Um excelente meio de rezar bem é, a exemplo de São Simeão, tomar Nosso Senhor em nossos braços, ou seja, no âmago dos afetos de nosso coração.

 

Vejamos agora como podemos encontrar no Evangelho de hoje um excelente meio de fazer bem nossas orações. Várias pessoas se enganam enormemente, julgando precisar de muitos métodos para rezar bem. Percebe-se que costumam se afligir por tal motivo e procuram com afinco certa arte que reputam necessária para atingir esse objetivo. Em consequência, ficam constantemente esmiuçando sua própria oração, para analisar se ela é feita de forma correta. Alguns chegam a pensar que é preciso tomar cuidado para não se mexer, a fim de que o Espírito não Se afaste, como se Deus fosse delicado a ponto de preocupar-Se com os métodos e capacidades dos que fazem a oração.

Não estou afirmando que não existam regras e métodos consagrados para rezar bem. Mas não devemos nos ater de forma tão estrita a eles, nem nos apegarmos tanto que ponhamos nisto toda a nossa confiança, como se julgássemos ser suficiente pôr estas considerações à frente dos próprios afetos para tudo correr da forma adequada.

O exemplo de Simeão

Devemos, pelo contrário, saber que uma só coisa é necessária para bem fazer a oração: é ter Nosso Senhor nos braços, como São Simeão, quer dizer, nos afetos de nosso coração. Assim, nossa oração será sempre bem feita, independente de como a façamos. Sem esta condição, ela jamais poderá ser recebida por Deus.

“Ninguém vem ao Pai senão por Mim” (Jo 14, 6), disse Nosso Senhor. A oração, afirmam os Padres e Doutores, é a “elevação de nosso espírito a Deus”.1 Elevação que nunca podemos fazer por nós mesmos, mas tendo Nosso Senhor nos braços tudo se torna fácil.

E para provar isto, considerai, peço-vos, meus queridos fiéis, este santo homem, Simeão, e vede como ele fez bem sua oração, tendo Jesus nos braços: “Agora, Senhor, deixai o vosso servo ir em paz, segundo a vossa palavra. Porque os meus olhos viram a vossa salvação” (Lc 2, 29-30). Deixai agora vosso servo ir em paz, diz ele, pois viu sua salvação e seu Senhor.

Mediação indispensável de Jesus Cristo

Evidentemente, seria um extremo abuso querer excluir Nosso Senhor Jesus Cristo de nossa oração e pensar que ela pode ser bem feita sem a sua assistência, pois é indubitável que só podemos ser agradáveis ao Pai Eterno quando Ele nos olha através de seu Filho, nosso Salvador. E não só os homens, mas também os Anjos, porque, a bem da verdade, se Cristo não é seu Redentor, é seu Salvador; por Ele os Anjos foram justificados e confirmados em graça, porque Cristo a mereceu para eles, conforme está dito no Apocalipse (cf. Ap 12).

Quando olhamos através de um vidro vermelho ou violeta, tudo quanto vemos aparece a nossos olhos daquela mesma cor; assim também o Pai Eterno, olhando-nos através da beleza e da bondade de seu Filho Sacrossanto, nos achará belos e bons conforme o que Ele espera de nós. Sem este artifício, todavia, apareceremos a seus olhos como a própria feiura e a deformidade.

A oração, como afirmam os Padres da Igreja, não é senão a elevação de nosso espírito a Deus. E embora, elevando-nos a Deus, encontremos os Anjos e os Santos em nosso percurso, não elevamos a eles nosso espírito para neles nos determos, nem os temos como objetivo de nossas preces, como dizem perfidamente os hereges. Apenas lhes rogamos que unam suas preces às nossas, para fazer uma santa mistura, de sorte que, nesta mescla sagrada, as nossas sejam melhor recebidas pelo Eterno Pai, para o qual elas serão sempre agradáveis se tivermos conosco seu amado pequeno Benjamin, como fizeram os filhos de Jacó quando foram ter com seu irmão José, no Egito (cf. Gn 42–43). Isto porque se não o levarmos conosco, teremos a mesma punição com que José ameaça seus irmãos: não veriam mais a sua face, nem receberiam nada dele se não lhe trouxessem seu irmão caçula.

Apresentação de Jesus no Templo – Museus Capitolinos, Roma

Condições para receber o Menino Jesus

Ora, nosso irmão mais novo é este Divino Bebê que Nossa Senhora vem trazer ao Templo hoje, apresentando-O Ela mesma, ou por intermédio de São José, ao bom ancião São Simeão.

É bem mais provável, no entanto, que tenha sido São José e não Nossa Senhora, por duas razões: a primeira é que cabia aos varões oferecer seus filhos, por terem mais obrigação que as mães; a segunda é que, não estando ainda purificadas, as mulheres não ousavam aproximar-se do altar onde se faziam as ofertas. De qualquer modo, não importa quem seja, basta que São Simeão tome este bendito recém-nascido em seus braços, das mãos de Nossa Senhora ou de São José.

Oh, quão felizes seremos se formos ao Templo preparados para receber esta graça de obter de Nossa Senhora, ou de seu querido esposo, São José, nosso Divino Salvador! Pois, levando-O nos braços, nada mais teremos a desejar e poderemos bem cantar o cântico sagrado: “Agora, Senhor, deixai o vosso servo ir em paz, segundo a vossa palavra”. Deixai agora vosso servo ir em paz, ó meu Deus, porque minha alma está plenamente satisfeita, possuindo tudo quanto há de mais desejável no Céu e na Terra.

Consideremos um pouco as condições que nos são necessárias para obter esta graça de receber e levar nos braços Nosso Senhor, como São Simeão e Ana, a boa viúva que teve a felicidade de se encontrar no Templo no momento em que o Menino ali foi apresentado.

Primeira condição: ter Nosso Senhor nos braços

Em primeiro lugar, chamo atenção para o que diz o Evangelista, que São Simeão era “homem justo e timorato” (Lc 2, 25a). Em muitos lugares da Sagrada Escritura a palavra timorato nos dá a entender o respeito para com Deus e as coisas atinentes a seu serviço; com isso percebemos que este bom ancião era cheio de temor de Deus e reverência para com as coisas sagradas. Mas São Lucas diz ainda que ele esperava a consolação, quer dizer, a Redenção de Israel, e o Espírito Santo estava nele: “expectans consolationem Israel, et Spiritus Sanctus erat in eo” (Lc 2, 25b).

Tudo isso nos indica quatro condições essenciais para bem fazer a oração. A primeira, já o dissemos, é ter Nosso Senhor nos braços, em nossos afetos, como o bom São Simeão, sobretudo porque nisto consiste a verdadeira oração.

Segunda condição: ajustar nossa vontade à de Deus

Quanto à segunda condição, diz o Evangelista que o santo ancião era justo, ou seja, havia ele ajustado perfeitamente sua vontade à vontade de Deus, vivendo segundo sua santa Lei. Também nós, decerto, jamais seremos capazes de fazer bem a santa oração se não tivermos nossa vontade unida e ajustada à de Deus. E com frequência é isto que nos falta.

Por exemplo, vós vedes por vezes uma pessoa que vai rezar. Perguntai-lhe por que ela o faz. É, responderá ela, para pedir a Deus consolações e rogar-Lhe que a livre de tantas distrações que a importunam sem cessar durante a oração. Mas então, não quereis ajustar vossa vontade à de Deus?! Pois, entrando em oração, deveis estar resolvidos a sofrer as penas das distrações, aridezes e tédio que nela vos venham, permanecendo tão contentes como se tivésseis muita consolação e tranquilidade, visto que uma coisa é certa: vossa oração não será menos agradável a Deus, nem menos útil para vós, por ser feita com mais dificuldade, contanto que ajusteis vossa vontade à da Divina Majestade.

E, assim sendo, fareis sempre vossas orações e todas as outras coisas com utilidade para vós e de maneira agradável aos olhos de Deus, que é o que devemos desejar.

Terceira condição: viver na expectativa da perfeição

A terceira condição é que, como o bom São Simeão, devemos esperar a Redenção de Israel, quer dizer, devemos viver na expectativa de nossa própria perfeição. Oh, quão felizes são aqueles que, vivendo nesta esperança, não se cansam de esperar!

Isto é o que digo para muitos que, anelando aperfeiçoar-se pela aquisição das virtudes, quereriam tê-las de uma só vez, como se a perfeição fosse tão só o desejo. Oh, grande vantagem seria por certo se pudéssemos ser humildes tão logo o desejássemos, e se pudéssemos sem esforço nos revestir das virtudes tão facilmente como de uma vestimenta!

É preciso nos acostumarmos a buscar nossa perfeição na tranquilidade do coração, segundo as vias ordinárias, fazendo tudo quanto pudermos para adquirir as virtudes, pela fidelidade em praticá-las, cada qual segundo a própria vocação. Depois, quanto a chegar cedo ou tarde à meta desejada, permanecer na esperança, nas mãos da Divina Providência, a qual cuidará de nos consolar no tempo por Ela determinado, tal como fez com São Simeão. E por mais que possa não ser senão na hora da morte, devemos nos sujeitar.

Contentemo-nos, pois, em fazer o que está em nossas possibilidades, e obteremos a perfeição, sempre mais cedo do que desejamos, desde que a tenhamos quando a Deus aprouver no-la dar.

Quarta condição: reverência e temor de Deus

A quarta condição é ser timorato como São Simeão, ou seja, ser pleno de reverência diante de Deus no momento da oração. Ah, minhas queridas almas, qual é o respeito e a reverência com que devemos nos dirigir à Divina Majestade, em cuja presença tremem até os Anjos, que são tão puros?

Dir-vos-ei, porém, que não podemos ter em nossas orações um sentimento tal de sua presença que provoque uma grande humilhação em todas as potências de nossa alma, nem uma reverência tão sensível que faça com que ela se tenha por diminuída e rebaixada diante de Deus, no conhecimento de sua infinita grandeza e de nossa extrema pequenez e indignidade.

Oh, decerto, para o temor de Deus não é necessário ter este sentimento! Basta ter esta reverência na vontade e parte superior de nossa alma. Quanto faz bem ver a veneração com que São Simeão tinha Nosso Senhor em seus braços, pois ele conhecia a soberana dignidade d’Aquele a quem carregava!

O Espírito Santo não habita num coração fingido e dissimulado

Ressalto, ademais, que está dito que o Espírito Santo estava em São Simeão e nele fazia a sua morada: “et Spiritus Sanctus erat in eo”. Por isso mereceu ele ver Nosso Senhor e levá-Lo em seus braços.

Da mesma forma, precisamos dar lugar ao Espírito Santo em nós, se queremos que Nossa Senhora ou São José nos entregue para tomar e segurar em nossos braços o Divino Salvador de nossas almas, de quem procede e em quem consiste toda a nossa felicidade, já que apenas por seu intermédio e favor podemos ter acesso a seu Pai Celeste. Mas que precisamos fazer para dar, em nós, lugar ao Espírito Santo?

Eu derramarei meu Espírito sobre todo ser vivo, diz Deus ao profeta Joel: “effundam Spiritum meum super omnem carnem” (Jl 3, 1). O Espírito Santo foi derramado sobre toda a Terra, diz o Sábio, no primeiro capítulo do Livro da Sabedoria: “Spiritus Domini replevit orbem terrarum” (1, 7). No mesmo lugar, todavia, está dito que Ele não habita num coração fingido e dissimulado: “Spiritus enim Sanctus disciplinæ effugiet fictum” (1, 5).

Grande fato! Que o Espírito Santo não ponha nenhuma reserva em fazer em nós sua morada; que não encontre em nossos corações aquele fingimento, artificialismo e dissimulação. Tais defeitos impedem que o Divino Consolador resida em nossas almas e as cumule com suas graças e favores celestiais. Precisamos ser simples, sem artifícios nem dissimulação, se queremos que Ele venha a nós, e depois d’Ele Nosso Senhor. Porque o  sor de nosso Salvador, Jesus Cristo. E como o Espírito Santo procede d’Ele enquanto Deus, desde toda a eternidade, parece querer Lhe retribuir com a inversão: Nosso Senhor procedendo do Espírito Santo enquanto Homem.

Apresentação de Jesus no Templo, por Bartolo di Fredi – Museu do Louvre, Paris

Prêmio eterno: ser levado nos braços do Senhor

Que poderemos ainda dizer senão que, tendo o Espírito Santo em nós nesta vida passageira e mortal, tendo grande respeito e reverência diante da Divina Majestade, esperando com submissão a chegada de nossa perfeição e ajustando do melhor modo possível nossa vontade à de Deus, nós teremos, sem nenhuma dúvida, a felicidade de portar Nosso Senhor nos braços, como o bom São Simeão. E, por meio desta graça, faremos muito bem nossa oração.

Não obstante, como condição prévia é preciso imitar com fidelidade Nosso Senhor e Nossa Senhora na prática de uma perfeita obediência, fundada numa profunda, verdadeira e sincera humildade, como o temos dito.

E, depois disso, nada mais teremos a fazer além de cantar com São Simeão: “Nunc dimittis servum tuum, Domine”. Deixai agora, Senhor, vosso servo ir em paz para o gozo da vida eterna, na qual vossa bondade nos levará eternamente em vossos braços, em troca de Vos termos levado nos nossos durante o curso desta vida mortal. Assim seja.²

 

Excertos do Sermão para o dia da Purificação de Nossa Senhora.
In:
Œuvres”. Paris: Société Générale de Librairie Catholique, 1881, t.VI, p.17-26

 

Nota


1 SÃO JOÃO DAMASCENO. De fide orthodoxa. L.III, c.24.

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