Desde a mais tenra infância, a seráfica alma de Rosa recebeu uma alta missão, de teor profundo, amplo e incomum: sofrer o martírio da fidelidade, combatendo a onda de ganância e insubmissão que parecia dominar a Europa.
A caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é orgulhosa. Não é arrogante. Nem escandalosa. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (I Cor 13, 4-8).
Eis um trecho da Sagrada Escritura que bem resume a vida de Rosa de Viterbo. Simples camponesa italiana, deparou-se com toda espécie de perseguições, sofrimentos e adversidades, e soube proclamar aos séculos futuros que nada é impossível a uma alma verdadeiramente amante de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Nascida em plena guerra!
A cidade onde Rosa nasceu havia se tornado no século XIII palco de uma violenta disputa. A Santa Igreja, além de assolada pela heresia cátara, era então perseguida e desafiada por Frederico II, imperador alemão que pretendia anexar a Itália a seus domínios, não hesitando, para isso, em apossar-se inclusive dos territórios pontifícios, aos quais pertencia também Viterbo.
A Península Itálica dividira-se em dois partidos: os sequazes do imperador, chamados gibelinos, e os defensores do Santo Padre, denominados guelfos. Estes últimos eram muito numerosos e fortes na cidade, o que levou o Papa Gregório IX, expulso de Roma pelos revoltosos, a se refugiar no Palácio Pontifício que lá havia. Assim, quando Santa Rosa veio à luz, em 1235, pôde constatar de perto o caos de sua época e a fúria dos inimigos contra a Igreja.
Em 1240, Viterbo caiu nas mãos dos oficiais do imperador, que tiranizaram a população. O povo e os nobres guelfos foram obrigados a trabalhar na construção de uma fortaleza, transportando pedras e madeiras, numa rotina extenuante.
Ademais, o ímpio soberano ordenara que fossem presos todos os suspeitos de terem se alçado em armas contra ele, tomando o partido do Papa. Suas frontes eram marcadas pelos algozes com ferros incandescentes e encerravam-nos em calabouços infectos, junto com cadáveres, ou, às vezes, queimavam-nos vivos. Os habitantes de Viterbo temiam encontrar a morte a qualquer momento, pela miséria, pela fome ou pelo abandono naquelas terríveis masmorras que eles mesmos eram obrigados a construir…
Neste conturbado período histórico viveu a pequena Rosa. Por esta razão, já nos primeiros albores de sua existência, compreendeu ela a santidade da Igreja e a torpeza de seus perseguidores. Face a esse duplo panorama, em sua alma pueril harmonizaram-se dois extremos: um forte amor ao bem, e um intenso ódio ao mal.
Infância pervadida de milagres
Desde tenra idade, Rosa dava autênticas mostras de virtude e o perfume de sua santidade atraía a atenção de seus familiares e próximos. Antes mesmo de ter aprendido a caminhar, acompanhava sua mãe às Missas e demais atos de piedade na Paróquia Santa Maria in Poggio, comportando-se com um singular recolhimento.
Alegrava-se ao ouvir os fatos da vida de Santa Clara, que desde 1212 vivia reclusa em Assis com algumas outras jovens que a seguiam em sua via de radical consagração a Cristo. Encantou-a especialmente a narração da miraculosa derrota infligida por esta santa fundadora aos sarracenos que queriam tomar posse de seu convento!
Conta-se que, certo dia, surpreenderam a menina em seu quarto cercada de passarinhos que esvoaçavam contentes ao seu redor, deixando-se apanhar e acariciar, sem dúvida atraídos por sua grande inocência…
Narra também um dos seus biógrafos que, tendo Rosa ainda três anos de idade, faleceu uma irmã de seu pai. Ao saber da notícia, a santa menina aproximou-se do caixão, ajoelhou-se, elevou a mãos e fez uma oração a Nosso Senhor Jesus Cristo. Impondo, então, as mãozinhas sobre o cadáver e chamando com suavidade pela tia, restituiu-lhe a vida miraculosamente, deixando estupefatos os presentes.1
Primeiros contatos com a sociedade
A exemplo do Divino Infante, a cada dia Rosa crescia em sabedoria e em graça, diante de Deus e dos homens (cf. Lc 2, 52). Por isso, no convívio com seus concidadãos, Rosa analisava as conversas com profundidade.
A aflição reinante entre todos levava aquele pequeno serafim a meditar longamente sobre como poderia demonstrar a Nosso Senhor Jesus Cristo seu amor, expiar os pecados que eram cometidos contra Ele, e combater aqueles que ultrajavam a Igreja. Ora, não descobrindo logo os meios necessários para isso, começou a socorrer os enfermos que encontrava e dar-lhes alimento.
Sobre este zeloso apostolado, comenta outro dos seus biógrafos: “Afirmava-se que Deus escutava sempre suas súplicas. Alguns enfermos garantiam que ela os havia curado. ‘Devo-lhe a vida!’, dizia sua tia. ‘Sem suas orações não teria este outro filho, e eu mesma tampouco existiria’, declarava sua mãe. ‘Enternecida por minhas lágrimas e por meu medo de ser repreendida’, contava uma companheira da Santa, ‘Rosa reconstituiu meu cântaro, quebrado quando voltava da fonte’. Foi-se formando, assim, uma lenda dourada a respeito de Rosa, por causa das pessoas que se recomendavam à sua intercessão e que sua bondade infalível beneficiava”.2
Todos esses prodígios não podiam provir senão de uma profunda vida de piedade, e isso Rosa possuía autenticamente. Em seu quarto, “uma estreita habitação que recebia luz por uma pequena abertura gradeada, localizada no alto da espessa parede, como em um calabouço”,3 ela passava longas horas, rezando de joelhos sobre o solo irregular, absorta em contemplação; ali praticava duras e austeras penitências; ali recebia incontáveis comunicações místicas e visões sobrenaturais, as quais já lhe haviam se tornado comuns. Muitas pessoas costumavam espiá-la, para se edificarem com o espetáculo de seu fervor!
Rosa sentia-se, na verdade, chamada à vida monacal. Entretanto, como aconteceria com Santa Teresinha do Menino Jesus, não podia ingressar num convento devido à sua pouca idade… Por isso, em compensação, ela se empenhava para imitar em casa a vida das religiosas.
Maria Santíssima confia-lhe uma missão!
Aos oito anos de idade, Rosa caiu gravemente enferma. A febre prostrou-a durante quinze dolorosos meses. Por causa da doença, tornou-se “uma pobre menina pálida, largada num canto de seu quarto, sobre um colchão de palhas”.4
Entretanto, “não se queixava nunca, e quando era acometida por uma crise de tosse, sussurrava suavemente: ‘Obrigada, meu Senhor!’”5 Como um pequeno cordeiro, deixava-se imolar pelas sábias mãos de Deus e alegrava-se em consolar Jesus com suas dores. Ora, em sua generosidade, julgava insuficientes os sofrimentos que padecia e, impedida de fazer mais penitências, rogava com insistência ao Divino Redentor: “Doce Senhor meu, fazei-me sofrer por Vós, ou então chamai-me ao vosso lado!”6
De fato, Deus a chamou, não para o Céu, mas para combater o imperador apóstata que, como os antigos césares romanos, pretendia fazer-se dono do mundo inteiro.
Estando, certo dia, cercada de alguns vizinhos e conhecidos, de olhos fechados e já quase desfeita pela enfermidade, a angélica menina subitamente esboçou um ligeiro sorriso… Abriu bem os olhos, reluzentes, e pôs-se de pé. Estava num êxtase!
Após conversar com alguns Bem-aventurados, ordenou aos circunstantes: “Ponham-se de joelhos! Saudai a Rainha que chega rodeada de Anjos e Santos!”7 Então, como alguém que repete palavra por palavra um texto ditado por outro, começou a repetir o que a Santíssima Virgem lhe dizia: “Minha filha, deves vestir o hábito de penitência e pregar contra os inimigos da Fé! Não temas! Serão benditos, nesta vida e na outra, todos aqueles que te escutarem, e os que fecharem os ouvidos serão castigados!”8
Nossa Senhora confirmava, assim, todos os anseios que a graça semeara em sua alma desde a mais tenra infância, e confiava-lhe uma alta missão, de teor profundo, amplo e incomum: sofrer o martírio da fidelidade, com resolução firme e categórica, combatendo a onda de ganância e insubmissão que parecia dominar a Europa.
Inicia-se a sua pregação
Após o milagre, a santa jovem começou a executar sem hesitação as ordens celestes: cortou os cabelos, vestiu uma pobre e grosseira túnica de penitência, e partiu em peregrinação à Igreja de São João Batista, pois era 24 de junho, dia em que se comemora seu nascimento. Atrás dela se juntaram numerosos fiéis que, sabendo de sua cura milagrosa e da aparição de Nossa Senhora, desejavam contemplar de perto sua santidade.
A partir de então, Rosa passou a dedicar-se exclusivamente à pregação: percorria as ruas da cidade, tendo sempre nas mãos um crucifixo, falando às multidões e inflamando-as de amor ao Crucificado e de arrependimento por seus pecados. Seu zelo pela causa da Igreja, sua paixão pelo Divino Redentor e seu desejo de que cessassem de ofendê-Lo tornavam-na santamente obstinada pela conversão das almas, e faziam com que pregasse em tempo oportuno e inoportuno, sem cuidar de si mesma, com paciência inesgotável e admirável sabedoria.
Muitas vezes, era tão grande o número dos que vinham ouvir suas exortações e tão pequena sua estatura de menina, que era obrigada a subir em pedras a fim de ser vista por todos… Ao contato com sua alma de luz, animavam-se os fracos, reconduziam-se os perdidos, santificavam-se os bons.
Incompatível com o erro
Dotada de um arrojado e inflexível gênio face ao mal, Santa Rosa com frequência travava acirradas discussões com certos gibelinos que ousavam proferir injúrias contra o Papa e contra a Igreja. Certo dia, após insultá-la, um deles golpeou-a brutalmente. Ela, porém, longe de se exaltar, apenas disse com serenidade: “Infeliz… Dentro de três dias você será golpeado!” De fato, três dias depois o infiel descobriu-se leproso e tornou-se objeto de horror para seus concidadãos.9
A presença desta virtuosa jovenzinha naquela cidade causava verdadeira exasperação aos inimigos da Fé, pois ela convertia grande número de seus adeptos, estragava constantemente os seus planos e acendia o entusiasmo no exército dos defensores do Papado. Impulsiva, audaz e impetuosa, Rosa desmentia as mais vibrantes invectivas e increpava os infiéis. Tão nova e frágil, ela transformou-se, por sua fidelidade cristalina, no flagelo dos cátaros e ruína dos gibelinos.
O ódio dos maus contra Rosa, porém, atingiu seu auge quando ela começou a profetizar a morte próxima de Frederico II: “Escutai bem! Dentro de poucos dias exultareis de alegria, pois obtereis uma grande vitória! Hoje à noite, um Anjo anunciou-me a morte próxima do imperador!”10 Tomados de furor, os chefes e governadores gibelinos decidiram desterrá-la, uma vez que matá-la causaria uma incontenível rebelião.
Sem saída, a seráfica virgem, acompanhada de seus pais, João e Catarina, viu-se obrigada a partir sem rumo para longe de seu povoado, à noite, em pleno e rigoroso inverno europeu. Refugiaram-se na cidadela de Soriano, onde os guelfos estavam no poder.
Algum tempo depois, anunciaram publicamente a morte de Frederico II, ocorrida no dia 13 de dezembro de 1250. Com isso, após dezoito meses de desterro, Rosa pôde voltar à sua terra natal, onde contemplou por fim os frutos imediatos de seu apostolado e esforço: o Papa Inocêncio IV recuperara uma a uma as cidades pontifícias e se dirigira a Viterbo, onde mandara demolir a fortaleza gibelina e sujeitar os revoltosos.
Últimos anos vividos em recolhimento
Tendo cumprido com o encargo que lhe confiara a Virgem Santíssima, e desejando lançar-se no esquecimento, Rosa pediu para ser recebida no mosteiro das clarissas de São Damião, mas a superiora a rejeitou, dando diversos pretextos. Na realidade, ela a considerava “uma perigosa visionária, capaz de perturbar a paz da comunidade com suas loucuras”.11
A santa jovem não insistiu, mas anunciou: “Não me recebeis agora, mas chegará o dia em que me aceitareis entre vós de muito bom grado!”12 E resignou-se a passar o resto de seus dias recolhida em sua própria casa.
Em pouco tempo, uniram-se a ela algumas jovens amigas que, instruídas por seus sábios ensinamentos, dedicaram também suas vidas ao serviço de Deus. Deste modo, Rosa reuniu um número considerável de seguidoras e fundou uma próspera comunidade feminina que se regia pela regra da Ordem Terceira de São Francisco. Entretanto, as freiras de São Damião logo obtiveram uma bula do Papa Inocêncio IV impedindo o estabelecimento de qualquer comunidade de religiosas ou religiosos a menos de duas milhas de distância de seu convento. As discípulas de Santa Rosa foram obrigadas a se dispersar.13
Aquelas que deveriam tê-la apoiado, desprezavam-na como uma desequilibrada e procuravam afastá-la para longe; ela, porém, sem sombra de ressentimento ou mágoa, consolava-se ao recordar que tais rejeições e padecimentos morais também sofrera, em grau supereminente, seu amado Jesus.
Serena entrada na eternidade
O pequeno Anjo de Viterbo, após passar vários meses reclusa em sua casa, apanhou uma derradeira enfermidade, por meio da qual Deus a chamaria ao Céu. De saúde sempre frágil, Rosa não demorou a entrar em agonia. Confessou-se, recebeu o Viático com admirável piedade e pouco depois expirou serenamente, pronunciando os sagrados nomes de Jesus e Maria.
Os viterbenses choraram-na copiosamente e de imediato começaram a recorrer à intercessão dela, como a uma Santa. Os Bem-aventurados, por sua vez, receberam com alegria a alma daquela que, nesta terra, não fez senão proclamar com suas obras as suaves palavras do salmista: “Para mim, o que há no Céu fora de Vós? Se estou convosco, nada mais me atrai na terra. Meu coração e minha carne podem desfalecer, pois Vós sois a rocha de meu coração e minha herança eterna. Perecem todos aqueles que de Vós se apartam, e destruís os que procuram a satisfação no pecado. Mas, para mim, a felicidade é aproximar-me de Vós e pôr em Vós minha confiança, narrar as vossas maravilhas junto as portas de Sião!” (cf. Sl 72, 25-28).
Dezoito meses depois do falecimento de Rosa, seu corpo, que havia sido sepultado no cemitério paroquial de Santa Maria in Poggio foi exumado e achado incorrupto. Sete anos depois, em 4 de setembro de 1258, o Papa Alexandre IV transladou-o solenemente para o Convento de São Damião, o mesmo que outrora a rejeitara. ◊