Por Júpiter, que Vipsânio Agripa teve uma boa ideia ao construir este templo! O Panteão: que majestade, que convicção, que força! E – cá entre nós – que golpe de mestre… Agripa bem merece ter o nome engastado em seu pórtico.
“Dignus Roma locus, quo Deus omnis eat – Roma é um lugar digno para que todos os deuses nela se reúnam”,1 cantava o poeta Ovídio. Sim, e neste Panteão romano foi que se assinou, por fim, a trégua dos olimpos.
Apesar da idade – estamos já há mais de um século de sua ereção – esta joia ainda refulge com jovialidade. O sol não requeimou os mármores multicolores, as portas de bronze resistem à cobiça do tempo, as dezesseis colunas monolíticas suportam, elegantes e poderosas como os braços de nossos atletas, a cúpula coberta de lâminas de prata.
E o interior abriga uma maravilha ainda maior. Entremos! Entremos, que a isso têm direito todos os cidadãos romanos. O chão é maravilhoso com suas pedras polidas a refletir o sol, que entra escachoante por uma abertura com nove metros de diâmetro. A cúpula… Eis aí, propriamente, um céu de pedra. Com 43,5 metros de altura e 43,5 metros de diâmetro, o teto forma uma semiesfera perfeita, em lembrança da abóbada celeste.

Mas tiremos os olhos do céu, para voltá-los aos deuses. Eles, como nós, encontram-se na terra. Cada um dos numerosos nichos acolhe uma divindade. Ali está Minerva Criselefantina, mãe do felizmente reinante Imperador Domiciano. Ao seu lado, Júpiter Vingador ameaça desfazer as nuvens em raios e os mortais em pedaços. Vênus, um pouco distante, exibe joias assaz terrenas, pois pertenceram a Cleópatra. Baco, no seu canto, ri embriagado.
Eles ostentaram nomes diversos outrora – como Atena e Zeus –, mas estão presentes também os que omitiram a mudança de cartório e que compõem, mesmo assim, este comitê intercontinental: a Cibele frígia; a fenícia Astarte; o deus Átis; Baal, o infanticida siro-fenício; uma comissão egípcia presidida por Osíris-Serápis, acompanhado da esposa, Ísis; Mitra, o patrono persa da luz; Adônis de Biblos; Tamuz; Malakbel de Palmira; Dushara, o árabe… e outros tantos numes importados.

Como se vê, os asiáticos estão de moda; foi isso, aliás, o que motivou o resmungo conservador e satírico de Juvenal há alguns dias: “Iam pridem Syrus in Tiberim defluxit Orontes – O rio sírio Orontes veio desaguar no Tibre”.2 Nesse dia fez-se, no Senado, uma discussão digna de ser presidida por Marte. Mas a diplomacia venceu. Quer dizer, a fé…
Aqui no Panteão, entretanto, reina a paz, graças ao engenheiro que o desenhou. Este círculo perfeito foi montado para evitar qualquer disputa entre os deuses: nenhum deles está num posto mais elevado. Ademais, não há um centro. O lugar para o qual eles se voltam está reservado unicamente para os homens. O que podemos fazer? É o único modo de reuni-los todos.
Todos… menos um. Um que não Se resignaria a essa condição de igualdade. É o Deus dos cristãos! E quando, outro dia, discutimos sobre a imigração massiva dos deuses asiáticos, a este Jesus Cristo foi barrada a entrada. Constam-nos, de fato, pelo menos dois crimes por Ele perpetrados contra a sociedade dos homens e dos deuses: exclusivismo e radicalidade.
Exclusivismo: é proclamado como a única divindade por seus sequazes. Se ao menos se contentasse em ser o primeiro entre os primeiros, como Júpiter, ainda O toleraríamos. Mas não! Não é um entre outros; é o único, repetem os cristãos.
Radicalidade: ensina a mansidão, a castidade, o desapego dos bens terrenos, a fé numa vida eterna, a crença numa ressurreição final; pior do que tudo, essa doutrina se traduz em obras. Se Ele não pregasse a continência, os hedonistas O adorariam; se sua lei não tivesse uma expressão prática, os filósofos O elogiariam; se não mencionasse uma ressurreição, os estoicos n’Ele acreditariam.

A conclusão foi mais do que simples: Domiciano, nosso augusto césar, decretou a perseguição e a morte dos cristãos. A menos, claro, que abjurem esse credo em favor de uma posição mais moderada. Moderação… é fundamental. Não tem direito de cidadania a religião que se creia a verdadeira. Não cabe no Panteão um Deus único e infinito, sobretudo quando traz consigo uma moral.
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Eis os pensamentos que povoavam a cabeça de um patrício romano quando da segunda perseguição lançada contra a Igreja Católica, em 93 d.C., ano em que, mais uma vez, os pagãos constataram que essa religião não podia se misturar às demais. Em que tudo isso resultou? Séculos de sincretismo, mais diplomático que sincero, ruíram sob o sangue dos discípulos de Jesus Cristo, e a prisão das antigas e falsas divindades, que foi o Panteão, cedeu suas colunas à Igreja de Santa Maria dos Mártires. O Deus único vencera.
Mas este romano, que existiu sob o nome de Tácito, existe ainda hoje no fundo talvez inconsciente dos que desejam a volta do Panteão e, por isso mesmo, a ruína da Igreja. ◊
Notas
1 OVÍDIO. Fastorum. L.IV, v.270.
2 JUVENAL. Satira. L.III, v.62.

