Discorrendo sobre o importante papel das tendências e das ideias no confronto entre Revolução e Contra-Revolução, Dr. Plinio analisa o poder da Opinião Pública e a influência exercida na sociedade por aqueles que ele denomina homens-chave.

 

É possível estabelecer, a respeito da força da Opinião Pública, uma verdadeira doutrina. Inicialmente, poderíamos nos perguntar no que ela deveria consistir no Paraíso, antes do pecado de Adão e Eva. Se estes não tivessem caído, e se sua descendência houvesse continuado no Éden, existiria uma Opinião Pública? Qual seria seu valor e seu dinamismo?

Para responder a essas perguntas, algumas ponderações tornam-se necessárias.

De máximo grau de verdade a que se poderia chegar…

Como ponto de partida devemos ter presente que, no Paraíso Terrestre, o homem não estava sujeito a erro. De onde se conclui, à primeira vista, que todas as opiniões seriam iguais. E isto porque, se não o fossem, uma necessariamente deveria estar errada. Logo, imperioso era haver uma uniformidade absoluta de pensamento.

Adão e Eva sendo expulsos do Paraíso – Basílica de Santa Catarina de Alexandria, Galatina (Itália)

Entretanto, uma análise mais profunda nos mostra que essa concepção é incorreta. Dado que cada homem discerne na realidade algum aspecto de modo mais completo do que os outros, sem ser necessário dizer que o próximo esteja errado, pode-se afirmar que cada homem é mais especialmente dotado para ver uma determinada característica da criação.

Três ou quatro artistas que, diante do quadro de um grande pintor, passem a tecer comentários, embora considerem o mesmo quadro, cada qual, com a sensibilidade artística que lhe é peculiar, vê na tela um conjunto de aspectos que os outros não veem, e sente o que os outros não sentem.

Assim, numa conversa que se realizasse antes do pecado original, não haveria discussão, uma vez que ninguém estaria em erro, mas cada um opinaria para completar o pensamento do outro. A Opinião Pública sobre um determinado assunto seria, portanto, o conjunto das impressões de todos os homens a respeito daquela questão. Em outras palavras, seria o máximo grau de verdade a que os homens poderiam chegar a propósito de certa matéria.

É bem evidente que uma Opinião Pública assim concebida se constituiria, para os homens, numa autoridade extraordinária, com uma força natural imensa, e numa não menor satisfação. Segundo esta ordem de coisas, a sociedade deveria deixar-se ilustrar e guiar por ela, pois o ser humano, pela sua própria essência, foi feito para pensar e agir em função de uma Opinião Pública.

…a um consenso geral sujeito a erro

Com o pecado original, os homens tornaram-se passíveis de erro, embora tenham continuado com a tendência a se deixar governar pela Opinião Pública. Esta, por sua vez, passou também a ser sujeita a erros, de maneira que a situação do homem tornou-se dolorosa: de um lado, permaneceu com uma extraordinária vontade de concordar com a Opinião Pública; de outro, sentiu-se na obrigação de exercer um controle sobre ela.

Discordar da Opinião Pública é uma das atitudes mais desagradáveis a que o homem tem de se submeter. Suponhamos uma roda de rapazes onde cada qual se gaba das imoralidades que praticou. A certa altura, perguntam a um deles: “E você, o que fez ontem à noite?”

Se o jovem responde que foi dormir, há uma espécie de desapontamento geral: “Este sem-graça dormiu. É um bobo!” E o rapaz, que era o único com razão naquela roda e que bem poderia chamar todos os outros de celerados, não tem coragem de fazê-lo. Cala-se, porque é terrível o peso da Opinião Pública.

Situações semelhantes são difíceis de enfrentar, posto que o pensamento do próximo a nosso respeito se reveste de uma importância desmesurada. Torna-se penoso romper com o consenso geral, pois somos poderosamente influenciáveis pelas opiniões e condutas alheias.

A contagiabilidade humana nas tendências e nas ideias

Daí podemos tirar uma noção à qual daríamos o nome de princípio da contagiabilidade humana.

Imaginemos, a título de exemplo, que morássemos com o ­Cardeal Merry del Val, Secretário de Estado de São Pio X, morto em odor de santidade. Sem dúvida, a presença do ilustre e virtuoso purpurado exerceria um grande efeito sobre toda a casa em que habitássemos. Na hora do jantar, ele tomaria a cabeceira da mesa e nós, instintivamente, desligaríamos o rádio que estivesse dando o último noticiário. Ele passaria a conversar. Ninguém, é claro, teria coragem de lhe dirigir perguntas como esta: “Eminência, soube da nova anedota do português e do turco?”

Ele nem entenderia algo desse nível! Daria um tão gélido sorriso protocolar, que logo se compreenderia o erro cometido e elevar-se-ia o tônus da conversa. A este contágio de dignidade que se produziria com a simples presença do Cardeal Merry del Val, poderíamos chamar de contágio no plano das tendências.

“Desfile do regimento de infantaria”, por Alexander Pock – Museu de História Militar, Viena

Outro exemplo, na mesma linha, são os desfiles militares. Por que, para estimular o patriotismo, fazem-se paradas? À primeira vista poderia parecer que um discurso seria mais eficiente. Na verdade, não é o que acontece. Os tanques de guerra que passam, a cavalaria com seus clarins, as legiões de infantaria rufando tambores, tudo isso atrai de modo superlativo. Quando, então, troam os canhões, e começam a tocar o hino do país, todos ficam eletrizados. Dá-se o contágio pelo simples fato de contemplar o exército que desfila, assim como se daria ao ver um frade que caminha ou uma procissão que avança. Trata-se de impressões de poucos minutos, mas que marcam profundamente a alma.

Há também o contágio no plano das ideias. Se lêssemos determinado argumento num livro, acabaríamos por decorá-lo como se fosse matéria aprendida em uma aula. Entretanto, se um colega que tem sobre nós uma certa influência sustentasse aquela mesma tese, esta pareceria tomar vida e passaríamos a achá-la interessante. Ela se tornaria tão diferente do argumento lido no livro quanto uma borboleta voando é distinta de uma que se acha morta no museu de História Natural. Adquiriria outra vitalidade e outra capacidade de penetração. Essa é a contagiabilidade.

Influência entre pessoas e nos ambientes

Donde se deduz não haver fato na vida social isento de um efeito de Opinião Pública no plano Revolução e Contra-Revolução. Duas pessoas que conversam, se não tomarem cuidado, contagiar-se-ão mutuamente. É impossível dois homens se verem sem que exerçam, um sobre o outro, uma influência, por mínima que seja.

Como corolário da afirmação anterior, podemos dizer que um homem colocado em determinado ambiente, ou pratica uma reação constante para não se deixar influenciar, ou, mesmo contra a sua vontade, deixar-se-á contaminar por ele. A recíproca também é verdadeira: o ambiente irá sofrer, de sua parte, um certo contágio.

Como exemplo, citemos o rádio. Quem haveria de dizer, antes da invenção deste aparelho, que as ondas emitidas pela torre da BBC de Londres chegariam até nós e que seria possível ouvi-las somente apertando um botão? Ora, isso é uma imagem do que se passa no mundo das almas. Toda alma, por mais apagada e modesta que seja, é, em proporções maiores ou menores, uma como que torre da BBC, com ondas mais longas ou mais curtas, porém capazes de vencer longas distâncias. A questão está em detectá-las.

O princípio dos homens-chave

Essa ideia nos conduz a outro princípio, o dos homens-chave.

Há, na sociedade, alguns homens nos quais a função de irradiar é particularmente intensa. Isso se verifica em três categorias de pessoas: homens que exercem essa função por vocação divina; homens que a exercem por seu estado; homens que a exercem por capacidade pessoal.

São Francisco de Assis, por Fra Angélico – Museu de São Marcos, Florença (Itália)

Entre os primeiros tomemos, a título de exemplo, São Francisco de Assis. Narram as crônicas um fato de sua vida que, no terreno das tendências, é verdadeiramente maravilhoso.

Certa vez São Francisco convidou um de seus frades, Frei Leão, para irem pregar um sermão ao povo. Saíram do convento, percorreram várias ruas da cidade e retornaram. Na volta Frei Leão, um tanto confuso, perguntou ao Santo qual era a prédica que tinham feito, ao que ele respondeu: “O andarmos pela rua foi o sermão que pregamos”.

É precisamente a aplicação do princípio acima enunciado. Ver alguém como São Francisco, tão pobre, tão humilde, tão recolhido, tão suave, tão profundo, tão compenetrado de sua vocação, tão elevado, tão sobrenatural, equivale a ouvir uma pregação.

São João Maria Vianney – Basílica de Ars, Ars-sur-Formans (França)

Outro exemplo de homem-chave por vocação divina é São João Maria Vianney. Era pouco inteligente e de personalidade modesta. Contudo, só por vê-lo pregar no púlpito, de longe, embora mesmo sem conseguir ouvi-lo, muitos se convertiam. O Cura d’Ars pertencia a essa categoria de homens a quem Deus conferiu a missão de, sob algum aspecto, tornar translúcido o sobrenatural, de maneira que perto deles as pessoas sentem o que os Apóstolos experimentaram no Tabor junto a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Um exemplo de homem-chave por seu estado

Ao lado daqueles que por vocação divina têm essa missão, há outros que a possuem por seu estado. Os homens de uma alta categoria social, por exemplo, devem ser pessoas emblemáticas, capazes de irradiar determinadas verdades que conservem a integridade e a ordem da sociedade na qual vivem.

Grão-Duque Nicolau Nikolaevich, entre 1903 e 1904

Podemos citar o famoso caso do Grão-Duque Nicolau Nikolaevich durante a revolução comunista. Tratava-se de um homem muito alto, de rosto comprido, longo nariz e com a característica de ter a extremidade do queixo terminada por uma pera branca. Era hercúleo, eslavo vigoroso, parecendo sair das florestas, mas bem penteado e disciplinado.

Em sua época estourou a revolução bolchevista. O fantasmático, fraco e tíbio Nicolau II abdicou. As vagas da revolução estavam soltas por São Petersburgo, agitadores corriam de um lado para outro gritando ­slogans e fazendo tremular a bandeira vermelha, operários saqueavam as lojas que encontravam pela frente. O Grão-Duque Nikolaevich, ao saber dessa situação, resolveu sair de seu palácio para ir ter ao czar e hipotecar-lhe sua solidariedade. Vestiu seu uniforme repleto de condecorações, entrou numa grande limousine com seu ajudante de ordens, e se pôs em marcha. O inevitável aconteceu. A certa altura os revolucionários pararam o veículo e começaram a quebrar os vidros, tentando matar o grão-duque. Este se levantou e, de toda a sua estatura, cravou os olhos no povo, passou-lhe uma áspera descompostura, intimando-o a que se retirasse. Todos se afastaram e o automóvel chegou ao palácio imperial!

O grão-duque era um homem que tinha por dever de estado espelhar a majestade real, e sabia fazê-lo. Como militar, devia manter a disciplina, e sabia simbolizá-la, tanto assim que, sozinho, dispersou uma multidão furiosa.

Nesse sentido, cumpre dizer que todo homem deve externamente refletir a sua função na sociedade. O que o francês chama le physique du rôle – ter um físico de acordo com o papel que se desempenha – é algo a se exigir de cada pessoa. Um magistrado não pode apresentar um ar apalhaçado; se o fizer, estará traindo sua missão. Além de conhecer muito bem as leis, deve ser um homem imbuído da dignidade de seu cargo. A um militar não cabe o perfil de um janota. O sacerdote não pode ter aspecto de leigo; e nada pior do que um leigo com aspecto de padre. Cada papel social possui o seu feitio próprio, e existe um feitio para cada papel.

Homem-chave por capacidade pessoal

Há, finalmente, indivíduos que manifestam esse dom de irradiação por capacidade pessoal. Muitas vezes, somente pelo seu silêncio, pelo seu olhar, por uma meia palavra, pela sua simples presença, tais homens criam uma série de estados de espírito. Outros têm a mesma qualidade no terreno da lógica ou do sofisma: argumentam tão bem que o adversário fica esmagado pelo seu raciocínio.

São pessoas a quem Deus outorgou a tarefa de guiar os outros para o bem, dentro da própria ordem natural. E, se alguém tem essa capacidade, fica obrigado a exercê-la. 

Extraído, com pequenas adaptações, de:
Dr. Plinio. São Paulo. Ano II. N.13
(abr., 1999); p.11-14

 

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