Evangelho do VI Domingo da Páscoa
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 23 “Se alguém Me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e Nós viremos e faremos nele a nossa morada. 24 Quem não Me ama, não guarda a minha palavra. E a palavra que escutais não é minha, mas do Pai que Me enviou. 25 Isso é o que vos disse enquanto estava convosco. 26 Mas o Defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, Ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que Eu vos tenho dito. 27 Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração. 28 Ouvistes que Eu vos disse: ‘Vou, mas voltarei a vós’. Se Me amásseis, ficaríeis alegres porque vou para o Pai, pois o Pai é maior do que Eu. 29 Disse-vos isso agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, vós acrediteis” (Jo 14, 23-29).
I – Dois conceitos conspurcados pela Revolução
Como um gigantesco vulcão de pus, o movimento hippie irrompeu na década de 1960, espalhando irrefreavelmente pelo mundo sua lava infecta e malcheirosa, a qual levou a sociedade ocidental à autodissolução moral mediante a imposição de uma mentalidade delirante e caótica. As modas, a música, as regras de educação, os ambientes, os gostos, em suma, a cultura em geral degradou-se de forma drástica em todo o orbe, sem que fosse derramada uma só gota de sangue.
Um dos slogans adotados pelos mentores dessa bem sucedida revolução tendencial foi o “peace and love”,1 sinistra paródia do lema “pax et bonum”2 do seráfico São Francisco de Assis. A partir de então, de modo sub-reptício identificou-se a paz com a mera ausência de conflitos armados e a pseudotranquilidade provocada pelos estupefacientes, e se associou o amor à libertinagem sem freios, o que deixa evidente quão distante do moto do Poverello está o lema dessa geração.
Os excessos dessa revolução vaporosa, mas onipresente, assustaram levemente a Opinião Pública logo após sua primeira detonação; em nossos dias, porém, ela se impõe a passos largos sem que ninguém levante a voz para alertar os espíritos incautos, os quais acabam por deixar-se arrastar, embora com certas reticências, por sua enxurrada imunda e sedutora. Poucos percebem o termo final dessa rampa resvaladiça, que conduz ao relativismo doutrinário, à completa corrosão social, à simpatia mais ou menos consciente pela feiura e pela decomposição psicológica e moral.
Em face dessa realidade, o Evangelho do 6º Domingo da Páscoa se apresenta com a força de um exorcismo divino, capaz de dispersar os ventos mefíticos de uma revolução que impregna os mais variados ambientes. Com efeito, restabelecer o verdadeiro sentido das palavras paz e amor significa hastear com galhardia, entusiasmo e força o estandarte de Deus. Faz-se, pois, necessário manifestar novamente aos homens, em parte entorpecidos pelo mal hodierno, o esplendor da autêntica ordem das coisas, que o pai da mentira deseja obscurecer.
II – Paz e amor à luz da verdade
O trecho selecionado pela Sagrada Liturgia para este domingo situa-se no discurso de despedida de Nosso Senhor, pronunciado ao longo da Última Ceia no Cenáculo. A iminência da dramática separação dos seus, assim como a perspectiva da Paixão e da Ressurreição, conferem às palavras do Mestre uma densidade especial e tornam a atmosfera cheia de imponderáveis de dor e de esperança, mal interpretados pelos discípulos, que se veem desorientados pelos sentimentos contrastantes de temor e de pasmo. Ainda era frágil a virtude da fé em suas almas. Por isso o Bom Pastor abre seu Coração, derramando sobre eles torrentes de afeto, de sabedoria e de serenidade, a fim de confortá-los.
À luz da Tradição e das novas inspirações do Consolador, também podemos descobrir nesses versículos de São João horizontes grandiosos para a nossa fé. Neles nos é oferecido um guia seguro para estabelecer na terra o Reino de Deus, todo feito de paz e amor, Reino prometido por Nossa Senhora em Fátima e em outras revelações privadas aprovadas pela Igreja.
A manifestação interior de Deus
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: 23 “Se alguém Me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e Nós viremos e faremos nele a nossa morada”.
Essa sublime afirmação de Nosso Senhor visa responder a uma questão levantada por São Judas Tadeu: “Senhor, por que razão hás de manifestar-Te a nós e não ao mundo?” (Jo 14, 22). Para bem entendermos a pergunta do Apóstolo, é preciso lembrar a profecia feita por Jesus nos versículos anteriores: “Ainda um pouco de tempo e o mundo já não Me verá. Vós, porém, Me tornareis a ver, porque Eu vivo e vós vivereis. Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em Mim e Eu em vós. Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é que Me ama. E aquele que Me ama será amado por meu Pai, e Eu o amarei e Me manifestarei a ele” (Jo 14, 19-21).
Ao usar o termo mundo, Jesus refere-Se de maneira particular ao povo eleito tisnado pelo pecado de deicídio. Após a Paixão, este não voltaria a vê-Lo porque, de algum modo, Ele estaria morto. Os discípulos, porém, O reencontrariam, segundo a promessa do Mestre: “Eu vivo e vós vivereis”. Embora viessem a vacilar na fé no momento supremo da Crucifixão, esses seguidores viveriam da boa-nova da Ressurreição.
Agindo desse modo, Nosso Senhor contrariava o conceito faustoso de uma era messiânica demasiado terrena, em que se cumpririam, ao pé da letra e não em seu sentido espiritual, certas profecias que vaticinavam a primazia política e econômica de Israel sobre os outros povos. Se Jesus, após a vitória definitiva sobre a morte, só Se faria ver pelos seus, como instauraria o sonhado império que alçaria Jerusalém ao cume da glória?
Ora, aos discípulos estava reservado o indizível dom de receber a manifestação de Nosso Senhor no mais íntimo de suas almas, mistério que escapava por completo a São Judas, assim como aos demais Apóstolos. Somente depois da vinda do Espírito Santo eles entenderiam o segredo escondido naquelas palavras de sabedoria que lhes soavam incompreensíveis. Sim, o Redentor Se comunicaria com os que O amavam e cumpriam seus mandamentos, mas de forma interior e oculta.
Esse é o verdadeiro alcance da afirmação de Jesus: “Se alguém Me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e Nós viremos e faremos nele a nossa morada”. Trata-se da mais precisa formulação de uma realidade que nos enche de admiração e faz estremecer: a inabitação trinitária.
Com efeito, Deus escolhe nosso coração como sua morada, estabelecendo-Se nele com infinito afeto, à semelhança de um jato contínuo que sobre nós derrama rios de fogo divino. Tal amor, que atingirá sua plenitude no Céu, progride na terra na medida em que nos esvaziamos de nós mesmos e damos espaço em nosso interior aos Três que são Um. Esse dom é tão real e tão alto, que não há palavras para agradecer ao Altíssimo pelo fato de abaixar-Se e ter suas delícias em permanecer, como pai e amigo, em cada um de seus filhos adotivos.
Cabe ainda pensar que, quando cometemos um pecado mortal, idolatramos a nós mesmos ou às criaturas e expulsamos brutalmente essa divina presença, que deveria ser nosso único e grande amor. Assim podemos entender melhor o motivo pelo qual o homem se faz merecedor do inferno por apenas uma falta grave.
O mundo não ama porque não guarda a palavra
24 “Quem não Me ama, não guarda a minha palavra. E a palavra que escutais não é minha, mas do Pai que Me enviou”.
Nessas duas frases Nosso Senhor explica a São Judas por que não Se manifestará ao mundo: devido à ausência do amor e da obediência. Quem não ama, não guarda a palavra de Jesus, o que equivale a dizer que é impossível existir verdadeira afeição para com o Pai Celeste sem o cumprimento de seus Divinos Mandamentos. Trata-se de uma verdade fundamental de nossa Fé, atacada ardilosamente em nossos dias pelo relativismo. A palavra de Deus permanece para sempre e jamais entrará no Reino dos Céus quem não se dobrar com determinação ante a soberana vontade do Senhor dos Exércitos, que tem o direito de ser escutado e obedecido.
Assim, no Evangelho de hoje o vocábulo mundo indica também a triste multidão, em geral comandada por elites corrompidas, que se opõe à autoridade do Altíssimo escudando-se em sofismas inconsistentes. Ela será excluída da mais bela manifestação do Filho de Deus: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e Me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, Eu com ele e ele comigo” (Ap 3, 20).
Procuremos viver em estado de graça e façamos da presença trinitária o tesouro mais valioso de nossa existência!
O Verbo diz e o Espírito ensina
25 “Isso é o que vos disse enquanto estava convosco. 26 Mas o Defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, Ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que Eu vos tenho dito”.
Procedente do Pai e do Filho enquanto vínculo de união entre ambos, o Espírito Santo é uma labareda infinita do mais puro e veemente amor, que supera qualquer consideração humana. O Sol não passa de um pálido fogacho em comparação com a Eterna Afeição que une a Primeira Pessoa da Trindade à Segunda. Esse amor, em tudo contrário ao egoísmo, consiste em um voltar-Se de cada uma das Pessoas Divinas para as outras duas, num élan de adoração, enlevo e entusiasmo sem princípio nem fim. Donde o verdadeiro amor ser aquele que se doa, e não o que pretende apenas receber a fim de satisfazer desejos baixos e individualistas, como apregoa a atual ideologia do desleixo e da depravação.
A Santíssima Trindade, como bem sabemos, age sempre por amor e em perfeita concomitância; os Três são inseparáveis na economia da salvação. Todavia, para que pudéssemos melhor conhecer a diversidade das Pessoas Divinas, suas intervenções levam uma marca trinitária. Todo homem ou mulher, por exemplo, é capaz de três amores: filial, esponsal e paterno ou materno. Ademais, adaptando-Se a nós com extrema compaixão, o Deus Trino faz com que em certas ações ditas ad extra o “timbre” de uma Pessoa seja mais perceptível que o das outras duas. Assim, ao Pai se atribui geralmente a criação; ao Filho, a redenção; ao Espírito Santo, a santificação.
Querendo instruir os Apóstolos sobre a existência e o modo de proceder do Espírito Santo, Nosso Senhor explica-lhes seu traço específico: predispor as almas não só para ouvir, mas também para conservar na lembrança os preciosos ensinamentos e as profecias do Verbo Encarnado. Por essa razão, a palavra dita pelo Filho nunca será recebida com seriedade e atenção sem o auxílio do Paráclito.
Mais do que qualquer outro, Nosso Senhor conhecia o papel da graça do Espírito Santo na santificação dos fiéis, a qual consiste no aperfeiçoamento de todas as virtudes sob a égide da caridade e do dom de sabedoria. Por isso Ele declara que “disse” aos Apóstolos tudo quanto se referia à sua futura revelação interior, enquanto o Defensor a “ensinará”. A diferença entre dizer e ensinar é compreendida com facilidade. No primeiro caso, transmite-se algo, mas com o risco de ser esquecido; no segundo, o verbo pronunciado se fixa eficazmente na memória e no coração, à semelhança do que se passava com Nossa Senhora, Esposa fidelíssima da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade (cf. Lc 2, 51).
Eis uma lição para aqueles que se dedicam às labutas apostólicas. Se não contarem com a ajuda sobrenatural, seu trabalho será um fracasso do início ao fim. Sob a luz abençoada do Consolador, ao contrário, tudo germinará, florescerá e dará frutos em abundância. Daí decorre a premente necessidade de jamais depositarmos nossa confiança nos meios e métodos humanos, mas sim na graça, sem a qual nada se alcança.
A paz de Cristo
27a “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo”.
O Espírito do Pai e do Filho é dito Amor. E o fruto do amor é a paz. Por esse motivo, Jesus afirma deixar-nos a paz e dar-nos a sua paz. Trata-se do Espírito Santo, enquanto dom, que ordena interiormente o homem com vistas à maior glória de Deus.
Seguindo Santo Agostinho,3 os medievais definem a paz como a tranquilidade da ordem, de sorte que a reta ordenação dos seres é a causa da plácida quietude a que chamamos paz. Ora, para São Tomás de Aquino,4 no homem existem três tipos de ordem. A primeira procede da concórdia entre as suas faculdades internas, ou seja, obediência da sensibilidade à razão e da submissão desta ao Criador. A segunda consiste na paz do homem com Deus. Trata-se de uma harmonia interior decorrente da serenidade da consciência reta, que está em dia com a Lei do Altíssimo: “Grande paz têm aqueles que amam vossa Lei” (Sl 118, 165). A terceira, finalmente, refere-se ao próximo, como ensina o Apóstolo na Epístola aos Hebreus: “Buscai a paz com todos e a santidade” (12, 14).
Entre os fatores que podem perturbar essa paz, encontra-se o dinamismo das más paixões, sobretudo do orgulho e da sensualidade, como ensina Dr. Plinio Corrêa de Oliveira. Por sua vez, o Doutor Angélico afirma que, para existir paz, a parte sensitiva da alma “deve ser imune à moléstia das paixões”,5 meta ousada para quem está sujeito aos clamorosos efeitos do pecado original…
Chegamos, assim, a uma simples conclusão: a paz só se mantém numa contínua guerra contra os princípios que deterioram a ordem. E então se explica a categórica declaração do Senhor: “Não vim trazer a paz, mas a espada” (Mt 10, 34), entendendo-se a paz como a ausência de contrariedade.
É preciso, pois, recorrer com frequência à oração, a fim de manter sob controle esses inimigos insidiosos, aptos a precipitar no desvario as faculdades de nossa alma. E, obtido o auxílio celeste, trata-se de travar uma luta sem trégua nem quartel contra nós mesmos, mediante a disciplina, virtude tão esquecida pela cultura hodierna, a qual se caracteriza “pela espontaneidade das reações primárias, sem o controle da inteligência nem a participação efetiva da vontade; pelo predomínio da fantasia e das ‘vivências’ sobre a análise metódica da realidade: fruto, tudo, em larga medida, de uma pedagogia que reduz a quase nada o papel da lógica e da verdadeira formação da vontade”.6
A sabedoria medieval apreciava a disciplina e a promovia com eficácia, criando as condições para se desenvolver uma cultura permeada das máximas do Evangelho. O ilustre abade Hugo de São Vítor bem o expressa em uma de suas obras: “A disciplina é a cadeia da cobiça, o cárcere dos maus desejos, o freio da lascívia, o jugo do orgulho, o grilhão da ira, que submete a intemperança, aprisiona a leviandade e sufoca todos os movimentos desordenados da mente e os apetites ilícitos. […] A disciplina coíbe o ímpeto de todos os vícios e, quanto mais reprime os maus desejos exteriores, mais os bons desejos interiores são por ela fortalecidos. Pouco a pouco, enquanto a marca da virtude se imprime na mente pelo hábito, guarda-se a compostura exterior do corpo pela disciplina. […] Esta deve ser observada em quatro pontos principais: no modo de vestir, nos gestos, na maneira de falar, no comportamento à mesa”.7 Assim, os costumes retos e a boa educação tornam-se as salvaguardas da paz de Cristo.
Cabe ainda considerar que a paz de Cristo distingue-se da pseudopaz do mundo. São Tomás8 explica que a paz dos Santos se diferencia da paz dos pecadores sob três aspectos. Antes de tudo, pela intenção. A paz dos mundanos está ordenada à fruição dos bens terrenos, que são efêmeros e instáveis, enquanto a dos Bem-Aventurados repousa sobre os bens eternos. Segue-se que a primeira é fictícia, pois os filhos do mundo, continuamente reprovados pela própria consciência, gozam de uma paz apenas exterior, enquanto a dos filhos de Deus é interior e exterior, já que eles recebem o louvor da consciência, o apreço dos bons e o afeto do Pai das Luzes. Por fim, a paz mundana é imperfeita porque o homem, ao contentar suas paixões, faz-se réu do inferno: “Não há paz para os ímpios” (Is 57, 20). A paz de Cristo, ao contrário, provém da esperança de possuir a felicidade plena para sempre.
Fica assim esclarecido o verdadeiro sentido do termo paz e evidenciado o quanto ele está a anos-luz da falsa concepção promovida pela subcultura hippie, tão difundida nos dias atuais.
Nosso general invencível é o Príncipe da Paz
27b “Não se perturbe nem se intimide o vosso coração. 28 Ouvistes que Eu vos disse: ‘Vou, mas voltarei a vós’. Se Me amásseis, ficaríeis alegres porque vou para o Pai, pois o Pai é maior do que Eu. 29 Disse-vos isso agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, vós acrediteis”.
A previsão do distanciamento do Mestre enchia os corações dos Apóstolos de perturbação e temor, sentimentos tão humanos, mas que deveriam ser vencidos pela fé. O acerto do vaticínio do Divino Profeta seria o selo de garantia de suas palavras e a causa, em boa medida, da fidelidade dos discípulos.
Ora, também a nós Nosso Senhor pede essa fé.
Jesus é o Príncipe da Paz (cf. Is 9, 5), nosso invencível General, o Cavaleiro do Apocalipse (cf. Ap 19) que comanda as coortes dos filhos da luz e dispersa os inimigos da ordem. Ele subiu aos Céus para ser glorificado pelo Pai em sua humanidade santíssima, sendo-Lhe dado poder, império e força irresistível, e nessas condições voltará com glória e majestade no dia do Juízo. Mas não só. Nosso Senhor retorna a cada vez que celebramos o Santo Sacrifício do Altar, onde Se faz Cordeiro Imolado, Senhor absoluto da História, Protetor eficacíssimo dos seus, Alimento de salvação. Nos sacrários e ostensórios O temos qual Prisioneiro de amor, que mendiga a esmola do nosso carinho e da nossa companhia. Fortalecidos por sua presença, podemos superar nossas vacilações e ver consolidados nossos bons propósitos de lutar até a morte, a fim de estabelecer em nós e ao nosso redor a verdadeira paz.
A paz de Cristo nos foi transmitida e prevalecerá de forma irreversível, porque o dom de Deus sempre vence. Não é sem razão que, em Fátima, o celeste mensageiro que se manifestou aos pastorinhos disse ser o Anjo da Paz, nome apropriado para aquele que devia preceder as aparições nas quais se anunciaria o triunfo de Jesus em Maria.
III – Amemos o Amor e teremos a verdadeira paz
“Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5, 9). A sétima bem-aventurança promete o prêmio por excelência, pois a filiação divina é a graça mais excelsa que um ser racional pode receber. O que haveria de mais elevado que ela? Como medir a grandeza de ser membro efetivo e real da família trinitária? Que dignidade supera a de pertencer à estirpe divina enquanto coerdeiro de Cristo e membro da assembleia dos Santos que clamam pelos séculos infinitos “Abbá, ó Pai” (Gal 4, 6)?
Para obter tal dádiva, porém, é preciso ser pacífico. O que isso significa? Da reflexão feita sobre o Evangelho do 6º Domingo da Páscoa, podemos tirar algumas conclusões úteis para a nossa vida espiritual.
Ser pacífico quer dizer viver no amor e na obediência a Deus, cumprindo seus sapienciais Mandamentos. Assim, o homem pacífico é antes de tudo um guerreiro destemido, inflexível e persistente, um soldado que nunca guarda sua espada na bainha, mas se mantém em estado de vigilância, sem cansaços nem relaxamentos.
Com efeito, como alcançar o domínio das paixões rebeldes sem a disciplina? É uma quimera pensar que, ao soltar seus instintos animalescos, o coração do homem torna-se livre. Ao contrário, não há escravidão mais vil e humilhante que a da concupiscência, como constatamos diariamente num mundo onde a permissividade quase não tem limites. Faz-se mister, portanto, brandir o gládio da observância com vigor.
Tampouco é tarefa fácil submeter nossa vontade caprichosa à razão iluminada pela fé, ou dobrar nossa inteligência presunçosa ante a luz da sabedoria infinita que a sobrepuja. Quanta humildade e determinação são necessárias para se obter a verdadeira paz! E quem alcançaria essa vitória sem a virtude da mansidão e da fortaleza? Tornam-se, pois, indispensáveis a ascese, o exercício espiritual, a pugna constante e feroz contra nossos critérios errados e nossos vícios.
Ademais, se sopesamos as seduções de um mundo atolado na moleza e na sensualidade, onde encontraremos forças para nos destacarmos da multidão e erguermos quase sozinhos o estandarte do idealismo? E a tudo isso se somam as tentações do demônio, nosso incansável e habilíssimo inimigo… Quem poderá, então, ser pacífico?
A solução, caro leitor, encontra-se no título deste artigo. Trata-se da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, o Amor do Pai e do Filho, o Fogo divino capaz de consumir nossas misérias e acender em nós a chama do puro amor. Sim, só a graça do Espírito Santo transformará pusilânimes em indômitos combatentes sob as ordens do Príncipe da Paz.
O Consolador nos ensinará o autêntico sentido do amor, que não consiste na satisfação de instintos descontrolados e interesseiros, mas na doação generosa e total a Deus e aos nossos irmãos. Uma vez inundados da santa caridade, seremos capazes de renunciar a nós mesmos, opor-nos ao espírito do mundo e rejeitar as sugestões pérfidas de Belial. Desse modo, nos tornaremos verdadeiramente pacíficos, submetidos ao Senhor, em dia com nossa consciência e escravos de amor do nosso próximo.
Invoquemos o Divino Paráclito com afinco e perseverança, certos de que nosso clementíssimo Pai jamais negará seu Espírito a quem Lho pedir. E roguemos a vinda de um novo Pentecostes marial, pois será por meio de Nossa Senhora que essa graça será derramada em nossos corações.
Dr. Plinio Corrêa de Oliveira assim exprimia esse anelo em uma oração por ele composta: “Maria Santíssima, Filha dileta de Deus Pai, Mãe admirável de Deus Filho e Esposa fidelíssima do Espírito Santo, nós Vos suplicamos: obtende notadamente do Paráclito que sopre com toda a majestade, toda a força, todo o calor de sua graça sobre os homens, hoje tão sujeitos ao império de Satanás, de seus anjos de perdição e dos obreiros da iniquidade que ele tem espalhados na terra. Assim serão criadas novas maravilhas de Deus e será renovada a face da terra, condição essencial para que seja autêntico, irradiante de glória e durável pelos séculos, o vosso Reino maternal sobre os homens”.
O Espírito de amor e de paz é nossa esperança, nossa única solução, nossa certeza da vitória! ◊
Notas
1 Do inglês: paz e amor.
2 Do latim: paz e bem.
3 Cf. SANTO AGOSTINHO. De civitate Dei. L.XIX, c.13, n.1. In: Obras. Madrid: BAC, 1958, t.XVII, p.1398.
4 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Super Ioannem, c.XIV, lect.7.
5 Idem, ibidem.
6 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Revolução e Contra-Revolução. 5.ed. São Paulo: Retornarei, 2002, p.75.
7 HUGO DE SÃO VITOR. De institutione novitiorum, c.X: PL 176, 935.
8 Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, op. cit., c.XIV, lect.7.
Fenomenal!!! A paz de Cristo nos foi transmitida e prevalecerá de forma irreversível, porque o dom de Deus sempre vence.
Monsenhor João sempre claro, objetivo e didático em suas colocações sobre os Santos Evangelhos.
São páginas quase que escritas à mão de anjo de tanta delicadeza e precisão.
Inspiradíssimo!!!
Quisiera dejar manifiesta toda mi gratitud por recibir la revista Heraldos del Evangelio todos los meses. La misma es de un gran apoyo espiritual para toda la familia. Es difícil hoy en día encontrar material católico de tan buena calidad; no solamente por sus fotos e ilustraciones sino también por sus artículos, entrevistas y explicación de verdades fundamentales de la Iglesia Católica.
También es muy satisfactorio ver en la sección “Heraldos por el Mundo” como vuestro apostolado crece cada día más y conquista cada vez mas corazones para Nuestra Señora y la Santa Iglesia .
Agradezco a todos los escritores, en especial a Monseñor João por los comentarios del Evangelio que son una verdadera maravilla. Muy profundos y minuciosos pero explicados con una facilidad que todo el mundo lo entienda.
Continúen con esta gran obra tan necesaria para los tiempos en que vivimos. A cambio, suplico de modo especial a la Santísima Virgen que ayude a los Heraldos a seguir evangelizando con su ejemplo, dedicación y carisma.
Leonardo Monserrat
Canelones – Uruguay