Não é difícil perceber como o novo sistema moral deriva do existencialismo, o qual faz abstração de Deus ou simplesmente O nega, e, em todo caso, abandona o homem a si mesmo.

 

Queríamos hoje aproveitar a oportunidade desta reunião convosco para expor nosso pensamento sobre certo fenômeno que se verifica mais ou menos por todas as partes na vida de fé dos católicos, e que de algum modo atinge a todos, mas particularmente a juventude e seus formadores. […] Poderíamos designá-lo como uma nova concepção da vida moral, pois se trata de uma tendência que se manifesta no domínio da moralidade. […]

Poder-se-ia qualificá-la de “existencialismo ético”, de “atualismo ético”, de “individualismo ético”, expressões estas entendidas no sentido restritivo que adiante exporemos, e tais como se encontram naquilo que se denominou alhures Situationsethik – moral de situação.

A negação de uma lei moral objetiva

O sinal característico dessa moral é que ela não se baseia de fato nas leis morais universais, como, por exemplo, os Dez Mandamentos, mas sim sobre as condições ou circunstâncias reais e concretas nas quais se deve agir, e segundo às quais a consciência individual precisa julgar e optar.

Este estado de coisas é único e vale só uma vez para cada ação humana. Por esse motivo – afirmam os defensores de tal ética –, a decisão da consciência não pode ser comandada pelas ideias, princípios e leis universais. […]

[A moral de situação] não nega simplesmente os conceitos e princípios morais gerais – embora por vezes ela se aproxime muito de semelhante negação –, mas os desloca do centro para a extrema periferia. […]

Implicações desse funesto erro

Por exemplo, no campo da fé, a relação pessoal que nos liga a Deus. Se a consciência seriamente formada decidisse que o abandono da Fé Católica e a adesão a outra religião aproxima mais de Deus, esta decisão estaria “justificada”, embora ela seja geralmente qualificada de “deserção da Fé”. Ou ainda, no campo da moralidade, o dom de si mesmo, corporal e espiritual, entre os jovens. Aqui a consciência seriamente formada decidiria que, em razão da sincera inclinação mútua, admitem-se as intimidades do corpo e dos sentidos, e estas, apesar de admissíveis apenas entre os esposos, se tornariam manifestamente permitidas. […]

Julgamentos de consciência dessa natureza, por mais que à primeira vista pareçam contrários aos preceitos divinos, valeriam perante Deus, porque – diz-se – diante de Deus a consciência sincera seriamente formada prevalece sobre o “preceito” e a “lei”. Tal decisão seria, portanto, “ativa” e “produtiva”, não “passiva” e “receptiva” da decisão da lei inscrita por Deus no coração de cada um, menos ainda do Decálogo gravado pelo dedo de Deus nas tábuas de pedra, deixando à autoridade humana o encargo de promulgá-lo e mantê-lo.

A ética nova – adaptada às circunstâncias –, dizem seus autores, é eminentemente “individual”. Na determinação da consciência, cada indivíduo se encontra diretamente com Deus e se decide diante d’Ele, sem intervenção de nenhuma lei, nenhuma autoridade, nenhuma comunidade, nenhum culto ou confissão, em nada e de nenhum modo. […]

Esses dois pontos, a reta intenção e a resposta, são o que Deus toma em consideração; a ação não Lhe importa. Assim, a resposta pode ser a de trocar a Fé Católica por outros princípios, de se divorciar, de interromper a gestação, de recusar obediência à autoridade competente na família, na Igreja, no Estado e assim por diante. […]

A verdadeira posição católica

Assim explicitada, a ética nova fica tão fora da lei e dos princípios católicos que disto se dará conta até um menino que conheça bem o catecismo. Não é difícil perceber como o novo sistema moral deriva do existencialismo, o qual faz abstração de Deus ou simplesmente O nega, e, em todo caso, abandona o homem a si mesmo.

Pode ser que as atuais condições tenham induzido a tentar transplantar essa “moral nova” para o terreno católico, a fim de tornar mais suportável aos fiéis as dificuldades da vida cristã. […] Ora, tal tentativa nunca poderá ser bem sucedida. […]

Além disso, Nós opomos à “ética de situação” três considerações ou máximas. Primeira: concordamos em que Deus quer sempre e primordialmente a reta intenção, mas esta não é suficiente. Segunda: não é lícito fazer o mal para que dele resulte um bem (cf. Rom 3, 8); e – talvez sem dar-se conta – essa ética age com base no princípio de que o fim santifica os meios. Terceira: pode haver situações nas quais o homem, sobretudo o cristão, não pode ignorar que ele deve sacrificar tudo, inclusive a própria vida, para salvar sua alma.

Todos os mártires nos recordam isto. E estes são muito numerosos, mesmo em nossa época. A mãe dos Macabeus e seus filhos, as Santas Perpétua e Felicidade – deixando filhos recém-nascidos –, Maria Goretti e milhares de outros que a Igreja venera, homens e mulheres, teriam todos eles, contra a “situação”, sofrido a morte sangrenta inutilmente ou mesmo por engano? Com certeza, não; e eles são, com seu sangue, os mais eloquentes testemunhos da verdade contra a “moral nova”.

Perenidade e valor absoluto da moral católica

Onde não há normas absolutamente obrigatórias, independentes de qualquer circunstância ou eventualidade, a situação “de uma vez” em sua unidade requer, é verdade, um atento exame para decidir quais são as normas a aplicar e como aplicá-las.

A moral católica tratou sempre e pormenorizadamente desse problema da formação da própria consciência com exame prévio das circunstâncias do caso a resolver. Tudo quando ela ensina oferece uma preciosa ajuda às determinações da consciência, tanto teóricas quanto práticas.

Basta citar aqui os ensinamentos, não prescritos, de São Tomás sobre a virtude cardeal da prudência e as dela derivadas.1 Seu tratado mostra um sentido da atividade pessoal e da atualidade que contém tudo quanto há de justo e positivo na “ética segundo a situação”, evitando seus desvios e confusões.

Ao moralista moderno será suficiente, portanto, continuar na mesma linha, caso queira se aprofundar em novos problemas.

Excertos de: PIO XII. Discurso ao
Congresso da Federação Mundial da Juventude Feminina Católica
,
18/4/1952: AAS 44 (1952), 413-418

 

Na foto em destaque: Pio XII durante a proclamação do dogma da Assunção de Nossa Senhora, em 1º/11/1950

 

Notas

1 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q.47-57.

 

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