[3] SHEEN, Fulton John. Filosofia da Religião. Rio de Janeiro: Agir, 1960, p.207.
[4] Cf. Idem, ibidem.
[5] ARISTÓTELES. Do Céu. L.I, c.3, 270b, 6-7.
[6] MONDIN, Battista. Quem é Deus? Elementos de Teologia Filosófica. São Paulo: Paulus, 1997, p.196.
[7] Cf. PLATÃO. Fédon, 97b-98c.
[8] Cf. ARISTÓTELES. Metafísica, L.XII, 1072a, 7.
[9] ARISTÓTELES. Diálogo sobre Filosofia III, frag.16. In: Fragmentos dos diálogos e obras exortativas. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2014, p.63.
[10] Cf. CÍCERO, Marco Túlio. De natura deorum. L.II, 93.
[11] O ateísmo é atribuído a tão somente dois filósofos da antiguidade. Ainda assim sua verdadeira posição é discutível, pois naqueles tempos quem colocasse em dúvida os deuses do Olimpo – sem necessariamente negar a existência da divindade – poderia ser taxado de ateu, como aconteceu com Sócrates.

 

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