Esse menino, belo aos olhos de Deus, fez de Israel um povo, uma religião em marcha, perfilado em torno de sua lei como um exército guiado por sua bandeira. O Senhor lhe exigia apenas, em meio às provas, uma fé inquebrantável em sua palavra.
Por grandes padecimentos passou o povo eleito na terra do Egito, até Deus, em sua infinita misericórdia, enviar um varão para libertar os seus do jugo da escravidão.
Após a morte de José, subiu ao trono do Egito um novo faraó, que escravizou os israelitas e tornou sua vida amarga. Este soberano, vendo o grande crescimento dos hebreus, receou que viessem a se unir a algum inimigo em caso de guerra; por isso, ordenou às parteiras que matassem os meninos desse povo logo ao nascerem. Ao saber que elas, por temor a Deus, não cumpriam suas ordens, decretou que se lançassem no Rio Nilo todos os recém-nascidos do sexo masculino.
Aqui começa a epopeia – encantadora e toda especial – desta criança “bela aos olhos de Deus” (cf. At 7, 20), predestinada a libertar o povo eleito da opressão no Egito e levá-lo à terra da promessa, onde mana leite e mel.
Naquela época… nasceu Moisés
A mãe deste pequenino conseguiu mantê-lo escondido por um tempo das autoridades. Porém, não podendo mais ocultá-lo, certo dia deixou-o em uma cesta às margens do Nilo, perto do local onde a filha do faraó costumava se banhar. E uma das irmãs do menino ficou observando a certa distância.
O plano foi perfeito: quando a princesa ouviu o choro da criança, mandou que pegassem a cesta. Ao abri-la, viu o formoso infante e, tomada de compaixão, mandou que lhe buscassem uma ama. Entrou em cena a irmã, que conseguiu que a própria progenitora recebesse a incumbência de criar o bebê… Depois de um tempo, foi ele entregue à filha do faraó, que o considerava como filho. Ela deu-lhe o nome de Moisés, que significa “eu o tirei das águas”.
Era o primeiro lance providencial da existência deste menino que se tornaria o libertador de Israel, e o amigo de Deus por excelência.
Um caminho sinuoso e cheio de obstáculos
Longa é a narração das vicissitudes pelas quais passou esse varão providencial, “uma vida de tragédias, com alguns episódios dulcíssimos, sucedidos, logo depois, por novas tragédias”.1
Varão escolhido por Deus, fez de Israel “um povo ao qual revelou o nome do Senhor, e deste povo uma religião em marcha, perfilada ao redor de sua lei, como um exército ao redor de uma bandeira”,2 tendo de sofrer muito para cumprir sua missão.
No conforto da vida cortesã dos egípcios, Moisés não se esqueceu de seus compatriotas, comparando sempre sua feliz situação com o sofrimento de seus irmãos hebreus. Uma circunstância delicada o forçou a fugir da jurisdição do faraó em direção às estepes de Madiã. Ali constituiu família, casando-se com a filha de um pastor da região.
Enquanto se dedicava a cuidar do rebanho do sogro, muitas vezes lhe passava pela mente o desejo de libertar seus irmãos israelitas do jugo cruel a que estavam submetidos.
Conforme comentava Dr. Plinio Corrêa de Oliveira,3 pode-se dizer que a história de Moisés foi como a trajetória de um “rio chinês” que vai e volta em seus meandros, parecendo sempre retornar ao ponto de origem, mas que depois encaminha-se de novo ao seu destino, como uma estrada sinuosa e difícil. Foi assim que transcorreram os quarenta anos de travessia do deserto.
Chamado e missão no “monte de Deus”
As Sagradas Escrituras contam que, após a morte do faraó, os israelitas, sofrendo sob o jugo da escravidão, gritaram a Deus. Ouvindo seus gemidos, o Senhor fez-Se conhecer a Moisés na sarça ardente, lembrando de sua Aliança com Abraão, Isaac e Jacó.
Quando apascentava o rebanho no Monte Horeb, o “monte de Deus”, Moisés aproximou-se de uma sarça ardente que não se consumia. Ouviu então uma voz: “Vendo o Senhor que ele se aproximou para ver, chamou-o do meio da sarça: ‘Moisés, Moisés!’ ‘Eis-me aqui!’, respondeu ele. E Deus: ‘Não te aproximes daqui. Tira as sandálias dos teus pés, porque o lugar em que te encontras é uma terra santa. […] Vai, Eu te envio ao faraó para tirar do Egito os israelitas, meu povo” (Ex 3, 4-5.10).
Inicia-se assim um relacionamento direto entre o próprio Deus e seu escolhido, seu patriarca, seu profeta, seu legislador. E é interessante notar que o Criador comunica a razão de sua aparição, primeiro identificando-se como “o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó” (Ex 3, 6a), para então revelar que escutara os clamores dos israelitas e que incumbia Moisés da missão de conduzi-los à terra prometida. Este cobrira o rosto, porque tinha medo de olhar para o Senhor (cf. Ex 3, 6b).
“Não acreditarão em mim nem ouvirão a minha voz”
Entretanto, Moisés ainda reluta alegando sua insignificância e a incredulidade dos seus. Oh, abismo de misericórdia! Infundindo ânimo em seu enviado, Deus mesmo garante que estará com ele para o cumprimento dessa missão.
Moisés obtém, inclusive, a revelação do próprio nome do Senhor: “Assim falarás aos israelitas: é Javé, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó, quem me envia junto de vós. Este é o meu nome para sempre, e é assim que me chamarão de geração em geração” (Ex 3, 15).
Moisés não acreditava que sua missão fosse exequível, motivo pelo qual insinuava a necessidade de que maravilhas ocorressem para convencer o povo. Como garantia, Deus lhe concede poderes de taumaturgo, ordenando-lhe que realize prodígios inauditos. Percebe-se aqui a grandiosidade de seu chamado: ser um profeta, arauto do Senhor.
“O profeta é o representante de Deus, o porta-voz da palavra do Altíssimo. Sobretudo quando se trata do profetismo oficial, de um homem mandado por Deus e cuja missão era garantida com milagres, e que falava oficialmente em nome do Criador, como o embaixador fala oficialmente em nome de seu rei. Evidentemente isso é uma altíssima situação, uma altíssima missão”.4
Apesar dos sinais recebidos, Moisés não se considerava digno do chamado, e por isso continua objetando. Sua atitude, porém, dá ensejo para Deus intensificar as mostras de afeto por seu escolhido: “Vai, pois, Eu estarei contigo quando falares, e ensinar-te-ei o que terás de dizer” (Ex 4, 12).
Relutante, ele persiste na recusa, pedindo que outro seja enviado no seu lugar. Diante dessa nova rejeição acende-se a ira do Senhor contra Moisés, ordenando-lhe que fosse seu irmão Aarão quem falasse ao povo no seu lugar: “Ele te servirá de boca e tu lhe servirás de Deus” (Ex 4, 16).
Assim como os profetas dão voz às palavras do Altíssimo, Aarão seria a “boca” de Moisés.
Enfrentamentos com o faraó e as primeiras provas
Vencida a obstinação do profeta, Deus lhe ordena que tome seu cajado, pois seria este o instrumento com que realizaria prodígios.
Finalmente, com a sagrada responsabilidade de um mandado tão grandioso e munido da força advinda do próprio Deus, o eleito do Senhor obedece e volta ao Egito para cumprir sua missão, aos oitenta anos de idade.
Ele se apresenta ao faraó, que de pronto recusa-se a atender ao pedido de liberdade para o povo hebreu e, por ódio, aumenta o já árduo trabalho dos israelitas. Era o prelúdio de muitos outros obstáculos que Moisés enfrentaria no caminho para a terra prometida.
Uma vez mais, Deus promete intervir com sua mão poderosa. Do povo eleito exigia somente, em meio às provas, uma fé inquebrantável em sua palavra.
O coração do faraó permaneceu endurecido
No contato com o faraó deram-se momentos de indecisão e de confronto. “Houve então a conhecida luta entre os Anjos, que praticavam milagres por ordem do Altíssimo, e os demônios que, através dos magos egípcios, imitavam os prodígios de Moisés”.5
Na corte é pedido a Moisés que realize algum portento, e Aarão joga sua vara, que se transforma em serpente. Os magos do Egito, por ordem do faraó, fazem o mesmo com seus feitiços, mas o cajado de Moisés devora todos os outros. Porém, o coração do chefe da nação egípcia permaneceu endurecido.
Diante de tais milagres e prodígios, o que deveria ter feito o povo eleito? Não permanecer indiferente à sua situação, mas aguardar com o coração cheio de esperança uma intervenção do Deus onipotente, que assim manifestava seu poder por meio do profeta.
Intervenção de Deus através de Moisés
O Livro do Êxodo narra que nove pragas se abateram sobre o país. As águas do Nilo tornaram-se cor de sangue, sapos invadiram até o leito real, moscas numerosíssimas tomaram suas casas e suas terras, uma peste matou seus animais, aparecem úlceras em toda a população egípcia; além disso, uma violenta chuva de granizo misturado com fogo e três dias de escuridão aumentaram o sentimento de terror dos egípcios. Tudo isso executado através da mão taumaturga de Moisés.
Depois de cada um destes prodígios se realizar, o faraó despedia Moisés com uma recusa absoluta a dar liberdade ao seu povo. Diante de tal resistência, o profeta anuncia-lhe um formidável castigo: viria uma décima praga, a mais terrível e misteriosa de todas.
A grave mensagem que Deus então dirigiu ao povo, através do Profeta, é relatada nas Sagradas Escrituras nos seguintes termos: “Pela meia-noite passarei através do Egito, e morrerá todo primogênito na terra do Egito, desde o primogênito do faraó, que deveria assentar-se no seu trono, até o primogênito do escravo que faz girar a mó, assim como todo primogênito dos animais” (Ex 11, 4-5).
E houve grande clamor no Egito, porque não havia casa em que não houvesse um morto. Como efeito de castigo tão drástico, o faraó deixou os hebreus partirem para o destino reservado amorosamente por Deus aos seus eleitos.
Antes do amanhecer, o povo pôs-se a caminho, formando uma grande multidão. Dr. Plinio bem comentava: “Que cena majestosa! Os judeus ficaram a noite inteira acordados, e os egípcios, humilhados, esmagados por um poder sobrenatural, deixaram sair de madrugada esses homens que para eles eram animais de carga”.6
A resistência de seu próprio povo
Não dura muito a aparente tranquilidade: arrependido por ter perdido quem o servisse de graça, o faraó se lança atrás dos filhos de Israel, gerando entre eles um inaudito temor.
Como se não bastasse, Moisés começa a enfrentar a resistência do seu próprio povo: “Oxalá tivéssemos sido mortos pela mão do Senhor no Egito, quando nos assentávamos diante das panelas de carne e tínhamos pão em abundância! Vós nos conduzistes a este deserto, para matardes de fome toda esta multidão” (Ex 16, 3). Com tamanha ingratidão, esqueciam-se da aliança que Deus fizera com eles.
Ante tais críticas, injustas e descabidas, o profeta permanecia dócil e os encorajava a confiarem n’Aquele que os tinha congregado. Também aí se evidencia a atuação dos varões eleitos de sempre conduzirem ao Altíssimo aqueles que seguem seus ensinamentos.
Abundância de milagres
É neste contexto de incorrespondência à graça por parte da nação escolhida que se dá o conhecido milagre da passagem pelo Mar Vermelho.
Quando os egípcios encurralaram o povo junto às margens do referido mar, Moisés estendeu o cajado sobre suas águas, que se dividiram. O povo, então, atravessou-o a pé enxuto, e quando os soldados egípcios partiram ao encalço da multidão em fuga, o profeta estendeu a mão novamente e as águas se fecharam, precipitando-se sobre o exército do faraó e submergindo-o.
Ora, estava nos planos de Deus uma longa peregrinação, que levaria Israel, esse povo de dura cerviz, a convencer-se definitivamente da sua eleição. E para os compenetrar da aliança com ele estabelecida, Deus vai fazer se multiplicar os milagres realizados através de Moisés.
Já no deserto dá-se outro esplendoroso sinal, pré-figura da Eucaristia: o maná, o pão descido do céu. Também as codornizes que miraculosamente cobriram o acampamento dos israelitas, depois de estes terem reclamado da falta de carne, ou a rocha que se tornou fonte de água ao toque do cajado de Moisés e a vitória contra os amalecitas alcançada pela intercessão do profeta são episódios da peregrinação no deserto que atestam a generosidade com que a Providência cercou aqueles a quem chamava para ser seu povo.
Apesar da realização de tantas maravilhas, a falta de fidelidade dos hebreus se repetia.
O poder da intercessão do profeta
Chegando aos pés do Monte Sinai, “lugar estranho, de grandeza fantástica, digno palco para a revelação do Deus das forças”,7 o Senhor, que se comunicava com Moisés como a um amigo, fala-lhe “face a face” (cf. Dt 34, 10).
Com a alma pervadida de uma fé que o transforma, lá Moisés recebe as Tábuas da Lei, escritas pelo próprio Deus, e com elas todo um conjunto de prescrições legais, morais e rituais.
Contudo, vendo que Moisés tardava a descer da montanha, os israelitas pediram a Aarão que fizesse um “deus” que marchasse à frente deles. Constata-se aqui a ingratidão e a perversidade deste povo tratado com tanto zelo e carinho por Deus e, por que não dizer, pelo profeta.
Descortinava-se mais uma perplexidade ao grande condutor da nação eleita: ela, por infidelidade a Deus e à própria pessoa de Moisés, retornava à idolatria. Eis outra curva do “rio chinês” na vida do varão providencial…
É nesse trágico panorama que Deus pede a Moisés que permita que seu santo furor caia sobre os prevaricadores: “Deixa, pois, que se acenda minha cólera contra eles e os reduzirei a nada; mas de ti farei uma grande nação” (Ex 32, 10).
O povo havia materializado um deus para si, rompendo a aliança. Por isso, deixaram de ser almas escolhidas. Note-se, todavia, que Deus não se esquece do compromisso firmado com o justo: em consideração a Moisés, o Criador como que Se rebaixa, pedindo “permissão” para fazer justiça.
Mas o eleito não se esquece dos seus! E Moisés intercede por eles dizendo a Deus: “Não é bom que digam os egípcios: com um mau desígnio os levou, para matá-los nas montanhas e suprimi-los da face da terra! Aplaque-se vosso furor, e abandonai vossa decisão de fazer mal ao vosso povo” (Ex 32, 12).
A ele fora prometida posteridade fecunda, com a constituição de uma grande nação; entretanto, é pela honra de Deus que intercede por quem não merecia: “à sua carreira, Moisés preferiu a sua missão”.8
Narra-se que, com a intervenção de Moisés, o Senhor Se arrepende das ameaças feitas contra Israel e, renovada a aliança, promete realizar maravilhas: “Diante de todo o teu povo farei prodígios como nunca se viu em nenhum outro país, em nenhuma outra nação, a fim de que todo o povo que te cerca veja quão terríveis são as obras do Senhor, que faço por meio de ti” (Ex 34, 10).
Nunca mais houve em Israel um profeta como Moisés
Aos profetas, homens eleitos para intervirem no curso da História, Deus dá graças especialíssimas para a realização de missões específicas. É o que se constata ao acompanhar os lances da vida do grande condutor do povo de Israel, que, segundo narrações bíblicas, supera todo profeta (cf. Dt 18, 15.19; Nm 12, 2).
Moisés sempre será a representação da Lei, o grande legislador. Juntamente com Elias, símbolo da profecia, na hora da Transfiguração faz guarda de honra ao Deus feito Homem, o Messias esperado.
Portanto, através deste varão especialmente eleito vê-se a atuação providencial dos profetas, que intercedem junto a Deus pelo povo, mesmo que pecador. Se isso acontecia no Antigo Testamento, quando se preparava a vinda do Messias esperado, quanto mais não há de ocorrer nos nossos tempos, em que a humanidade decaída se afasta cada vez mais da verdadeira Igreja fundada por Nosso Senhor.
Assim, enquanto peregrinarmos pelas áridas terras da descrença, peçamos a Nossa Senhora que nos faça reconhecer os varões eleitos por Ela para guiar seus filhos à terra prometida: o triunfo esplendoroso do seu Sapiencial e Imaculado Coração! ◊
Notas
1 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência. São Paulo, 21 out. 1971.
2 FROSSARD, André. Moisés. In: Historia. Paris. N.289 (dez., 1970); p.56.
3 Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Moisés, pré-figura do Redentor. In: Dr. Plinio. São Paulo. Ano VIII. N.90 (set., 2005); p.23.
4 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Nobreza e lógica de São José. In: Dr. Plinio. São Paulo. Ano XVIII. N.204 (mar., 2015); p.26.
5 CORRÊA DE OLIVEIRA, Moisés, pré-figura do Redentor, op. cit., p.26.
6 Idem, p.27.
7 Cf. DANIEL-ROPS, Henri. O povo bíblico. 2.ed. Porto: Tavares Martins, 1955, p.100.
8 Idem, p.84.