Deus, em sua infinita sabedoria, destina para cada fiel uma via específica de santificação e lhe concede graças especiais para o cumprimento do seu chamado.
Alguns são por Ele escolhidos para missões de singular importância. Trata-se de almas providenciais, destinadas a desvendar a vontade divina para uma determinada época e assim desempenhar um valioso papel na História. Entre elas cabe destacar Santa Catarina de Sena.
Infância marcada por intensa piedade
Ela nasceu em 1347, no dia da Anunciação, que naquele ano coincidia com o Domingo de Ramos.
Desde a primeira infância, via-se pairar sobre aquela menina um alto desígnio da Providência. Ilustra-o um episódio ocorrido quando tinha apenas seis anos: voltando de um passeio com seu irmão Estêvão, Catarina viu Nosso Senhor Jesus Cristo revestido com as vestes pontificais e sentado num trono, ao alto da igreja dos dominicanos, tendo junto a Si São Pedro, São Paulo e São João Evangelista. Ao abençoá-la com especial amor, o Divino Mestre deixou-a maravilhada e marcou o início de um íntimo convívio com o sobrenatural, que iria acompanhá-la por toda a vida.
Com efeito, a atuação do Espírito Santo na alma de Catarina dava-se frequentemente através de fenômenos místicos que muitas vezes transpareciam no exterior. Por exemplo, ainda em criança, acontecia de ser transportada pelos ares ao subir e descer as escadas. Durante o deslocamento, seus pés só tocavam nos degraus quando ela queria pôr-se de joelhos para fazer atos de reverência e amor à Santíssima Mãe de Deus.
A infância dessa alma providencial foi marcada por uma piedade intensa, que a fazia desejar ardentemente entregar-se a Deus. Aos sete anos fez voto de virgindade diante de um altar da Santíssima Virgem e, tempos mais tarde, desposou-se misticamente com Nosso Senhor Jesus Cristo, na presença de Nossa Senhora, São Paulo, São João Evangelista, São Domingos e o Rei Davi.
Aos doze anos, como era costume na época, sua família decidiu prepará-la para o casamento. Muito se empenhou sua mãe nesta tarefa, mas Catarina recusava-se sempre a aceitar seus pedidos e conselhos. Sua irmã Boaventura, porém, usando de insistência fê-la consentir em algumas leviandades. Catarina logo se arrependeu disso como se tivesse cometido uma falta grave, pois entendia que, atendendo os rogos da irmã, havia demonstrado ter mais amor a ela do que a Deus. E para selar uma ruptura definitiva com tudo o que fosse deste mundo, cortou os cabelos, em sinal de que a partir de então serviria apenas ao Senhor.
Uma cela interior construída na alma
Como resposta à drástica atitude tomada pela jovem e visando fazê-la mudar de ideia, sua família a pôs para realizar os serviços da casa e não mais lhe permitiu se recolher em seu quarto para entregar-se à oração.
Ela aceitou a nova situação sem opor resistência, dedicando-se aos trabalhos domésticos com espírito abnegado e religioso desapego. Privada de um lugar físico para realizar suas práticas de piedade, edificou no fundo da alma, por inspiração divina, uma cela interior onde constantemente rezava e se unia à Santíssima Trindade.
Desde a primeira infância, via-se pairar sobre aquela menina um alto desígnio da Providência
“Oratorio della Camera” no Santuário-Casa de Santa Catarina, Siena (Itália)
Refugiada no seu tabernáculo interior, Catarina permanecia absorta nos mistérios divinos e seus olhos só buscavam a Deus. Em meio aos afazeres terrenos, conseguia manter o espírito preso nas alturas da contemplação e o amor às realidades sobrenaturais não fazia senão crescer.
Vitória sobre as resistências paternas
Após uma visão em que São Domingos de Gusmão lhe prometia o hábito de sua obra, a jovem armou-se de coragem e comunicou à família que estava chamada a pertencer à Ordem Terceira Dominicana. Diante de suas inspiradas palavras e movido pela ação da graça, seu pai se convenceu de estar ela guiada pelo Espírito Santo e não mais levantou obstáculos à vontade divina. Além do mais, deu ordem à família para deixá-la cumprir em paz sua vocação.
Vencidas as resistências paternas, Catarina dispôs-se a seguir o chamado divino. Após inúmeras recusas, por meio de uma insistência confiante e orações fervorosas, foi afinal recebida na Ordem dos Pregadores e revestida do hábito terciário dominicano.
Desejando servir radicalmente a Deus no seu novo modo de vida, propôs para si um regime de completo silêncio. Por três anos o manteve ininterruptamente, não falando nada mais do que seus pecados ao confessor. Durante esse tempo, sua alma permanecia absorta no convívio celestial, dialogando com a Trindade Santíssima e entrevendo misticamente os mistérios divinos.
Fenômenos místicos e intensos sofrimentos
Uma nova realidade havia se iniciado para Catarina: de um lado, Nosso Senhor a tornava confidente de sua sabedoria e amor; por outro, pedia-lhe participar nos sofrimentos de sua Paixão. Assim, inspirada por Ele, impôs-se inúmeras penitências: flagelava-se, utilizava o cilício e, a certa altura da vida, chegou a se alimentar somente da Eucaristia, à qual tinha grande devoção.
Sofreu também com inúmeras doenças. Mas, por um verdadeiro milagre, ainda que seu corpo estivesse extremamente enfermo e debilitado, nunca chegou a perder a vitalidade necessária para enfrentar com alegria qualquer dificuldade enviada pela Providência.
A vida de Catarina transcorria, assim, envolta em constantes fenômenos místicos, acompanhados de intensos sofrimentos. Sabe-se, por exemplo, que foi favorecida com os estigmas e que trocou sua vontade com a de Nosso Senhor Jesus Cristo. Esta insigne graça, aliás, deixou-lhe marcas físicas: depois que o Redentor lhe retirou o coração para colocar o d’Ele no lugar, ficou-lhe uma cicatriz gravada no peito.
Toda essa ação direta de Deus sobre a piedosa Catarina a aperfeiçoava e elevava-lhe o espírito. Sempre receptiva às luzes sobrenaturais com que Ele a beneficiava, instaurou-se nela, já nesta terra, um convívio com o sobrenatural penetrado de intimidade celeste.
No cadinho da provação
Em seus insondáveis desígnios, a Providência permitiu que Catarina sofresse também fortíssimas tentações. O combate contra elas tirava-lhe muito sangue de alma, como também do corpo, pois flagelava-se até derramá-lo a fim de afugentar os demônios. Enquanto eles a atormentavam, rezava e punha-se confiante nas mãos de Deus; jamais dialogava com o inimigo.
A certa altura de sua vida, mais uma angústia veio juntar-se às suas não pequenas tribulações: Nosso Senhor, que costumava visitá-la com tanta frequência, parecia tê-la abandonado.
Muito tempo passou nesses atrozes sofrimentos, até que um dia o Espírito Santo a iluminou e fê-la entender qual era a causa daquelas tentações. Renovou, então, o propósito de suportá-las com ânimo. Pouco tempo depois, durante uma visão de Nosso Senhor, o inimigo que tanto a incomodava retirou-se definitivamente.
Fecunda atuação apostólica e caritativa
Vencida a batalha, Nosso Senhor voltou a aparecer-lhe com assiduidade, chegando até mesmo a acompanhá-la nas orações.
Esses convívios místicos eram tão intensos e fecundos, que neles aprendeu a ler e escrever. Boa parte dos ensinamentos recebidos durante suas inefáveis conversas de amor com o Altíssimo estão transcritos no livro O Diálogo, cujas partes principais foram ditadas pela própria Santa durante os êxtases.
Deus queria enriquecer a alma de Catarina com múltiplas facetas, para que pudesse desempenhar seu apostolado junto a Papas, Cardeais, monges, reis ou simples comerciantes.
A fé viva e a profunda sabedoria da Santa, bem como seu modo caridoso e apostólico de se relacionar com o próximo, foram de incalculável valor para a defesa da Igreja na difícil conjuntura pela qual passava na época. Conservamse 381 cartas escritas por ela, nas quais se percebe o quanto Deus a usava como instrumento para beneficiar as mais variadas pessoas com seus conselhos.
Catarina realizou também inúmeras obras de caridade. Prestou serviços em hospitais e, durante a peste de 1374, dedicou-se ao auxílio dos contaminados, operando inúmeras curas. Secundada pelo dom do milagre, favoreceu sobretudo os enfermos de alma, convertendo com inspiradas palavras a muitos pecadores.
Uma coroa de rosas e outra de espinhos
A força da personalidade de Catarina, sublimada pela ação da graça, tornava-a cada vez mais cheia de zelo pelas coisas do Alto, sendo extraordinários os efeitos que o Divino Amor produzia nela. Por exemplo, foi também exorcista: com apenas um sinal da Cruz chegou a libertar uma alma vexada por ataques diabólicos. Seus santos gestos apavoravam os infernos e contribuíam para a salvação dos fiéis.
Numa visão, Nosso Senhor lhe ofereceu duas coroas: uma de rosas e outra de espinhos. Catarina, sem hesitar, escolheu a de espinhos, tomando-a como sinal da via de sofrimento do Calvário que Ele lhe traçava.
Essa vida de união com Deus atraiu muitos discípulos, que a acompanhavam nas viagens de apostolado e assistiam aos seus êxtases. Algumas pessoas malintencionadas, porém, reprovavam sua piedade e criticavam suas visões, considerando-as meros sonhos. Catarina, no entanto, tranquila em sua consciência, seguia fazendo o bem conforme as inspirações do Céu.
Luta em defesa da Igreja e do Papado
Todo esse apostolado, porém, parece ter sido apenas um prelúdio para a grande missão que lhe estava reservada na crise que assolava a Santa Igreja e causava grandes tribulações tanto na sociedade espiritual quanto na temporal.
Quatro décadas antes do nascimento de Catarina, tramas políticas haviam obrigado a transferir para fora de Roma a Cátedra de Pedro e, por quase setenta anos, diversos Pontífices governaram a Igreja desde a cidade francesa de Avignon. O último deles, Gregório XI, restabeleceu o Papado em Roma justamente por influência da Santa.
Para conquistar o retorno do Sumo Pontífice à Cidade Eterna, Catarina escreveu cartas a políticos e eclesiásticos, fazendo-lhes duras críticas pela situação em que se encontrava a Esposa de Cristo. Em certo momento, viajou pessoalmente a Avignon para comunicar a Gregório XI a vontade do Altíssimo, que consistia, em síntese, num plano de reforma da Igreja destinado a restabelecer a paz no seu seio. Para que isso fosse possível, era indispensável que o Papa voltasse a Roma.
Ao mesmo tempo, ela atuou infatigavelmente junto à sociedade temporal, buscando pacificar os conflitos que dividiam as cidades, embora isso lhe custasse sofrer injúrias e perseguições.
O retorno de Gregório XI à Cidade Eterna só se daria em 1377, após inúmeras lutas. No ano seguinte ele viria a falecer, dando origem a um novo período de turbulências para a História da Santa Igreja.
Para substituí-lo, um conturbado conclave elevou Urbano VI ao sólio pontifício, mas pouco tempo depois um grupo de Cardeais decretou inválida aquela eleição e escolheu como Sumo Pontífice a Roberto de Genebra que, sob o nome de Clemente VII, estabeleceu seu trono em Avignon.
Estava consumado o Grande Cisma do Ocidente. Ambições e interesses políticos dividiam a Igreja e procuravam manchá-la. Parte dos fiéis obedeciam a Roma; outros, a Avignon. Os católicos se sentiam inseguros em sua fé.
Catarina, porém, defendia com segurança a legitimidade do Papa Urbano VI e, enquanto procurava suavizar-lhe o temperamento intempestivo e colérico, alertava-o acerca da gravidade da situação que abalava a Igreja.
Previsão dos acontecimentos futuros
Não conseguindo impedir tamanho desastre e vendo a terrível situação da Esposa Mística de Cristo, Catarina ofereceu-se ao Senhor como vítima. Sua vida, marcada pelas boas obras e penitências, era assim entregue em holocausto. O abatimento e a fraqueza lhe dominaram aos poucos o corpo, embora o espírito se mostrasse sempre mais fortalecido.
Ela rezava continuamente pela Igreja, recomendando-a aos cuidados de Nossa Senhora, pois antevia que as adversidades pelas quais passava naquele momento não eram nada comparadas aos trágicos acontecimentos que haveria de atravessar no futuro.
Contudo, viu também profeticamente que, depois de enfrentar tantos males, a Santa Igreja seria glorificada e seus ministros renovados. Assim o relatou a seu confessor: “Findas todas estas tribulações e angústias, Deus purificará a Santa Igreja de um modo que os homens não podem compreender e despertará o espírito dos eleitos. Seguir-se-á logo um tão grande aperfeiçoamento na Igreja de Deus e uma tal renovação dos santos pastores, que só de pensar nisso meu espírito exulta no Senhor”.[2]
Uma mudança radical haveria de se dar nestes tempos vindouros: “Como já vos disse várias vezes, a Esposa hoje deformada e coberta de andrajos passará a ser belíssima. Estará ornada de preciosas gemas e coroada com o diadema de todas as virtudes. Todos os povos fiéis se rejubilarão por saber-se honrados com tais pastores, e os infiéis, atraídos pelo bom odor de Jesus Cristo, voltarão ao redil católico e se converterão ao verdadeiro Pastor e Bispo de suas almas. Rendei graças ao Senhor, porque depois desta tempestade outorgará à sua Igreja uma grande e bela calmaria”.[3]
A ela tudo deu, em plena união de amor
Catarina, através de seu apostolado, das suas célebres admoestações dirigidas às autoridades eclesiásticas e civis e, sobretudo, pela oferta de seus inúmeros sofrimentos, trabalhou para reconduzir as ovelhas de Cristo a um só rebanho sob a égide de um só pastor.
Esta foi a luta sem trégua que travou durante toda a vida e que se tornou mais renhida com o passar do tempo. Catarina ansiava pelo dia em que a Esposa Mística de Cristo fosse “coroada com o diadema de todas as virtudes” e no qual o Reino de Deus se estenderia pela terra inteira.
No dia 29 de abril de 1380, aos trinta e três anos, Catarina deixou esta vida: Nosso Senhor a chamava para conceder-lhe, por fim, a plenitude da união de amor da qual antegozara na terra.
Seu corpo foi sepultado na Basílica de Santa Maria sopra Minerva, em Roma, sob cujo altar-mor repousam hoje seus restos mortais. Pio II a canonizou em 1461 e Paulo VI concedeu-lhe o título de Doutora da Igreja. Foi declarada também padroeira da Itália e da Europa.
O Espírito Santo atuou de forma tão extraordinária, fecunda e direta sobre a alma de Santa Catarina de Sena que impossível seria mencionar neste artigo todos os aspectos dessa ação divina. Mas, mesmo tendo nos restringindo a tratar apenas de alguns deles, é o suficiente para sublinhar o traço mais marcante de sua gloriosa vocação: o especialíssimo laço de amor que a unia com o Altíssimo e que a fez viver nesta terra como se já estivesse no Céu!
Notas
[1] A autora é membro dos Arautos do Evangelho, bacharela em Direito pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo e está inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil na Seção São Paulo.
[2] BEATO RAIMUNDO DE CÁPUA. Santa Catalina de Siena. Barcelona: La Hormiga de Oro, 1993, p.281.
[3] Idem, ibidem.
Nossa alma tem sede de Deus e procura o Deus vivo! Quem diz que a ascese e a mística são vias distintas, incompatíveis entre si, tem o dever de aprofundar no conhecimento no assunto dito, que a Santa Igreja pensa e ensina. Modelos de santidade na vida mística indicadas pela Igreja Una Santa Católica, são inúmeras como Santa Catarina de Siena, Santa Teresa de Ávila, Ana Catarina Emerick, Santa Elizabeth da Trindade, Santa Terezinha do Menino Jesus e tantas outras ….
Parabéns à Escritora de anunciar as maravilhas da vida mística de Santa Catarina de Siena que equivale como um compêndio vivo de vida espiritual…..