Mãe amorosa de todos os seus filhos, procura no entanto prodigalizar uma atenção mais cuidadosa aos que mais necessitam. Eis o comovedor exemplo dado por uma santa.

 

A Santa Igreja, Mãe e Mestra dos homens, sempre primou pelo perfeito equilíbrio no tocante ao atendimento de seus filhos. A uns, procura levar à santidade pela justa utilização de seus muitos dons espirituais e materiais. A outros, chama aos mais elevados graus de virtude pela perfeita aceitação resignada de suas carências, muitas vezes dolorosíssimas.

Santa Isabel da Hungria (1207-1231) passou voluntariamente de um estado a outro e foi incontestavelmente uma “mulher forte” de que nos fala a Sagrada Escritura (Pr 31,10-29). Filha de André II, rei da Hungria, casou-se com o duque da Turíngia. Viúva aos vinte anos, renunciou a vantajosas segundas núpcias, querendo servir a Deus praticando a pobreza. Não satisfeita com os sacrifícios que se impôs nesta vida, resolveu galgar um grau a mais na escola da perfeição e passou a tratar dos leprosos.

Em seu livro História de Santa Isabel da Hungria, Charles de Montalembert, célebre escritor francês do século XIX, traçou um quadro pungente da postura sumamente materna e compassiva da Igreja Católica face à doença mais temida e repugnante, que foi a lepra.

Reproduzimos abaixo, para edificação dos leitores, a sua descrição entremeada de realismo e compaixão cristã.

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Os leprosos eram continuamente objeto da predileção de Santa Isabel da Hungria, e de algum modo até de sua inveja, pois a lepra era, entre todas as misérias humanas, aquela que melhor podia desapegar da vida suas vítimas. Frei Gerardo, Provincial dos franciscanos da Alemanha, veio um dia visitá-la. E ela pôs-se a falar longamente sobre a santa pobreza, e pelo fim da conversa exclamou: “Ah! meu Pai, o que eu quereria antes de tudo, e do fundo do meu coração, seria ser tratada em todas as coisas como uma leprosa qualquer. Quisera que se fizesse para mim, como se faz para essa pobre gente, uma pequena choupana de palha e feno, e que se pendurasse diante da porta um pano, para prevenir os transeuntes, e uma caixa, para que nela se pudesse colocar alguma esmola”.

Os doentes eram continuamente objeto da predileção de Santa Isabel da Hungria (quadro de Murillo, Hospital da Santa Caridade, Sevilha)

Representantes do peso das dores humanas

Seja-nos permitido, para explicar essas prodigiosas palavras da santa, introduzir aqui em nossa narração alguns detalhes sobre o modo pelo qual a lepra, e os desafortunados por ela atingidos, foram considerados durante os séculos católicos.

Naqueles tempos de fé universal, a religião podia lutar de frente contra todos os males da sociedade, da qual ela era a soberana absoluta; e àquela triste miséria suprema ela opunha todas as mitigações que a fé e a piedade sabem gerar nas almas cristãs. Não podendo extinguir os deploráveis resultados materiais do mal, ela sabia pelo menos acabar com a reprovação moral que podia prender-se àquelas infelizes vítimas; ela as revestia de uma espécie de sagração piedosa e as constituía como as representantes e pontífices do peso das dores humanas que Jesus Cristo viera carregar, e que os filhos de sua Igreja têm como primeiro dever abrandar em seus irmãos. A lepra tinha, pois, naquela época, qualquer coisa de sagrado aos olhos da Igreja e dos fiéis: era um dom de Deus, uma distinção especial, uma expressão, por assim dizer, da atenção divina.

“Morra para o mundo e renasça para Deus!”

Os anais da Normandia (França) contam que um cavaleiro de muito ilustre linhagem, Raoultz Fitz-Giroie, um dos valentes do tempo de Guilherme o Conquistador, tendo-se tornado monge, pediu humildemente a Deus, como uma graça particular, ser atingido por uma lepra incurável, a fim de resgatar assim seus pecados. E foi atendido. A mão de Deus, do Deus sempre justo e misericordioso, havia tocado um cristão, o havia atingido de uma maneira misteriosa e inacessível para a ciência humana; desde então havia alguma coisa de venerável em seu mal. A soledade, a reflexão, o retiro junto apenas de Deus, tornavam-se uma necessidade para o leproso; mas o amor e as preces de seus irmãos o seguiam em seu isolamento.

A Igreja soube conciliar a mais terna solicitude para com esses rebentos desafortunados de seu seio com as medidas exigidas pela saúde de todos para impedir a extensão do contágio. Quiçá não haja em sua Liturgia nada de mais tocante, e ao mesmo tempo de mais solene, do que o cerimonial denominado separatio leprosorum (separação dos leprosos), com o qual procedia-se ao afastamento daquele que Deus havia atingido, nos povoados onde não havia hospital especialmente consagrado aos leprosos. Celebrava-se na sua presença a Missa de defuntos, após terem sido benzidos todos os utensílios que lhe deveriam servir na sua solidão; e depois que cada assistente lhe tivesse dado sua esmola, o Clero, precedido pela cruz e acompanhado por todos os fiéis, conduzia-o a uma cabana isolada que lhe era designada por moradia. Sobre o telhado dessa choupana o padre colocava terra do cemitério, dizendo:

Sis mortuus mundo, vivens iterum Deo! — Morra para o mundo, e renasça para Deus!

O padre lhe dirigia a seguir um sermão consolador, no qual lhe fazia entrever as alegrias do Paraíso e sua comunhão espiritual com a Igreja, de cujas preces ele se beneficiava em sua solidão mais ainda do que anteriormente. Depois ele plantava uma cruz de madeira diante da porta da cabana, aí colocava uma caixa para receber a esmola dos transeuntes, e todos se afastavam. Apenas na Páscoa, os leprosos podiam sair de seus “túmulos”, como o próprio Cristo, e entrar por alguns dias nas cidades e aldeias para participar das alegrias universais da Cristandade. Quando morriam assim isolados, se celebravam por eles os funerais com o ofício dos Confessores não pontífices.

“É o ósculo dos leprosos que cura minha alma”

O pensamento da Igreja tinha sido compreendido por todos os seus filhos. Os leprosos recebiam do povo os nomes mais doces e mais consoladores: os “doentes de Deus”, os “queridos pobres de Deus”, os “bons”. Gostava-se de lembrar que o próprio Jesus Cristo tinha sido designado pelo Espírito Santo como um leproso: “E nós O reputávamos como um leproso” (Is 53,4); Ele tinha um leproso como anfitrião quando Maria Madalena veio Lhe ungir os pés; Ele com freqüência tomara essa forma para aparecer a seus santos sobre a terra. Acresce que foi principalmente depois das peregrinações na Terra Santa e das Cruzadas que a lepra se tinha espalhado pela Europa; e essa origem aumentava seu caráter sagrado. Uma ordem de cavalaria, a de São Lázaro, fora fundada em Jerusalém para se consagrar exclusivamente ao cuidado dos leprosos, e tinha um leproso como grão-mestre; e uma ordem feminina devotara-se ao mesmo fim na mesma cidade, no hospital Saint-Jean l’Aumônier.

Certa vez em que o Bispo Hugo de Lincoln — monge cartuxo — celebrava a Missa, admitiu os leprosos ao ósculo da paz; e como seu chanceler lhe lembrasse que São Martinho curava os leprosos beijando-os, o bispo respondeu: “Sim, o ósculo de São Martinho curava a carne dos leprosos; mas a mim é o ósculo dos leprosos que cura minha alma”. Entre os reis e os grandes da terra, Santa Isabel não foi a única a honrar Cristo nos sucessores de Lázaro. Príncipes ilustres e poderosos consideravam esse dever como uma das prerrogativas de suas coroas. Roberto, rei da França, visitava sem cessar seus hospitais. São Luís tratava-os com uma amizade toda fraterna, visitando-os no Hôpital des Quatre-Temps, e osculava suas chagas. Henrique III, rei da Inglaterra, fazia o mesmo.

Santa Isabel da Hungria – (Catedral de Lisieux, França)

Empenhavam-se em prestar aos leprosos os mais humildes serviços

A condessa Sibila de Flandres, tendo acompanhado seu marido Teodorico a Jerusalém, em 1156, passava no hospital de Saint-Jean l’Aumônier, para aí cuidar dos leprosos, o tempo que o conde empregava em combater os infiéis. Um dia em que ela lavava as chagas desses infortunados, sentiu, como Santa Isabel, seu coração sublevar-se contra tão repugnante ocupação; mas, logo em seguida, para se castigar, tomou na boca a água da qual acabava de se servir e a engoliu, dizendo a seu coração: “É preciso que aprendas a servir a Deus nesses pobres; eis teu ofício, mesmo que arrebentes”.

Mas, sobretudo, foram os santos da Idade Média que testemunharam aos leprosos um devotamento sublime. Santa Catarina de Siena teve suas mãos atingidas pela lepra ao cuidar de uma velha leprosa que ela própria quis amortalhar e enterrar; mas, depois de ter assim perseverado até o fim no sacrifício, viu suas mãos tornarem-se brancas e puras como as de um recém-nascido, e uma suave luz sair das partes que tinham sido mais atacadas. São Francisco de Assis e Santa Clara, sua nobre seguidora, Santa Odília da Alsácia, Santa Judith da Polônia, Santo Edmundo de Canterbury, e mais tarde São Francisco Xavier e Santa Joana de Chantal compraziam-se em proporcionar aos leprosos os mais humildes serviços. Freqüentemente suas preces obtinham para eles uma cura instantânea.

É no seio dessa gloriosa companhia que Santa Isabel ocupava já lugar pelos anseios invencíveis de seu coração para o Deus que ela sempre via na pessoa dos pobres.

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Aqui termina o trecho do literato-historiador. Como faz bem ouvir um testemunho tão cogente e sublime do modo como, em todos os tempos, a Igreja viu e tratou seus filhos mais desafortunados!

Ela é Mãe mesmo!

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