Comecemos por uma anedota… que não é tanto assim.
Certo dia um indivíduo entrou na rodovia italiana A-1 com seu possante Maserati, ligou o rádio pouco tempo depois, sintonizou o noticiário do dia e ouviu atônito estas agitadas palavras do locutor: “Prestem muita atenção na rodovia A-1, porque um louco corre na contramão por uma das faixas!” O indivíduo levantou os olhos e exclamou enfurecido: “Um?… Mas são milhares!”
Parece-me que esta velha anedota ilustra bem o contexto no qual vivemos, confirmando ao mesmo tempo – infelizmente – como muitas vezes a realidade supera de longe a fantasia: fazemos cada vez mais escolhas subjetivas que não levam em conta os demais, a criação, o nosso entorno; e se os outros não as aceitam, são estes os complicados que não nos compreendem, em suma, que são “loucos”!
De fato, cedo ou tarde qualquer pessoa vivencia atitudes e comportamentos oriundos de um patológico egocentrismo e egoísmo, dos quais, na maioria das vezes, ela nem sequer tem consciência; mas que são, ao contrário, sentidos como justas manifestações de uma equivocada “sacrossanta liberdade” de querer fazer o que lhe apraz, rejeitando regras e normas de comportamento que, não obstante, são de si adequadas – e não poderiam deixar de sê-lo – para o bem de todos.
Tais regras são, portanto, entendidas como indébitas limitações dos seus direitos, a menos que, assim agindo, se imponham aos outros os próprios interesses individualistas, as próprias regras. Basta pensar naqueles que desempenham qualquer papel na sociedade, do mais humilde ao mais importante, e usam sua posição para ditar leis aos demais, procurando sobressair-se a ponto de subjugar e humilhar os outros, em vez de serem agradecidos por ter a possibilidade de ser-lhes úteis em algo (cf. Fl 2, 3-5).
O egocentrismo patológico que vigora na sociedade em nossos dias é erroneamente considerado como uma manifestação de liberdade
Poder-se-iam multiplicar os exemplos em todos os âmbitos e em todos os tipos e níveis de relações, mas prefiro deixar ao leitor o trabalho de fazer o elenco… Sem dúvida algum novo Freud ou Jung teria muito a diagnosticar! De onde – obviamente, sem julgar as intenções – registra-se a multiplicação de comportamentos, paroxísticos nos jovens e que vão muito além da simples falta de educação, que menosprezam absolutamente a dignidade e o respeito devidos ao próximo e a comum dignidade humana, patrimônio de todos e não privilégio de alguns.
Sobretudo, apresentando aqueles que procuram observar as normas – o que nada mais é que atenção e respeito aos demais, ou a determinados lugares e tempos – como “intolerantes” e “rígidos” que lesam minha liberdade de fazer o que quero, não se preocupando de que esta liberdade pode prejudicar alguém. Dizendo isto, obviamente não pretendemos aprovar a concepção kantiana de liberdade, já inscrita no DNA da cultura moderna, ou seja, que minha liberdade acaba onde começa a do outro, pois esta concepção, respeitosa e compreensiva à primeira vista, na realidade limita a dignidade da liberdade humana.
Com efeito o homem pode, pela sua natureza racional e social, ser verdadeiramente livre com e para os outros. Por esses motivos, penso que cada um – a começar por quem escreve – deve fazer um sério exame de consciência cotidiano, tendo em vista a regra de ouro que Cristo nos deixou: “Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles. Esta é a lei e os profetas” (Mt 7, 12), para evitar – como ocorre cada vez mais frequentemente – de ser, na realidade, déspotas e de reivindicar ou até mesmo culpar os outros por aquilo que lhes foi negado.
Continuemos com uma breve análise
A bem dizer a modernidade, e em particular o nosso tempo, distingue-se do passado por uma harmonização cada vez mais difícil, até chegar a uma clara contraposição, entre a centralidade da própria pessoa e da outra, e o respeito – e não a tolerância, uma vez que se tolera sempre um mal… – do pluralismo cultural e ético que desemboca, amiúde e voluntariamente, num autêntico e peculiar relativismo. Crê-se habitualmente, sobretudo em alguns ambientes eclesiásticos, que os verdadeiros problemas de hoje são o relativismo cultural e o pluralismo ético; estudando, porém, mais atentamente a questão, vê-se que estes são apenas os efeitos.
A cultura hodierna tenta convencer-nos de que a consciência é mero subjetivismo e de que a verdade se alicerça num genuíno relativismo
O verdadeiro problema é a sempre mais absoluta e intransigente afirmação de uma subjetividade individualista que se traduz sempre mais em subjetivismo ético. Deste último decorre o relativismo nas avaliações e o fundamentalismo que não toma em consideração o outro. Quem proclama, como fazemos todos nós, que é necessário reafirmar a centralidade da pessoa e o respeito a ela devido, deve também levantar o problema e considerar como cada pessoa elabora subjetivamente essa centralidade, com o real perigo de convencer-se da “sua verdade” e dos “seus valores”.
Portanto, há nessa busca o risco, confirmado pela realidade, de terminar num autêntico e peculiar relativismo ético que na verdade mina a natureza social do homem. Este é, então, o verdadeiro perigo! Repetição do pecado original que não se conforma em ser mera criatura e cai na ilusão de tornar-se criadora de si mesma (cf. Gn 3, 5), que não aceita a objetividade de uma natureza criada por Deus, com suas regras e exigências intrínsecas que não é possível mudar a não ser encontrando outra natureza e olvidando a advertência do profeta: “Poderá talvez um vaso de argila discutir com quem o plasmou? Perguntará talvez a argila ao oleiro: ‘O que fazes?’ Ou: ‘Tua obra não tem asas?’” (Is 45, 9; cf. Jr 18, 6).
De fato, os nefastos e devastadores efeitos que registramos em todos os níveis e em todos os ambientes sociais não derivam tanto do pluralismo ético e religioso, mas de uma subjetividade concebida como absoluta e infinita que se torna um subjetivismo ético, prisioneiro de seu ego, que frusta ou instrumentaliza todo tipo de relação. Chegando, assim, quase a querer justificar o absurdo: o homem, ser finito, pretende ter uma liberdade infinita!
O real problema é a intransigente afirmação de uma subjetividade individualista, pela qual cada um afirma a sua própria “verdade”
Por isso, já que se afirma a centralidade da pessoa, sua primazia, devemos considerar também a que pode ela conduzir, sobretudo quando não é corretamente apresentada ou não se toma em consideração como poderá ser ela entendida pela maioria das pessoas. Esta centralidade da pessoa pode conduzir ao fato de que qualquer indivíduo elabore em sua subjetividade interna um tipo de procura e de escolha ética de modo meramente autorreferencial e sem qualquer confrontação com as verdades objetivas, tanto no âmbito da razão quanto no da fé.
Assim, no fim das contas é a pessoa individual que “cria” a verdade, que estabelece o que é verdadeiro e o que é falso, o que é bom e o que é mau, o que é justo e o que iníquo, o que é conforme o Direito e o que é arbitrário. E como o espírito humano vive no tempo, a verdade que ele estabelece varia com o tempo e as circunstâncias, afirmando de fato a primazia não só do relativismo, mas forçosamente também a do historicismo.
Com efeito, hoje a ideia de verdade foi substituída pela de mudança, de progresso, de consenso, de desejo, de sentimento, de emoção. A convicção de que é impossível à pessoa chegar à verdade, a negação de que esta é objetiva e constitui um termo de comparação ineludível, conduz, na prática e em todos os âmbitos, a não prestar atenção no conteúdo e a limitar-se à realização técnica e às meras formalidades.
A cultura ora dominante tenta inexoravelmente convencer-nos de que a consciência é mero subjetivismo, e de que a verdade se alicerça num genuíno e peculiar relativismo, só para depois lidar com o produto final do fundamentalismo e de seus inevitáveis conflitos! Assim, o tema da consciência moral, hoje mais do que nunca, está sujeito a equívocos e deformações, até chegar a autênticas caricaturas e instrumentalizações ideológicas.
Na cultura contemporânea tudo tende a ser cada vez mais “subjetivo”, no sentido de liberdade de arbítrio, entendida como absoluta: faço o que quero, o que sinto, o que desejo, o que me dá “bem-estar”, esquecendo, contudo, de que isto é diferente do verdadeiro bem – uma droga produz certamente bem-estar num determinado momento, mas é o bem daquela pessoa? Convém, portanto, recordar e fazer compreender que esse “subjetivo” é a expressão de uma pessoa com uma natureza que ela recebeu – e que, em todo caso, não foi dada por si mesma – com características e exigências próprias que não permitem o “subjetivismo”, a não ser a um alto preço, para os indivíduos e a comunidade.
Em outros termos, deve-se assinalar que cada pessoa não é e não pode sentir-se “lei para si mesma”, e ao mesmo tempo, portanto, não pode comportar-se com aspirações infinitas e absolutas que se contrapõem às dos outros, fechando-se em si mesma como uma autêntica mônada. Assim, o verdadeiro problema hoje não é tanto reafirmar a centralidade da pessoa, mas perguntar: como pode cada qual acompanhar e incrementar sua subjetividade de modo que respeite a própria dignidade e a dos outros?
Concluamos com a Santa de Fontebranda
Sem dúvida, podemos encontrar uma resposta no ensinamento revelado por Nosso Senhor a Santa Catarina de Sena e, através dela, a cada um de nós. Consiste esta numa simples mas eloquente e instrutiva verdade que seu biógrafo nos transmitiu: “Tu és aquela que não é; Eu, pelo contrário, sou Aquele que sou”.1 Encontramos esta verdade reiterada no Antigo e no Novo Testamento (cf. Ex 3, 14; Jo 18, 6). Nós somos porque Deus nos chamou à existência e nos confiou um projeto a realizar, equipando-nos de todo o necessário para sua execução. É por isso que o Apóstolo nos convida a perguntar: “O que possuis que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o tivesses recebido?” (I Cor 4, 7).
Portanto, sem Ele nada somos e nada podemos (cf. Jo 15, 5). Cada dia, cada hora, cada minuto é um dom de Deus que nos mantém na existência e nos possibilita agir em todo momento: tu és aquela que não é, e tudo é dom de Deus; viveremos realmente se cada um agir “conforme a graça recebida, pondo-a a serviço dos outros, como bons administradores da multiforme graça de Deus” (cf. I Pd 4, 10), tendo presente que se exige dos administradores apenas que sejam fiéis (cf. I Cor 4, 2).
O ensinamento revelado por Nosso Senhor a Santa Catarina de Sena traz a resposta: “Tu és aquela que não é; Eu sou Aquele que sou”
Meditemos nestas profundas verdades e roguemos ao Senhor, por intercessão de Santa Catarina, que nos conceda a capacidade de traduzi-las na vida cotidiana, a fim de que as relações entre nós sejam conformes à sublime natureza que nos foi concedida e, portanto, mais humanas e incontaminadas daquele delírio de onipotência que só conduz a conflitos e à tremenda egoística solidão que nenhum “aturdimento” poderá jamais superar.
Porque podemos certamente fazer muitas coisas, mas nem todas são úteis para nosso autêntico bem (cf. I Cor 10, 23) e, sobretudo, nenhum “substituto” e nenhuma “compensação” poderá jamais sufocar nossa vocação ao verdadeiro Amor. “Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mc 4, 23). ◊
Notas
1 BEATO RAIMUNDO DE CÁPUA. Santa Catalina de Siena. L.I, c.10. Barcelona: La Hormiga de Oro, 1993, p.113.