Termômetro do verdadeiro fervor

A alma que firmou a resolução de cumprir o seu dever sem vacilação, mesmo quando para isso precise passar por todas as dificuldades e sofrimentos, só essa é verdadeiramente fervorosa.

Em uma das casas de nosso movimento há uma fotografia muito bonita de uma alameda de árvores. Não é exuberante como a floresta de Fontainebleau, absolutamente, mas se trata de um arvoredo bonito, digno, bem-arranjado e agradável de ver. Há nele uns bancos de pedra, sem encosto, dispostos de um lado e de outro do caminho, convidativos para se sentar debaixo daquela sombra visitada por pingos de sol. É uma via reta e comprida, da qual não se vê o fim. Tenho a impressão de ser uma alameda do convento de Lisieux, onde Santa Teresinha do Menino Jesus redigiu parte da História de uma alma.

Que beleza pensar em Santa Teresinha escrevendo a própria história com sua letrinha pequenina, vestida com o hábito carmelita e sentada sob os pingos de sol daquele arvoredo, e em certo momento ouvi-la exclamar: “Como é doce a vida religiosa!” O mais curioso está em que, de fato, ela é doce – só ela tem doçuras, e doçuras que a vida no século não tem –, mas, se lembrássemos o quanto Nossa Senhora pediu a Santa Teresinha em matéria de sofrimento e o quanto ela deu, então compreenderíamos a batalha que comporta a vida religiosa.

Alameda das castanheiras no Convento de Lisieux (França), com a cadeira utilizada por Santa Teresinha do Menino Jesus nos últimos meses de vida

Vítima expiatória ao amor misericordioso de Deus

Santa Teresinha recebeu um convite da graça para ser vítima expiatória ao amor misericordioso de Deus. Tomando em consideração que este era tão pouco compreendido e tão pouco amado pelos homens, ela quis oferecer uma reparação que consolasse ao Altíssimo antes de tudo, mas também que tivesse como mérito expiar pelas pessoas que não correspondem com fervor às vocações que receberam e aos passos do amor de Deus em direção a elas.

Para obter que o Senhor não castigasse essa rejeição do seu amor – porque tal atitude é um insulto a Ele – a Providência Divina escolheu uma coorte de almas vítimas que haveriam de se oferecer na terra e, em atenção a elas, deu ainda mais dádivas para chamar outras almas.

A fórmula desse sacrifício de Santa Teresinha era: nunca pedir nada e nunca recusar nada a Deus, aceitar o que acontecesse. O que Deus permitisse que sucedesse, ela consentia e não alterava. E com isso oferecia um, dois, até vinte sacrifícios, aos quais chamava de “pequenos”, pois não eram heroicos como os de Santa Maria Egipcíaca, uma Santa que viveu no Egito e praticou tantos sacrifícios, e tão heroicos, que no século passado cessaram de imprimir sua biografia porque horripilava as almas…

A Santa da Pequena Via aceitava todos os sacrifícios permitidos pela Providência. Certo dia, por exemplo, uma freira que a ajudava a fixar uma parte do hábito foi inábil e espetou um alfinete em sua carne. Santa Teresinha passou o dia inteiro com aquele alfinete cravado em si porque, tendo Deus permitido, ela não ia tirar. Assim se oferecia como vítima ao amor misericordioso de Deus.

Pequenos sacrifícios e a grande prova

Outro dia, imagino eu, ela estava escrevendo sua autobiografia e, no momento em que tinha o espírito mais concentrado, de repente se apresenta uma outra religiosa e lhe dizia:

— Oh, Ir. Teresa, como a senhora está escrevendo tão bem, vou lhe roubar um pouquinho de tempo. Podemos conversar? Estou muito desolada e preciso me consolar um pouco…

— Oh, pois não! – respondia Santa Teresinha.

A conversa durava uma hora… Em certo momento soava o sino para a refeição – um magro almoço carmelita – e todas se dirigiam para o refeitório. O resto do dia se desenrolava segundo a regra, e a História de uma alma ficava para o dia seguinte. Em tudo ela fazia o contrário do que quereria, porque era o modo de oferecer um sacrifício ao amor misericordioso de Deus. E se fosse apenas isso!

Numa noite ela teve uma golfada e fez uso do lenço. Desejava muito saber se tinha expelido sangue – precursor de uma hemoptise e prenúncio da morte – mas, para oferecer seu sacrifício e se mortificar, não acendeu a luz. No dia seguinte, quando raiou a aurora, Santa Teresinha deu-se conta de que a morte estava próxima e, afinal, iria libertá-la. Era a tuberculose que batia às portas dela, numa época em que não havia os mil recursos de cura existentes hoje.

Pouco depois começa a prova contra a fé, a tentação terrível dos Santos. Ela morre numa aridez tremenda, mas com esta frase muito característica do seu estado de espírito: “Eu creio, única e exclusivamente porque quero crer!” Cria porque amava! Depois de uma agonia tremenda, ela teve um êxtase e caiu morta. Um perfume de violeta, inexplicável, começou a se irradiar de seu corpo para o convento inteiro. Era a glorificação daquela que havia aberto a Pequena Via para as pequenas almas. Que martírio! Que coisa tremenda!

A vida está cheia de grandes sofrimentos! Como enfrentá-los e estar à altura deles quando vêm? São vagalhões colossais que se abatem sobre todo mundo. Não há ninguém que não tenha padecimentos muito grandes na vida religiosa e fora dela. Por vezes, mais dentro do que fora; por outras, mais fora do que dentro.

A vida está cheia de grandes sofrimentos, seja na vida religiosa ou fora dela; assim, toda piedade que não seja acompanhada pela coragem em enfrentar a dor não é verdadeira
Retrato da Santa em julho de 1897

Como, então, considerar o papel do sofrimento?

A prova do fervor é a coragem na dor!

A alma que tem a resolução de sofrer e está disposta a enfrentar qualquer coisa, seja como for, na pior dificuldade e no escuro, resolvida a chegar até o fim da dor se for preciso, mas cumprir o seu dever sem vacilação, achando que sua vida está bem empregada, pois assim deve ser e assim o quer, essa é uma alma fervorosa!

Se a alma tem pavor da dor, prefere a brincadeira, quer ser engraçada, divertida, estimada por todo mundo, levar uma vida macia, assusta-se perante qualquer sofrimento, ela pode ter um êxtase – que seria falso – diante de um crucifixo ou de uma imagem de Nossa Senhora a ponto de se retorcer, mas eu não tomo a sério, porque a prova do fervor é a coragem na dor. E qualquer piedade que não venha acompanhada de coragem na dor é patifaria.

Nós temos que olhar bem de frente e compreender o seguinte: para isso, muitas vezes não nos bastarão as boas resoluções tomadas na vida comum. Podemos, por exemplo, fazer o propósito: “Eu quero, ó Senhora, Rainha do Céu e da terra, na hipótese das grandes dores, sofrer tudo. E desde já eu me dou inteiro!” Trata-se de uma ótima disposição! Mas virão momentos em que a dor é tal que somos capazes de dizer: “Minha Mãe, eu não pensei que o sofrimento fosse tão grande e creio que não vou aguentar!”

O verdadeiro católico aguenta tudo! Por uma razão muito simples: quando pede, ele tem sempre a graça de Deus consigo. Compreende-se que as forças naturais de um homem não ofereçam recursos para enfrentar isso. Mas, onde a natureza é fraca, a graça é forte. Se a pessoa rezar, Nossa Senhora lhe dará força e, na hora da luta, ela enfrentará a tentação.

A alma deve confiar em que a sua capacidade de sofrer vai muito mais longe do que o tamanho de sua personalidade. Sua situação se assemelha à de um homem que, para glorificar a Nossa Senhora, tem de encontrar um leão no caminho e estrangulá-lo. Ele olha para suas mãos e diz: “O leão vai devorá-las e a mim também! Não sou capaz de dar-lhe um beliscão nem sequer um safanão na juba, e ainda devo estrangulá-lo?! Eu?! Nunca!” Esse é um fracassado.

Para a alma fervorosa, o caso se põe de outra forma: Se for esse o meu dever, e a dedicação à Santa Igreja Católica me levar até lá, eu direi a Nossa Senhora: Dai-me graças para suportar e caminharei até lá! ‘Omnia possum in eo qui me confortat’, afirma São Paulo. ‘Tudo posso n’Aquele que me dá forças’ (Fl 4, 13). A força de Nosso Senhor, obtida pelas preces de Nossa Senhora – as quais Ele nunca recusa –, me dará força. Na hora ‘H’ eu serei forte!” Este é o fervor!

Sacrificar muitas coisas pequenas é imenso aos olhos de Deus

Entretanto, o fervor não está reservado só para as grandes ocasiões. Não está preparado para receber a graça do fervor nas grandes ocasiões quem não o tiver nas pequenas. E, para isso, é preciso estar habituado a fazer os sacrifícios da vida diária com esse fervor.

Quando, por exemplo, devo realizar uma tarefa desagradável, cacete, e não estou com vontade de fazer, se é meu dever, eu o faço e com élan. Aí eu tenho fervor.

Posso deixar um dever desagradável para cumprir daqui a meia hora, mas o cumprirei já! Devo ter a “gula” do sacrifício! E não ficar me espreguiçando vagabundamente aos pés de um sacrifício que eu não tenho coragem de fazer, grande ou pequeno, pouco importa. Hoje, em qualquer horário, devo dar um telefonema cacete; acabei de acordar, então vou fazê-lo agora! Vou pular em cima desse pequeno dever como diante de uma fera e direi: “Venha cá, telefone, símbolo do progresso e meu servo. O meu primeiro combate será através de ti!”

Os sacrifícios, devo fazê-los logo. Mas, se tenho alguma tarefa agradável a realizar, nunca a preferir: deixo passar o primeiro ímpeto e faço depois.

Do mesmo modo, se estou muito desejoso de ouvir as repercussões de apostolado de um militante do nosso movimento que acabou de chegar de viagem – a qual durou meses –, penso em descer logo as escadas para falar com ele. De repente paro e me lembro de oferecer a Nossa Senhora um sacrifício. Desço devagar os degraus e, a cada passo, rezo uma jaculatória. Para quê? Para me atormentar? Não! Para conquistar um pouco mais do terreno da Revolução maldita, gnóstica e igualitária. Quando chegar embaixo, terei perdido um pouco das notícias, é verdade, mas terei ganhado muito terreno para Maria Santíssima, que saberá o que fazer desse meu oferecimento ao descer devagar a escada. E sei que, em cada degrau, meu Anjo me acompanha sorrindo!

Eu pergunto: haverá no mundo escada mais doce de se descer? Nisso consiste o fervor! Alguém dirá: “Mas, Dr. Plinio, isso é uma coisa tão pequena!” Eu respondo: “Fazer muitas coisas pequenas assim é imensíssimo! E nós as devemos fazer!”

Para receber a graça do fervor nas grandes ocasiões é preciso tê-lo nas pequenas,
na realização dos sacrifícios da vida diária

Dr. Plinio em agosto de 1991

Então, há mil ocasiões para fazer sacrifícios, ora pequenos, ora grandes, que aumentam o fervor. O auge do fervor se atinge quando, no auge do tormento e do sofrimento, em certo momento a pessoa diz: “Está tudo pronto, consummatum est!

São Paulo, uma alma fervorosa

Vejam o lindo simbolismo do martírio de São Paulo. Ele foi o Apóstolo que mais trabalhou pela difusão do Evangelho. Antes de morrer decapitado, declarou: “Combati o bom combate, percorri todo o caminho que eu deveria percorrer. Dai-me agora, Senhor, o prêmio de vossa glória” (cf. II Tim 4, 7-8).

Quando o carrasco romano arremessou a espada contra ele cortando-lhe a cabeça, esta picou três vezes sobre o chão, tal foi a violência do golpe. Em cada ponto onde ela bateu, abriu-se uma fonte. Esse é o sacrifício do homem fervoroso!

Nos grandes sacrifícios de nossa vida, podemos ter a impressão de que algo nos foi decepado, mas lembremo-nos de que se abrem fontes através deles! ◊

Extraído, com pequenas adaptações, de:
Dr. Plinio. São Paulo. Ano XXVI. N.306
(set., 2023), p.29-32

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Do mesmo autor

Artigos relacionados

Redes sociais

1,644,769FãsCurtir
125,191SeguidoresSeguir
9,530SeguidoresSeguir
558,475InscritosInscrever