Através de seus monges, São Bento converteu um continente e lançou as raízes de uma nova civilização. O estilo de vida por ele plasmado é, ainda hoje, uma luz para o nosso conturbado mundo.
A o recordarmos os primeiros tempos da evangelização da Europa, vêm-nos de imediato à mente a figura do grande Patriarca do Monaquismo Ocidental, São Bento de Núrsia, e seus monges. Em meio ao silêncio, à disciplina e ao trabalho, à oração, ao estudo e ao cerimonial litúrgico, a Ordem Beneditina “exerceu uma influência enorme sobre a expansão do Cristianismo em todo o continente”[1] e marcou mil e quinhentos anos de História.
Contudo, nos momentos iniciais de sua missão, provavelmente nem o próprio São Bento tinha claro o enorme chamado que a Providência lhe reservara de forjar um novo tipo humano, suscitado por Deus para renovar a sociedade de sua época.
Da fidelidade de um jovem, nasce uma nova civilização
O jovem Bento, nascido por volta do ano 480, foi enviado pela família à Cidade Eterna para realizar seus estudos. Sua alma cristã, porém, não podia suportar a sociedade romana decadente, convulsionada pelas invasões bárbaras e, sobretudo, pela degradação dos costumes. Sentindo o choque de sua integridade com o ambiente que o cercava, retirou-se para a solidão do Monte Subiaco, a fim de ali viver como eremita. Quem imaginaria que o futuro da Europa cristã estava por germinar numa gruta ignota, oculta aos olhos dos homens…
Em 529 ele passou de Subiaco para Monte Cassino, iniciando com alguns discípulos uma experiência de vida comunitária, sob sua direção. A regra ensinada pelo santo fundador aos monges visava, em sua essência, “constituir uma escola de serviço do Senhor”.[2]
Em sua ação evangelizadora, os beneditinos – como passaram a ser chamados seus filhos espirituais – se espalharam por toda a Europa, fundando mosteiros que marcaram com o sinal da Fé a origem de diversas nações, como a Inglaterra, a Alemanha, a Áustria e a Suécia. E fizeram-no servindo-se apenas de sua influência religiosa. Através dos cânticos, do zelo pelo esplendor litúrgico, do exímio modo de cultivar a terra e da caridade para com os pobres marcaram o ambiente com o “ora et labora” e o bom odor de suas virtudes.
Lentamente a voz de São Bento se espalhou por toda aquela terra (cf. Sl 18, 5), e ele se tornou o pai de uma civilização nascida da contemplação, do amor a Deus, da escuta da Palavra, em suma, do “sim” generoso de um jovem a seu grande chamado.
Caminho seguro para Deus e para o progresso
Com o surgimento de Cluny, os mosteiros beneditinos constituíram uma espécie de confederação de abadias que permitiu irradiar mais longe e com maior penetração a mística e o ideal de vida da Ordem. Impulsada por eles, a Idade Média produziu seus mais sazonados frutos em matéria espiritual, cultural e artística.
Cluny marcou presença entre os homens de sua época devido “ao seu ‘decoro’ (decor) e ao seu ‘esplendor’ (nitor) […], que se admiram sobretudo na beleza da Liturgia, caminho privilegiado para alcançar Deus”.[3]
Ao proclamar São Bento como “Patrono principal de toda a Europa”,[4] Paulo VI reconheceu as maravilhas desta obra, realizada pelo Santo e seus monges para a formação da civilização e cultura europeias. Mas não só: com esse gesto, o Pontífice indicou ao mundo moderno um caminho seguro em meio às transformações culturais e religiosas que vem sofrendo.
No mesmo sentido, Bento XVI alertou que, para superar os problemas que em nossos dias afligem a Europa – e, mutatis mutandis, o mundo todo – não bastam as medidas políticas, econômicas e sociais. Faz-se necessário, sobretudo, “suscitar uma renovação ética e espiritual que se inspire nas raízes cristãs do continente. […] Procurando o verdadeiro progresso, ouvimos também hoje a Regra de São Bento como uma luz para o nosso caminho”.[5]
Expansão dos frutos da Redenção
A Santa Igreja deita seu máximo empenho em promover a salvação das almas. Entretanto, como corolário dessa primordial missão, ela procura favorecer toda forma de bem, de beleza e de dignidade na existência dos homens, a fim de glorificar a Deus e facilitar a prática da virtude.
Algo análogo se passou com São Bento, o qual “no final da Idade Antiga criou um estilo de vida que levou o Cristianismo a superar o tempo da invasão bárbara”.[6] Sua elevada virtude atuou como salutar “fermento espiritual”, o qual propiciou que dos escombros do Império Romano nascesse a Europa cristã.
O “fenômeno São Bento” mostra que, a partir da vida eclesial, monástica e religiosa, pode-se influenciar a sociedade temporal de maneira notável, positiva e santa. Essa boa influência nada mais é que a expansão dos frutos da Redenção a todos os âmbitos da atividade humana. ◊
Notas
[1] BENTO XVI. Audiência geral, 27/4/2005.
[2] LA REGOLA DI SAN BENEDETTO. Prólogo, n.45. 4.ed. Montecassino: [s.n.], 1979, p.7.
[3] BENTO XVI. Audiência geral, 14/10/2009.
[4] BEATO PAULO VI. Pacis nuntius.
[5] BENTO XVI. Audiência geral, 9/4/2008.
[6] RATZINGER, Joseph. La sal de la tierra. Quién es y cómo piensa Benedicto XVI. Una conversación con Peter Seewald. 9.ed. Madrid: Palabra, 2006, p.293.
Sim, não só com palavras, mas principalmente com nosso modo de ser e viver, poderemos conter as “barbaridades atuais.