O mérito de uma ação não está na dificuldade em executá-la ou no sofrimento que ela produz, mas sim na intenção com que é realizada. Quando feitos por amor a Deus, os atos mais singelos e corriqueiros tornam-se de grande valor.

 

“Quando compreenderás que a virtude não está em comer cebola, mas em comer cebola por amor a Deus?”1

Tão singular consideração soará, sem dúvida, estranha aos nossos ouvidos. Pois como alguém poderá alcançar a santidade comendo cebola ou, quem sabe, descascando nabos? Entretanto, sua autoria pertence a um jovem religioso venerado como Santo pela Igreja: o Ir. ­Rafael ­Arnáiz Barón.

Com essa frase ele nos ensina que o mérito de um ato está, sobretudo, na intenção com que é realizado.

Exterior da Abadia de Santo Isidro de Dueñas, em Palência (Espanha); onde se encontra o túmulo de São Rafael Arnáiz (em destaque)

A santidade não está nos atos externos

“A intenção pode modificar radicalmente a natureza de um ato”,2 ensina-nos a doutrina católica. Desse modo, acrescenta o santo trapista logo após a frase acima citada: “A santidade não está nos atos externos, senão na intenção interna de qualquer ato”.3

Atos considerados neutros e corriqueiros às vistas humanas, revestem-se de imenso valor se direcionados à glória do Altíssimo. Por esse motivo, afirma São Rafael: “Não são necessárias grandes coisas para ser grandes Santos, basta fazer grandes as coisas pequenas. […] Deus pode me fazer Santo tanto descascando batatas, quanto governando um império”.4

Às vezes julgamos que o mérito de uma ação apresenta proporção direta com a dificuldade que temos ao realizá-la ou com o tamanho do sacrifício a que ela nos obriga, mas equivoca-se quem assim pensa. O sofrimento, em si mesmo, não é termômetro de santidade.

Uma pessoa poderá padecer de um terrível e doloroso câncer, sendo obrigada a ficar dias ou meses num hospital, abandonada por aqueles que lhe são mais caros; mas se não suportar esses tormentos por amor a Deus, eles de nada lhe valerão. Pior ainda, se vier a revoltar-se diante da situação em que se encontra, tais sofrimentos ser-lhe-ão até motivo de condenação.

Deus aceita nossas fraquezas como se fossem virtudes

O valor sobrenatural de nossas ações depende, portanto, da intenção com que as executamos.

O Criador penetra o interior de cada alma e nada Lhe pode escapar, porque “o homem vê a face, mas o Senhor olha o coração” (I Sm 16, 7). E Ele Se regozija quando nota que uma de suas criaturas aproveita os pequenos desgostos da vida para, por meio deles, alcançar a bem-aventurança.

“Deus fica satisfeito com qualquer oferta, desde que seja feita de coração inteiro”.5 Aceita com agrado até o próprio nada. Por isso proclama São Rafael: “Ofereci ao Senhor a minha pobreza absoluta, a minha alma vazia. Procurei cantar-Lhe o cântico de quem só misérias pode oferecer. Mas não importa, pois as misérias e fraquezas oferecidas a Jesus por um coração verdadeiramente cheio de amor, são aceitas por Ele como se fossem virtudes”.6

Quantas ocasiões nos são assim oferecidas para conquistar o Céu!

São Rafael Arnáiz, com hábito de trapista

É-nos pedido muito pouco para alcançar o Céu

Certo dia encontrava-se São Rafael trabalhando na cozinha quando, repentinamente, uma luz penetrou-lhe a alma impelindo-o a exclamar: “O que faço eu, Virgem Santa? Descascar nabos! Descascar nabos… para quê? E o coração pulando no peito contestou-lhe sem refletir: Eu descasco nabos por amor a Cristo!”7

Veio-lhe então uma paz muito grande no mais fundo da alma, acompanhada pela ideia: “O mero fato de pensar que no mundo se possa fazer das menores ações da vida, atos de amor a Deus; que o fechar ou abrir um olho em seu nome, nos pode levar a obter o Céu; que descascar nabos por vedadeiro amor a Deus, pode dar tanta glória a Ele e a nós tantos méritos, como a conquista das Índias; […] é algo que enche a alma de alegria!”8

E concluiu: “Na realidade para ganhar o Céu nos é pedido muito pouco”,9 pois, como afirma Santa Teresinha do Menino Jesus, Deus “olha mais para a intenção do que para o valor da ação”.10

Pequenos atos acompanhados de grandes intenções

Poucos são os que têm por missão conquistar impérios para o Reino de Deus, raras são as vocações destinadas a guiar países ou povos. Mas não pensemos que, por não sermos chamados a isso, estamos impedidos de alcançar um alto lugar no Céu, bem perto do Imaculado Coração de Maria e do Sagrado Coração de Jesus.

“Nada somos e nada valemos; com a mesma facilidade com que nos afogamos na tentação, voamos cheios de consolo ao sentirmos o menor toque do amor divino”,11 ­observa São Rafael.

Ofereçamos a Nosso Senhor, pelas mãos da Santíssima Virgem, todos os nossos atos, ainda que pequenos, acompanhando-os de excelentes e grandes intenções! Eles se assemelharão ao óbolo da viúva mencionada na Sagrada Escritura (cf. Mc 12, 41-44). Tendo lançado no cofre do Templo apenas duas moedinhas, ela mereceu ser elogiada pelo próprio Deus e recebida no Paraíso. Havia dado tudo o que possuía, por amor! 

 

Notas

1 SÃO RAFAEL ARNÁIZ BARÓN. Escritos, n.1170. In: Obras Completas. 6.ed. Burgos: Monte Carmelo, 2011, p.954.
2 BOULENGER, A. Doutrina católica. Manual de instrução religiosa. Moral. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980, t.II, p.16.
3 SÃO RAFAEL ARNÁIZ BARÓN, op. cit., p.954.
4 Idem, n.790, p.712.
5 SÃO RAFAEL ARNÁIZ BARÓN. Escritos por temas. 2.ed. Burgos: Monte Carmelo, 2000, p.553.
6 Idem, ibidem.
7 SÃO RAFAEL ARNÁIZ BARÓN, Escritos, op. cit., n.787, p.710.
8 Idem, p.710-711.
9 Idem, n.789, p.711.
10 SANTA TERESINHA DO MENINO JESUS E DA SAGRADA FACE. História de uma alma. 27.ed. São Paulo: Paulus, 2010, p.268.
11 SÃO RAFAEL ARNÁIZ BARÓN, Escritos, op. cit., n.788, p.711.
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