Neste tão significativo dia em que recordamos a primeira aparição de Maria Santíssima em Lourdes, elevemos também nós ao Senhor, com suas próprias palavras, o hino de júbilo e de gratidão: “Sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que O temem!” (Lc 1, 50). […]
A primeira leitura nos propõe uma reflexão sobre as palavras do profeta Isaías que, durante o exílio, confortava o povo de Israel com a expectativa do retorno a Jerusalém, a Cidade Santa, e com a certeza de que, apesar de todas as dolorosas vicissitudes pelas quais ele havia passado, Deus não tinha abandonado o povo da aliança e continuava sendo sempre sua alegria e seu conforto: “Como uma criança que a mãe consola, em Jerusalém sereis consolados. Vós a vereis e vosso coração se alegrará” (Is 66, 13-14).
Recordando as aparições de Nossa Senhora em Lourdes, podemos aplicar também a nós e à nossa história as palavras do antigo profeta: Deus quis que Maria Santíssima aparecesse dezoito vezes à pequena Bernadette, de 11 de fevereiro a 16 de julho de 1858, para deixar uma mensagem de consolação e de amor à Igreja e a toda a humanidade.
O sentido da vida na terra é sua orientação rumo ao Céu
Com efeito, há nessas aparições um significado que permanece sempre válido, e que devemos conservar como uma preciosa herança. Em meados do século passado, enquanto se alastravam insidiosamente o racionalismo e o ceticismo, Maria, Aquela que acreditou na palavra do Senhor, vinha ajudar e confirmar na autêntica e genuína Fé cristã a família dos crentes.
Em Lourdes, Maria recordou ao mundo que o significado da vida na terra é a sua orientação rumo ao Céu. Como o povo de Israel, também a humanidade se encontra em caminho, e sua meta é a Jerusalém Celeste. As palavras do profeta Isaías valem para os homens de todos os tempos, são atuais também para nós: “Em Jerusalém sereis consolados”. A perene tentação do homem, uma tentação que o progresso hodierno torna singularmente sutil e aliciante, é a de circunscrever à terra todas as expectativas, concentrando seus esforços na construção de uma morada terrena cada vez mais segura e confortável.
Por certo, a Fé não condena o empenho em melhorar as condições de vida na terra. Pelo contrário, ela ensina que tal empenho deve ser visto e interpretado na perspectiva da tarefa de dominar a terra, confiada por Deus ao homem já no início de sua história. O que a Fé não admite é que a etapa terrena seja considerada pelo homem como sendo a fase definitiva de sua existência, pois ela não é senão uma fase provisória, a ser vivida em função do verdadeiro ponto de chegada, situado além do tempo, no âmbito da eternidade.
Nossa Senhora veio a Lourdes falar do “Paraíso” ao homem para que este, embora empenhando-se ativamente na construção de um mundo mais justo e acolhedor, não se esqueça de elevar seus olhos ao Céu para haurir conselho e esperança.
O valor redentor da dor
A Santíssima Virgem veio também recordar-nos o valor da conversão e da penitência, reapresentando ao mundo o núcleo da mensagem evangélica. Disse Ela a Bernadette, na aparição de 18 de fevereiro: “Prometo fazer-te feliz, não neste mundo, mas no outro”. Convidou-a em seguida a rezar pelos pecadores, e no dia 24 de fevereiro repetiu três vezes: “Penitência, penitência, penitência!” Maria aponta e sublinha em Lourdes a realidade da redenção da humanidade do pecado, por meio da cruz, ou seja, do sofrimento. O próprio Deus feito Homem quis morrer, inocente, cravado numa cruz!
Em Lourdes, a Virgem ensina o valor redentor da dor; dá coragem, paciência, resignação; ilumina sobre o mistério de nossa participação na Paixão de Cristo; eleva o olhar interior à verdadeira e completa felicidade, que o próprio Jesus nos assegurou e preparou para além da vida e da História.
Bernadette, que compreendera perfeitamente a mensagem de Maria, tornou-se religiosa em Nevers e, estando gravemente enferma, respondia àqueles que lhe sugeriam ir à Gruta de Massabielle para ser curada: “Lourdes não é para mim!” Acometida por fortes crises de asma, respondia com simplicidade à noviça enfermeira que lhe perguntava se sofria muito: “É preciso!”
Convite à oração humilde e confiante
Enfim, a mensagem de Lourdes se completa com o convite à oração: Maria aparece em atitude de oração, quer que Bernadette reze o Rosário com seu próprio terço, pede que seja construída uma capela naquele lugar e que até ela se vá em procissão. Também esta é uma recomendação válida para sempre. Nossa Senhora de Lourdes veio nos dizer, com autoridade e bondade de mãe, que para quem quer efetivamente manter, reforçar e dilatar a Fé cristã, é necessária a oração humilde e confiante. […]
Lê-se na biografia de Santa Bernadette que ela recebeu a Primeira Comunhão na quinta-feira, 3 de junho de 1858. Foi-lhe perguntado o que mais lhe agradara: ver Nossa Senhora ou receber a Primeira Comunhão. Ela respondeu com presteza e inteligência: “Não cabe fazer comparações; sei apenas que ambas as graças me encheram de felicidade!” Desejo que também vós, irmãos e irmãs, sejais serenos, ou melhor, felizes como Bernadette, porque sustentados pela força da fé e unidos a Jesus Eucarístico e a Maria Santíssima! […]
Que Maria Auxiliadora dos Cristãos esteja ao vosso lado em todas as circunstâncias de vossa vida, para vos sustentar no caminho que a Providência traça dia após dia diante de vós, num desígnio de amor cujo desfecho será motivo de alegria por toda a eternidade. ◊
Excertos de: SÃO JOÃO PAULO II.
Homilia na Missa com os enfermos, 11/2/1987