Ao contemplar um panorama marítimo em dia de calmaria, com os poderosos raios do astro-rei incidindo sobre ondas suaves e uniformes, fácil é ignorar a vida existente nas profundidades do oceano.

Nós, as pérolas, moramos embaixo das águas, em lugares onde há uma obscuridade quase completa. Pois ainda que o lugar em que habitamos esteja banhado pela luz, permanecemos sempre fechadas no interior das nossas respectivas ostras.

Assim ocorria também comigo. Monótona transcorria a minha existência, até que certo dia senti um chacoalhão e, muito espantada, percebi que a sólida couraça que me protegia cedia a uma força superior.

De repente, intenso clarão pervadiu o meu entorno. Fiquei ofuscada por alguns instantes até que, acostumando-me com a luz, avistei por primeira vez um homem… Era um pescador. Oh! Quanta alegria senti ao comprovar o desvelo com que me tratava.

Ele me retirou com delicadeza do interior do molusco, lavou-me cuidadosamente e me acomodou em uma bela caixa de veludo, onde permaneci à disposição de quem quisesse me comprar. Olhando ao meu redor, percebi que não estava sozinha: muitas outras pérolas, das mais variadas cores e tamanhos, achavam-se ao meu lado.

Dentre elas, uma atraiu especialmente a minha atenção por parecer-se comigo. Logo fizemos amizade e, por sermos simples pérolas brancas, ficamos extasiadas com a extraordinária beleza das demais: haviam umas poucas pérolas negras – mais raras e por isso, como soube depois, mais caras –, algumas azuis e outras cor-de-rosa.

Passaram-se os dias e percebemos que uma grande multidão de seres humanos, entre eles nobres senhoras, nos fitava e tocava encantada, como se fôssemos verdadeiras raridades. Vendo as ilustres damas cruzarem por lá com colares feitos de outras pérolas, aumentamos o número das nossas amigas.

Minha companheira, porém, muitas vezes não participava da nossa alegria, e pensava:

— Por que estou neste lugar? Estas pérolas negras e azuis, por sua raridade, possuem um valor muito superior ao meu. Sinto-me constrangida ao observar que os olhos humanos brilham mais ao vê-las do que ao me fitar.

Tais reflexões, meus amigos, faziam essa pobre pérola não só invejar as qualidades alheias, mas também revoltar-se contra quem lhe trouxera à luz. Um dia, por exemplo, ela me disse:

— Cara companheira, você não vê quão insignificantes somos? De que vale permanecermos aqui, entre as outras? Voltemos ao oceano, aos lugares em que os raios de sol não chegam, e seremos as estrelas do fundo do mar! Lá embaixo não haverá ninguém superior a nós. Sem luz para nos iluminar, poderemos nos imaginar negras, azuis, rosas, douradas ou verdes… O que você quiser!

Ela dizia isso ao mesmo tempo emocionada e enfurecida, como nunca a vira antes. Confesso que fiquei bastante assustada, e percebi que minha pobre amiga havia se deixado tomar por uma ilusão, fruto de sua inveja. Quanto mais eu ­procurava ­ajudá-la, mais distante de mim ela se tornava.

Aprendi, então, que cada pérola tem um valor único aos olhos do pescador, seja ela negra, azul, rosa ou dourada

Notei que continuava pensativa, porém não voltou a tocar no assunto durante vários dias. Uma tarde, o pescador aproximou-se para tomar certa pérola rosa que uma distinta senhora queria comprar. Nesse instante, vi que minha amiga se mexeu, como se algo a incomodasse. Perguntei-lhe discretamente se estava bem e se alguma coisa a havia contristado, pois há semanas permanecia calada. Ela, então, me respondeu:

— Não se preocupe. É que cada vez que avisto o pescador sinto uma forte repulsa em meu interior. Ele é a causa de todas as minhas desgraças. Foi ele quem me trouxe para esse lugar, tirando-me a liberdade de ser aquilo que quero!

Ao ouvir isso, não aguentei! Seus argumentos eram uma declaração de burrice. Como podia dizer que o pescador tinha lhe tomado a liberdade quando, muito pelo contrário, fora ele que a libertara da prisão da ostra, levando-a à luz?!

Passaram-se os tempos e, apesar de minha companheira não ter me dirigido mais a palavra, eu ainda me preocupava com ela. Observando-a reparei que, de branca que era, iase tornando amarelada e rugosa. Até que um dia percebi ter ela tomado o aspecto de um pedregulho! Algo já não nos unia; não era mais uma das nossas.

Vendo aquele insignificante objeto ocupando a linda caixa de veludo no lugar da admirada gema que antes ali havia, o pescador ficou triste. A presença de algo tão banal junto a suas preciosas pérolas quebrava a beleza e harmonia do conjunto. Não sem pesar, lançou-a no fundo do mar novamente!

Nesse instante, pensando na dor que sentia o pescador ao imaginar que todo o seu trabalho por minha irmã havia sido infrutífero, duas grossas lágrimas rolaram pela minha face. E meu pobre coração clamou, entre soluços:

“Oh, banal pedregulho! De pérola luminosa que eras, ficaste escuro, apagado, e voltaste para o leito do oceano. Quanto valor possuías, quantas coroas de reis ou diademas de rainhas poderias ter ornado e, entretanto, preferiste cair nas trevas do fundo do mar, onde não há luz que realce qualquer beleza”.

De repente, um intenso clarão pervadiu meu entorno; fiquei ofuscada…

Tudo isso se deveu, meus amigos, a que aquela pérola infeliz, minha antiga companheira, não quis reconhecer o grande apreço do pescador por cada uma de nós e, vendo o carinho por ele demonstrado às outras, encheu-se de inveja.

Pobre pérola! Quantas vezes ele corria para limpá-la da mais simples manchinha, por receio de ver seu brilho – que ele tanto admirava – menos intenso! Em inúmeras ocasiões o vi se aproximar pé ante pé para observá-la, notando seu semblante toldar-se pela preocupação ao constatar sua decadência.

Aprendi, então, que cada pérola tem um valor único aos olhos do pescador, e que por cada uma ele está disposto a fazer tudo. Se minha irmã tivesse acreditado nisso, não teria sofrido aquele fim… Porque o melhor remédio para a inveja é considerar o amor que ele deposita em nós.

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