“Ele será um dia o defensor, o sustentáculo, o ornamento da Igreja; será reformador do mundo. Por ele, a luz do Evangelho será levada às mais longínquas nações” (testemunho do primeiro confessor de Santo Inácio).

 

O jovem Inácio preferia os riscos da guerra a uma vida ociosa da corte (Vitral do Santuário de Loyola, Espanha)

Muito já se escreveu sobre as vaidades do jovem Inácio de Lo­yola, anteriores à sua conversão. Me­nos apregoadas e de maior utilidade para nossos dias são as maravilhas que Deus operou nele e por ele.

Nascido em 1491, época em que as grandes navegações alargavam as fronteiras do mundo, o espírito irrequieto e turbulento de Inácio preferia os ris­cos da guerra a uma vida ociosa na corte.

Em combate na defesa de Pamplo­na, teve uma perna fraturada por um projétil. Submeteu-se a penoso tratamento, findo o qual notou que a perna fi­ca­ra deformada. Ordenou, então, aos mé­dicos que a quebrassem e consertas­sem. Não lhe sendo satisfatório o resultado dessa cirurgia, mandou fazer outra, pois não queria aparecer manco ante as don­zelas da corte.

Essa têmpera de caráter e força de vontade, seu espírito insaciável de gran­dezas, tudo deve ser visto na perspectiva da grandiosa missão que a Pro­vi­dên­cia lhe reservara de Fundador da Com­panhia de Jesus.

No período de convalescença, ocu­pou-se em ler os dois únicos livros exis­tentes no castelo: a Vida de Cristo e a Vida dos Santos. Tocado pela graça divina, ele perguntou-se: “Por que não fa­ço eu o que fizeram São Francisco e São Domingos? Se eles realizaram tão gran­des feitos, por que não posso realizá-los também?”

Não formemos, pois, um juízo sobre Inácio, no seu ponto de partida, pois o que mais importa é a segunda fase de sua vida, sobretudo, o final de sua carreira.

Mudança de vida

Uma vez recuperado, o jovem guerreiro estava decidido a penitenciar-se de seus pecados, pôr-se ao serviço de Deus e fazer por Ele grandes coisas, seguindo os exemplos dos Santos.

Uma noite, ele se prostrou diante de uma imagem da Virgem Maria e ofereceu-se a Jesus como seu fiel soldado. Ao concluir esta “consagração”, ouviu-se um grande estrondo no interior do cas­telo de Loyola, o qual foi abalado até os fundamentos. O quarto de Inácio foi mais violentamente atingido. Em suas altas paredes, produziu-se uma larga ra­chadura, existente até hoje. Era o de­mô­nio a manifestar sua fúria, na previsão dos terríveis golpes que sua malfazeja obra receberia da Companhia de Jesus.

O Capitão de Loyola estava com a mente povoada de exemplos lidos nas vidas de Cristo, de São Francisco, São Domingos, São Bruno e São Bento. Seu único anelo era, doravante, fazer por Deus grandes coisas. Ante esta manifestação extraordinária do espírito das trevas, ele tomou a resolução definitiva: “O que os santos fizeram, eu pro­me­to, com a graça de Deus, fazê-lo também”. Não são mais as proezas da ca­valaria profana que o atraem, mas esta santa emulação com os santos, no anseio de realizar grandes feitos “para a máxima glória de Deus”.

Naquela noite, apareceu-lhe a Santa Virgem com o Menino Jesus, duran­te um notável espaço de tempo. Após essa visão, ele sentiu que todas as imagens de sua vida passada lhe foram apaga­das da alma. Desde então, jamais consentiu em qualquer tentação contra a virtude da pureza.

Iniciando sua nova vida, partiu em peregrinação para o Santuário de Nossa Senhora de Montserrat, onde fez uma confissão geral, após a qual trocou suas preciosas vestes pelas de um mendigo e depositou sua espada no altar de Nos­sa Senhora. A partir de então, só se ocu­paria do serviço de Deus.

Comunicações divinas

O próprio Divino Redentor se ocu­pou, por vias extraordinárias, de sua formação religiosa.

Certo dia, Santo Inácio estava na es­cadaria da igreja dos Dominicanos e re­citava o ofício da Santíssima Virgem. De repente, o seu espírito foi arrebatado até ao seio de Deus, e lhe foi dado com­preender o incompreensível mistério de um Deus único em três pessoas distintas. Ao sair da igreja, falou aos religio­sos sobre este mistério numa lingua­gem sublime. Ninguém duvidava de que ele havia recebido luzes sobrenaturais. “Ja­mais algum doutor da Igreja falou tão elo­qüentemente e com tanta clareza sobre es­te mistério!” — exclamavam admirados.

Durante um êxtase, Deus lhe infun­diu um tal conhecimento das Sagradas Escrituras que, mesmo se elas desapa­recessem, ele não hesitaria em sustentá-las à custa do seu sangue!

Voltando a si de outro êxtase — que durou oito dias, durante os quais não tomou alimento algum nem mudou de posição — exclamava embevecido: “Oh Jesus! Oh Jesus!” A quem lhe perguntava sobre este colóquio com Deus, li­mitava-se a responder: “É inexprimí­vel!” Seus biógrafos são de opinião que nesse êxtase Deus revelou ao Santo os Exercícios Espirituais e o plano da Com­panhia de Jesus.

Com a sua conversão, a têmpera de caráter e a força de vontade do Capitão de Loyola foram postas ao serviço de Deus (Vitral do Santuário de Loyola, Espanha)

Nasce a Companhia de Jesus

Santo Inácio partiu para Roma, on­de passou a Semana Santa visitando as igrejas da Cidade Eterna e recebeu a bênção do Soberano Pontífice, Adria­no VI. Ele sabia que Deus o destinava à fundação de uma Companhia de Após­tolos. Para isto, queria recrutar discí­pu­los entre estudantes jovens e de valor. Pôs-se, então, a estudar as ciências humanas, passando pelas Universidades de Barcelona, Alcalá, Salamanca e Pa­ris.

Em breve, o Santo reuniu em torno de si um grupo de escol: Pedro Fabro, Francisco Xavier, Diogo Laynes, Afon­so Salmerón, Simão Rodrigues e Nicolau Bobadilha. Feitos os Exercícios Espirituais, todos mostraram-se dispostos a sacrificar tudo pela máxima glória de Deus. A 15 de agosto de 1534, pronunciaram os votos religiosos na igreja de Montmartre. Após esse solene ato, os novos apóstolos sentiam-se tão felizes que não mais podiam separar-se. Cons­tituía-se assim o primeiro esboço da Companhia de Jesus.

A 8 de janeiro de 1537, Santo Inácio achava-se em Veneza, com seus discí­pu­los, de onde os enviou a Roma. Pedro Ortiz, ex-professor em Paris, era embai­xador do Imperador Carlos V junto ao Papa. Sabendo que os jovens professores da Universidade de Paris vinham pedir a bênção apostólica ao Soberano Pontífice, encarregou-se de lhes obter a audiência, elogiando suas virtudes e ciência pouco comuns. O Papa logo quis vê-los durante o jantar, ocasião em que foram convidados a tomar parte numa discussão.

Eles trataram com tão grande ciência e talento as questões propostas, e apre­sentaram os argumentos com tanta humildade, que Paulo III, não podendo conter sua admiração, abraçou-os di­zen­do: “Alegro-me de ver unida a tanta ciên­cia tamanha modéstia”. Em seguida aben­çoou-os e deu aos que ainda não eram sacerdotes autorização para recebe­rem as sagradas Ordens.

Atividade apostólica baseada na santidade de vida

Decidiram, a partir daí, fazer aposto­lado nas cidades onde as universidades atraíam os jovens. Francisco Xavier e Bobadilha foram para Bolonha, Simão Rodrigues e Lejay para Ferrara, Broet e Salmerón para Siena, Codure e Hoces para Pádua. Santo Inácio dirigiu-se a Roma com Fabro e Laynez.

Pedro Ortiz obteve para Santo Inácio uma audiência com o Sumo Pontífice, que acolheu com alegria a proposta dos novos apóstolos, cujo zelo e ciência já haviam adquirido tanta repu­tação. O Pa­pa quis lançá-los em atividade sem de­mo­ra. Ao Pe. Laynez confiou a ca­dei­ra de Escolástica no Colégio Sapiência, e ao Pe. Fabro a de Escritura Sagrada. Quanto ao Pe. Inácio, encarregou-o do minis­té­rio apostólico em Roma, cujos costu­mes tinham grande necessidade de reforma.

Santo Inácio pregava os Exercícios Espirituais em público, obtendo em pou­co tempo uma reforma geral dos costumes. Os novos apóstolos eram estima­dos e procurados por grandes e peque­nos, graças à unção de sua palavra e san­tidade de suas vidas.

Virtudes próprias de Fundador e Superior Geral

Na quaresma de 1538, Santo Inácio convocou seus filhos a Roma para a ere­ção definitiva da Companhia em Ordem Religiosa. Todos se apressaram a obedecer-lhe.

Paulo III recebe as Constituicoes, Vitral do Santuario de Loyola, Espanha

Apresentada a Paulo III as Constitui­ções, o Papa as acolheu com estas pa­la­vras: “O dedo de Deus está aí”. A nova Or­dem foi erigida por uma bula de 27 de setembro de 1540. Em 19 de abril de 1541, Santo Inácio foi aclamado Superior Geral da Companhia. Ele tudo vigia­va e orientava. Estava ao corrente de tu­do o que interessava a cada uma das ca­sas da Ordem. Informava-se até dos pro­gressos dos alunos de todos os colégios da Companhia. Os professo­res presta­vam-lhe contas todas as sema­nas. Os tra­balhos dos alunos eram vistos por ele. Lia tudo e fazia examinar esses escri­tos por outros.

Dirigia a casa de Roma, correspondia-se com os superiores das casas espalhadas pelo mundo, ocupava-se dos colégios, tratava os negócios da Igreja com o Papa e os Cardeais, mantinha cor­respondência com os soberanos da Europa, dirigia novas fundações, tudo isso sem interromper suas obras de mise­ricórdia na Cidade Eterna, de que sem­pre dava exemplo aos seus discípulos. Pergunta-se, com razão, se isso é possí­vel sem milagre. Deus multiplicava os prodígios em favor do Santo, para o desenvolvimento da Companhia.

Em Santo Inácio, conjugavam-se a flexibilidade com a firmeza, a sensibilidade com a disciplina, o arrojo com a prudência; a humildade não se opunha ao destemor na defesa da Santa Igreja; o despojamento de si mesmo era irmão do amor ao próximo. Todos estes apa­ren­tes antagonismos brilhavam na vida do Fundador. Requisitos, aliás, indispensá­veis a uma instituição jovem que se desenvolvia com grande pujança em opo­sição à onda libertária que tudo procurava arrastar em sentido contrário.

Um seu discípulo narra que qualquer pessoa triste ou angustiada, ao aproximar-se dele, logo recobrava a paz de es­pírito e a verdadeira alegria. Sabia quan­do algum discípulo seu estava passando por dificuldade ou provação, e o confortava. Tinha o discernimento cer­tei­ro para a seleção dos candidatos a membros da Companhia. Era inflexível quan­to à disciplina. Num dia de Pentecos­tes, chegou a expulsar doze noviços.

Mas estava longe de ser uma pessoa impulsiva. Pelo contrário, tinha tudo me­dido, pesado e contado. Às vezes adiava a execução de uma penalidade, pon­derando: “Convém dormir sobre o caso”. Outras vezes dizia: “É preciso acomo­dar-nos aos negócios que não podem acomodar-se a nós; é necessário sabermos entrar pela porta de certas pessoas, a fim de as fazer sair pela nossa”.

Método pessoal de cativar e conduzir as almas

Um noviço japonês, enviado a Roma por São Francisco Xavier, era tratado com extrema indulgência por Santo Iná­cio. Deu-lhe os encargos mais suaves, recomendando-lhe que o avisasse quan­do estivesse muito fatigado.

A um noviço italiano, de olhar mui­to vivo e aberto, o Santo disse: “Irmão Do­menico, por que não procura fazer ler nos seus olhos a modéstia com que Deus aprou­ve adornar-lhe a alma?” Com estas poucas palavras, Domenico se corrigiu.

Às vezes o Santo era de uma severidade espantosa com alguns Padres ve­teranos, que ele estimava de todo o co­ração, querendo aperfeiçoá-los ainda mais pelo exercício da humildade.

Certo dia encontrou-se, no corredor do Colégio, com um jovem sorridente e alegre. O Santo perguntou-lhe:

— Por que andas sempre sorrindo?

— Sou feliz por estar em vossa Com­panhia! — respondeu ele.

— Continua sempre assim, pois a tris­teza não cabe no serviço de Deus — disse o Santo, após abençoá-lo.

Tal jeito inaciano de cativar e atrair as gentes para a Igreja de Cristo era um eficaz instrumento de que se servia a graça divina para reaquecer no amor de Deus as almas que a heresia protestante havia esfriado na Fé.

É talvez por isso que, apenas com 16 anos de fundação, a Companhia de Jesus contava já com mais de 1000 membros, ocupando 100 casas, em 10 pro­víncias.

O Padre Gonçalves da Câmara di­zia: “Nesses tempos em que todos são obri­ga­dos a restringir-se, é um milagre da Pro­vi­dência a existência das nossas ca­sas vivendo unicamente da caridade”.

Pronunciou pela última vez o santo Nome de Jesus e voou para Deus

Chegou o ano de 1556. O grande com­batente havia travado nesta terra, com argúcia e energia admiráveis, a gloriosa luta em defesa da Fé. Na Europa, seus filhos espirituais reconquistavam para a Igreja milhões de almas desgarradas pela heresia. Nos outros continentes, os missionários jesuítas, sem­pre infatigáveis e insaciáveis de almas a salvar, levavam a luz da Fé a mi­lhões de infelizes pagãos. Sua obra estava consolidada, Deus resolveu cha­má-lo a Si, para dar-lhe a “recompensa demasiadamente grande”.

Morte de Santo Inácio (Casa Generalícia, Roma)

No dia 30 de julho, Santo Inácio cha­mou o Padre Polanco e lhe disse:

— Chegou o momento de mandar di­zer a Sua Santidade que estou pres­tes a morrer, e lhe peço humildemente sua bênção, para mim e para um dos nossos Padres, que não tardará a falecer também. Diga ainda a Sua Santidade que, depois de ter orado muito por ele neste mundo, continuarei a fazê-lo no Céu, se lá a divina Bondade se dignar receber-me.

— Os médicos não vos julgam tão mal como pensa… Posso adiar a incum­bência para amanhã? — perguntou o Pe. Polanco.

— Faça como quiser, abandono-me à sua vontade — respondeu o Santo.

No dia 31, após receber a bênção apostólica, Santo Inácio pronunciou pe­la última vez o santo Nome de Jesus e sua alma voou para Deus. Foi canoni­zado em 12 de março de 1622. A bula de canonização menciona duzentos mi­lagres operados por sua intercessão.

Eis o perfil de um Santo que poderia ter cantado, no ponto terminal de sua carreira, estas palavras do Magnificat: “O senhor fez em mim maravilhas, Santo é o seu nome…”

Este é Santo Inácio de Loyola!

 

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