Nascida numa família da alta nobreza européia, a jovem Maria faz-se humilde religiosa e recebe do Divino Mestre a elevada missão de sofrer pela salvação das almas e de ser sua mensageira junto ao Papa.

 

Era o dia oito de junho de 1899. Em Roma, o Santo Padre Leão XIII iniciava com toda pompa o tríduo preparatório para a consagração do mundo ao Sagrado Coração de Jesus. Nesse mesmo dia, expirava na cidade do Porto, após três anos de atrozes sofrimentos, uma humilde religiosa que fora o principal ins­trumento da Divina Providência para tornar realidade esse ato de transcendental importância para a humanidade: a Beata Maria do Divino Coração, da Congregação da Caridade do Bom Pastor.

No mundo, chamava-se ela condessa Maria Droste zu Vischering. Sua estirpe destacava-se há séculos pela fidelidade à Igreja e ao Papa, em cujo serviço nunca recusava qualquer esforço ou sacrifício. Foram Cardeais, Bispos e governantes os ilustres ancestrais de Maria. E ela própria coroou, com sua sublime virtude, os feitos heróicos dos que a precederam no sinal da Fé.

Um imenso desejo de praticar a caridade, sobretudo com pobres e necessitados, lhe abrasava o coração.

Desde a mais tenra idade, atraída pelo Sagrado Coração

Maria e seu irmão gêmeo, Max, nasceram em 1863, no dia da Natividade de Nossa Senhora, no Castelo de Darfeld, em Münster, importante cidade da Vestfália, Alemanha. Anos mais tarde, sua mãe, a Condessa Helena, revelou-lhe que no dia do nascimento das duas crianças ela experimentou uma con­solação, uma alegria sobrenatural tão grande como nunca tivera na vida. Era já a graça de Deus manifestando o quanto os dois, sobretudo Maria, trilhariam o caminho da perfeição e do amor de Deus.

Católicos exemplares, o Conde e a Condessa zu Vischering mantinham no solar familiar um ambiente de intensa espiritualidade, muito favorável às aspirações de virtude e santidade da pequena Maria. Quem transpõe os umbrais da entrada principal do Castelo, lê aí a bela divisa: “Em vós, Senhor, esperei: não serei confundido”.

Nesse abençoado lar, a futura religiosa se destacava entre os sete irmãos por ser a mais alegre e animada. Tinha encanto pelos inocentes brinquedos infantis e era amiga de pular, correr e montar a cavalo na companhia dos pais e irmãos. Uma companheira de escola dizia a seu respeito: “No pátio do recreio, ninguém corria mais do que ela, ninguém jogava a bola tão alto e tão bem como ela. Mas quando o sino anunciava o fim do jogo, a mais serena e a mais tranqüila de todas era Maria.

Desde a mais tenra idade, esta alma inocente fora atraída pelo Sagrado Coração de Jesus. Para ela, a devoção ao adorável Coração se fundia na devoção ao Santíssimo Sacramento, conforme ela própria de­clara: “Nunca pude separar a devoção ao Coração de Jesus da devoção ao Santíssimo Sacramento; e nunca serei capaz de explicar como e quanto o Sagrado Coração de Jesus se dignou favorecer-me no Santíssimo Sacramento da Eucaristia”.

Bela consideração! De fato, se nosso Redentor Se mostra tão manifestativo nas imagens do Sagrado Coração, quanto mais não o será no Sacramento do altar, em que está Ele realmente presente, com seu corpo, sangue, alma e divindade?

O sofrimento, sua vocação específica

Ser filha da Santa Igreja era para ela uma imensa felicidade. Exultava de contentamento quando seus pais e irmãos iam a Roma ver o Santo Padre. E quando o duro golpe da perseguição anticatólica le­vou ao exílio inúmeros sacerdotes e religiosos, em 1872, ela não só permaneceu fiel, mas pôde dizer: “Todos esses acontecimentos aumentavam cada vez mais o nosso entusiasmo pela Santa Igreja e seus minis­tros”.

Imagem do Sagrado Coração de Jesus,
venerada na igreja do mesmo nome, em Roma

No dia de sua crisma, aos 12 anos, recebeu a graça da vocação de forma tão clara e intensa a ponto de não lhe deixar qualquer dúvida: serei religiosa! Desde então, recebeu insignes favores espirituais que a conduziam a uma união estreitíssima com o Coração de Jesus. Suas comunhões eram de luminosa pie­dade, e recebia muitas revelações junto ao Santíssimo Sacramento. Compreendeu ser o sofrimento sua vocação específica. Sentiu-se tomada de um grande desejo de sacrificar-se pelas necessidades da Igreja, pela salvação das almas e pela santificação dos sacerdotes.

Sendo de constituição física bastante frágil, precisou esperar muito para ser admitida em uma comunidade religiosa. À espera de concretizar esse desejo, ela abraçou como pôde o estado de perfeição, vivendo ainda na casa paterna. Praticava a caridade com os pobres, transformando-se numa mãe para todos os necessitados.

Viveu assim até a idade de 26 anos, quando foi admitida na Congregação do Bom Pastor, uma instituição dedicada a cuidar de moças transviadas e de meninas órfãs ou abandonadas.

Nos cinco primeiros anos de vida religiosa, suas virtudes foram se solidificando e acrisolando nos sofrimentos morais e físicos. Em sua humildade, jamais permitia qualquer ostentação da nobreza de sua linhagem, velada sob o despretensioso nome por ela adotado. Com uma pontinha de gracejo, tomava suas falhas diante das demais irmãs como uma ótima chance de “dar uma bofetada na condessa”.

Entretanto, sua grande missão estava por se cumprir. Em 1894, as asas da obediência levaram-na para Portugal. Dada sua grande capacidade de fazer o bem e de se sacrificar pelo próximo, foi ela nomeada superiora da comunidade do Porto.

“Vou praticar o ato mais grandioso de meu Pontificado”

Três anos depois, uma dolorosa enfermidade na espinha dorsal prostrou-a no leito, dominada pela paralisia. Começava a última fase de sua santa vida, na qual sua união com o Sagrado Coração de Jesus foi-se estreitando dia após dia. Ela ouvia-O falar-lhe interiormente, manifestando quanto os sofrimentos por ela suportados eram valiosos para o bem das almas.

Em 1897, ela recebeu de Jesus a incumbência de comunicar ao Papa Leão XIII o pedido de ser feita a consagração do mundo ao seu Sagrado Coração. Desejosa de transmitir sem demora a mensagem, foi, entretanto, impedida por seu confessor, o qual lhe objetou: “Sua Santidade já tem seus conselheiros…”.

Dando mostras de obediência e resignação, ela se limitou a rezar fervorosamente pela remoção dos obstáculos ao cumprimento da vontade divina. Mas, por outras duas vezes, Nosso Senhor insistiu em seu pedido. Ela, então, escreveu ao Papa duas cartas, uma em junho e outra em dezembro de 1898, trans­mitindo o grande desejo que o Coração de Jesus lhe manifestara.

Em destaque, Beata Maria do Divino Coração nos últimos anos de sua vida. Ao fundo, Castelo de Darfeld, na Alemanha, residência da família zu Vischering.

A leitura dessas cartas impressionou profundamente o Santo Padre. A segunda delas chegou em janeiro de 1899 e — notável rapidez — em fevereiro o Sucessor dos Apóstolos decidiu consagrar todo o gênero humano ao Sagrado Coração de Jesus. Exprimindo o reconhecimento a tudo quanto a Irmã Maria do Divino Coração lhe fizera saber, declarou Leão XIII: “Vou praticar o ato mais grandioso de meu Pontificado. Sabemos por revelação divina que esse ato apressará as misericórdias que esperamos. Há no mundo almas que recebem comunicações do Céu, e algumas vezes elas são transmitidas ao Papa em circunstâncias tais, que é impossível duvidar que venham de Deus.”

Comovida ao extremo, a vidente não cabia em si de gratidão. Seus últimos dias se passaram num contraste entre dores atrozes e a feliz perspectiva de ver o mundo em breve solenemente consagrado ao Coração de Jesus.

Justamente na manhã do dia de sua morte, chegou-lhe às mãos um consolador presente do Santo Padre: dois exemplares da encíclica “Annum Sacrum”, cujo tema era a consagração da humanidade e do mundo ao Sagrado Coração do Divino Redentor. Cheia de paz, a santa Mensageira expirou às três horas da tarde, na doce certeza de ter sido cumprido o desejo do Senhor.

Foi beatificada por Paulo VI em 1975.

Artigo anteriorSão Luís Orione – General de um grande exército da caridade
Próximo artigoRevista Arautos do Evangelho, Ano III, nº 31, Julho 2004

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui