Que consequências traz para o mundo, e para cada um de nós, este Menino que contemplamos numa manjedoura? Entre outras, a de colocar-nos numa alternativa: ou nos deixarmos deificar por Ele, ou frustrada e orgulhosamente tentarmos nos sentar no trono de Deus por nossas próprias forças.

 

Evangelho da Missa do Dia do Natal do Senhor

No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus; e a Palavra era Deus. 2 No princípio, estava Ela com Deus. 3 Tudo foi feito por Ela e sem Ela nada se fez de tudo que foi feito. 4 N’Ela estava a vida, e a vida era a luz dos homens. 5 E a luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram dominá-la.

6 Surgiu um homem enviado por Deus; seu nome era João. 7 Ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, para que todos chegassem à Fé por meio dele. 8 Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz: 9 d’Aquele que era a luz de verdade, que, vindo ao mundo, ilumina todo ser humano. 10 A Palavra estava no mundo ― e o mundo foi feito por meio d’Ela ― mas o mundo não quis conhecê-La. 11 Veio para o que era seu, e os seus não A acolheram. 12 Mas, a todos que A receberam, deu-lhes capacidade de se tornarem filhos de Deus, isto é, aos que acreditam em seu nome, 13 pois estes não nasceram do sangue nem da vontade da carne nem da vontade do varão, mas de Deus mesmo.

14 E a Palavra Se fez carne e habitou entre nós. E nós contemplamos a sua glória, glória que recebe do Pai como Filho Unigênito, cheio de graça e de verdade. 15 D’Ele, João dá testemunho, clamando: “Este é Aquele de quem eu disse: O que vem depois de mim passou à minha frente, porque Ele existia antes de mim”. 16 De sua plenitude todos nós recebemos graça por graça. 17 Pois por meio de Moisés foi dada a Lei, mas a graça e a verdade nos chegaram através de Jesus Cristo. 18 A Deus, ninguém jamais viu. Mas o Unigênito de Deus, que está na intimidade do Pai, Ele no-Lo deu a conhecer (Jo 1, 1-18).

I – “Hoje vos nasceu um Salvador”

Em meio à penumbra, causa uma certa pena considerar a pobreza na qual repousa um belíssimo Menino. Seu berço não é senão uma simples e rústica manjedoura, desgastada pelo longo uso de incontáveis animais. Meras palhas fazem as vezes de seu colchão, um complemento da humilde faixa que O envolve.

É noite de inverno e ali estão também um boi e um burro para O aquecerem, pois o recinto, constituído de pedras brutas, mantém o frio e a umidade próprios a esta estação do ano. Se, ao visitarmos um palácio, deparássemos com semelhante cena, ela nos pareceria aberrante; entretanto, a realidade é ainda mais chocante, pois ela se passa numa agreste, inóspita e isolada Gruta.

Quem é este Menino nascido, assim, em condições tão miseráveis?

Para bem sabê-lo, bastaria afastarmo-nos dessa Gruta e percorrermos um pouco as colinas de Belém, onde encontraríamos alguns pastores exultantes de alegria, justamente à procura deste mesmo Menino. Entre múltiplas e emocionadas exclamações, eles nos diriam:

― Apareceu-nos um Anjo todo refulgente de glória; ao se aproximar de nós, essa refulgência também nos cercou. Tivemos um grande medo, mas ele nos tranquilizou, afirmando-nos que nos visitava para transmitir-nos uma notícia inédita. Na noite de hoje nasceu aqui próximo, na cidade de Davi, um Salvador. Ele é o Cristo Senhor. O Anjo nos disse que o sinal para reconhecermos bem o Menino será encontrá-Lo envolto em faixas e posto numa manjedoura. E logo depois esse Anjo subiu e se juntou a muitos e muitos outros, cantando num magnífico coro: “Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens, objeto da boa vontade de Deus”. E por isso estamos indo a caminho de Belém para ver o que aconteceu (cf. Lc 2, 8-15).

Igreja de Saint-Sulpice-de-Favières (França)

Então poderíamos retornar à Gruta para adorar o Senhor, o Rei, o Cristo Jesus. Ali reveríamos Maria e José, silenciosos e penetrados de indizível piedade, devoção, enlevo e ternura. Em imaginação, ajoelhemo-nos também e deixemo-nos penetrar por essa atmosfera de graças e bênçãos oriundas do Divino Infante.

Contemplemos sua fisionomia toda feita de paz, serenidade e brilho. Seu sorriso é cativante e seu olhar cheio de sabedoria. Ele é absolutamente incomum. Sua pele é incomparavelmente superior ao marfim e mais suave que o arminho. Sua constituição física é perfeita, as mãos, os bracinhos, as pernas, os pezinhos configuram a mais bela obra de arte jamais vista. Tudo n’Ele é tão bem distribuído que nem sequer a inteligência angélica seria capaz de imaginá-Lo. Ele move seus membros com tanta elegância, distinção e nobreza que, por vezes, esquecemos tratar-se de um bebê. Chama-nos a atenção sua enorme semelhança com a Mãe.

A essa altura de nossa contemplação admirativa, todos os aspectos de pobreza e miséria se evanesceram de nosso horizonte. Vemos agora o Esperado dos Patriarcas, dos Profetas e dos Reis, quem, muito antes de nascer, já havia sido anunciado como Emanuel, “Deus conosco” (Is 7, 14b), “Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz” (Is 9, 5). N’Ele se concentra um altíssimo mistério de sabedoria e misericórdia, conjugado com a mais alta e inesperada glorificação da natureza humana.

E nós nos recordamos das palavras de Isaías: “uma Virgem conceberá e dará à luz um filho” (Is 7, 14a).

Séculos mais tarde, sobre este nascimento, comentaria São Bernardo: “Na realidade, a Deus correspondia, com todo direito, nascer nessas condições: de uma Virgem. E convinha perfeitamente a esta Virgem um parto dessa natureza: dar à luz ao próprio Deus”.1

II – O homem arde em sede de infinito

O Natal é uma poderosa lição para nós, neste início de milênio todo perpassado de igualitarismo. Desde a saída de nossos primeiros pais do Paraíso, o orgulho humano — vício traiçoeiro e insaciável, paralelo ao non serviam de Lúcifer — sempre teve dificuldade de tolerar uma autoridade sobre si. Quando de todo consentido, leva sua vítima, num primeiro lance, a desejar uma total igualdade na distribuição dos bens, condições de existência, dons, etc. E ladinamente esconde atrás de si o desejo de ser deus, rei da criação, e de dispor desta ao seu bel-prazer. Por tal motivo o homem orgulhoso busca sem descanso o domínio sobre todos os seres que o cercam.

O delírio de ser igual a Deus, raiz da ruína humana

Essa ambição insensata, repercutindo o grito de revolta no Céu Empíreo, foi a causa do primeiro pecado sobre a Terra. A serpente não encontrou melhor argumento para levar Eva à desobediência do que prometer-lhe a igualdade com Deus: “sereis como deuses” (Gn 3, 5). Atraída por tão grande promessa, Eva não hesitou. Percebe-se, pela descrição do Gênesis, que, dentro da alma ainda inocente da mãe do gênero humano, o sonho de ser “como deus” despertou forte apetência. Eis aí a recôndita origem de nossa descida a esta Terra de exílio.

Não tardou muito para Deus ver “que a maldade dos homens era grande na Terra, e que todos os pensamentos de seu coração estavam continuamente voltados para o mal” (Gn 6, 5). O dilúvio, contudo, não corrigiu a humanidade: em pouco tempo, o homem quis construir uma torre que atingisse o céu (cf. Gn 11, 4-9). E nem sequer o castigo da confusão das línguas foi suficiente para cauterizar o delírio de ser igual a Deus. Tanto em Roma quanto na Pérsia, como na Síria, não faltaram tiranos que se fizessem adorar, construindo templos para obrigar seus semelhantes a lhes prestarem culto de latria.

Se tempo e espaço não nos faltassem, poderíamos fazer desfilar, em incontáveis páginas, os desatinos cometidos pelos homens ao longo da História, em busca dessa usurpação do trono de Deus.

Mas não é necessário remontarmos ao passado distante para analisar essa insensata tendência. Basta abrirmos os jornais ou revistas, ligarmos a televisão ou o rádio, ou entrarmos em algum ambiente de hoje em dia para avaliarmos uma das principais causas da impiedade hodierna.

Os homens vivem como se Deus não existisse; o ateísmo prático tomou conta da face da Terra. Embora pouca gente afirme que não acredita em Deus, nega-se — através dos sistemas de vida, dos modos de ser e dos costumes — a existência d’Ele. Perdeu-se o senso do ridículo relativo ao autoelogio. Onde encontrar alguém que só fale de si raramente? A egolatria atingiu extremos inimagináveis: a repetição do “eu… eu… eu…” é o centro de todas as conversas e preocupações. Assistimos de mãos atadas ao enterro de todo e qualquer idealismo, dos valores mais altos. É por esta razão que a mesma frustração que se generalizou por ocasião do dilúvio, ou após a decepção causada pela malsucedida Torre de Babel, percorre a humanidade deste terceiro milênio, levando a prognosticar que, por exemplo, a depressão nervosa se tornará a doença mais comum dentro em breve. Constará nos anais da História que todos os males de nossa atual existência se devem ao fato de os homens não terem querido dobrar os joelhos diante de Deus, por desejarem ardentemente ocupar seu trono.

Imperador Calígula – Museu do Prado, Madri

Há um modo de aplacar nossa sede de infinito

Para cortar pela raiz os pecados que por toda parte se cometem, bastaria as almas se tornarem receptivas à mensagem que, de dentro das palhas do Presépio, nos traz o Menino Deus.

A sede de infinito arde em chamas dentro de nossa vontade, e não há repouso verdadeiro para nós fora de Deus, como afirmava Santo Agostinho.2 E foi Ele próprio quem criou esse anseio, para nos facilitar a procura do Absoluto. Todavia, jamais conseguiremos atingir essa plenitude, à qual aspiramos com tanto vigor, se estivermos apoiados apenas em nossas forças. É um paradoxo, diria alguém. Por que terá querido Deus acender labaredas de desejos irrealizáveis em nossos pobres corações, uma vez que não temos meios para realizá-los? Tratar-se-á de uma atitude pouco ou nada paternal d’Ele?

Jamais! Deus é a Bondade em essência. Ele quer muito nos fazer “deuses”… não através de uma orgulhosa e igualitária revolução de nossa parte, mas por meio da humildade, submissão e amor. Essa difusão exuberante do bem, nós a constatamos até na própria obra da criação. O Sol não se cansa de nos enviar seu calor; as águas de nos fornecerem os peixes; a terra, seus frutos, etc. E sempre de forma superabundante. São seres minerais, vegetais, animais que, se fossem passíveis de felicidade, exultariam por entregar-se ao serviço dos homens. E esse não é senão um pálido reflexo da infinita bondade do Criador, que para resgatar-nos do pecado e reconciliar-nos com Ele, resolveu que seu Verbo Se encarnaria, entregando sua vida até a última gota de Sangue: “E a Palavra Se fez carne e habitou entre nós”.

Eis aí a solução de um problema de milênios: Deus realiza o que por nossas puras forças era impossível. Jamais poderíamos nos igualar a Deus por nossos próprios meios, por isso Ele mesmo Se reveste de nossa carne e nasce Divino Infante: Deus é Homem, e, n’Ele, o homem é “deus”!

É este o “magnum mysterium” que os coros cantam na noite de Natal:

O magnum mysterium, et admirabile sacramentum, ut animalia viderent Dominum natum, iacentem in Præsepio. Beata Virgo, cuius viscera meruerunt portare Dominum Iesum Christum. Alleluia Ó grande mistério e admirável sacramento, os animais verem o Senhor nascido, deitado no Presépio. Bem-Aventurada a Virgem, cujas entranhas mereceram trazer o Senhor Jesus Cristo. Aleluia”.

Tão extraordinária é a magnitude deste acontecimento que constitui um dos principais mistérios de nossa Fé.

O poder de nos tornarmos filhos de Deus

E tal maravilha não produz seus efeitos apenas nos restritos limites da manjedoura ou da Gruta de Belém; eles chegam até nós. Entremos em qualquer igreja e aproximemo-nos do batistério. Ali se encontrará, talvez, uma criança aguardando o miraculoso momento de renascer pela água. O pecado e as trevas são sua herança, a maldição de Deus a acompanha. Ao lhe ser administrado o Sacramento, a graça a pervade por inteiro, as virtudes e os dons se lhe instalam na alma, e ela, que era até então mera criatura, torna-se filha de Deus, tabernáculo vivo da Santíssima Trindade, herdeira do Céu. Numa palavra, ela é divinizada: “De sua plenitude todos nós recebemos graça por graça. Pois por meio de Moisés foi dada a Lei, mas a graça e a verdade nos chegaram através de Jesus Cristo”.

No entanto, até onde chega esta “plenitude de graça”? O Evangelho de hoje nos responde: “Mas, a todos que A receberam, deu-lhes capacidade de se tornarem filhos de Deus, isto é, aos que acreditam em seu nome, pois estes não nasceram do sangue nem da vontade da carne nem da vontade do varão, mas de Deus mesmo”.

O renomado teólogo do século passado, padre Antonio Royo Marín, assim se expressa sobre esta matéria: “Em virtude desse enxerto divino, a alma se torna participante da própria vida de Deus. Trata-se de uma verdadeira geração espiritual, um nascimento sobrenatural que imita a geração natural, e lembra, por analogia, a geração eterna do Verbo de Deus. Em uma palavra: como diz expressamente o Evangelista São João, a graça santificante não nos dá apenas o direito de nos chamarmos ‘filhos de Deus’, pois na realidade nos faz tais: ‘Considerai com que amor nos amou o Pai, para que sejamos chamados filhos de Deus. E nós o somos de fato’ (I Jo 3, 1). Inefável maravilha que pareceria incrível se não constasse em termos explícitos na divina Revelação!”.3

Batismo – Mosteiro dos Jerônimos, Lisboa

Ele Se fez igual a nós para nos tornar iguais a Ele

E estendendo-se mais sobre o mesmo assunto, o menciona­do teólogo, de saudosa memória, chega a afirmar: “A dignidade de uma alma em graça é tão grande que diante dela se desvanecem como o fumo todas as grandezas da Terra. Que significa o ‘sangue azul’ ou o ‘sangue real’ ante um mendigo coberto de farrapos, mas que leva em sua alma o infinito tesouro da graça santificante? Todas as grandezas da Terra não passam de nada e miséria, dado que logo terminarão com a morte. A grandeza de uma alma em graça, ao contrário, ultrapassa infinitamente as fronteiras do tempo e a esfera de todo o universo criado, para alcançar, em seu voo de águia, Deus mesmo, na sua própria razão de divindade, ou seja, tornando-se semelhante a Ele tal como é em Si mesmo. Por isso, a menor participação da graça santificante vale infinitamente mais que a criação universal inteira, ou seja, que todo o conjunto dos seres criados por Deus, que existiram, existem ou existirão até o fim dos séculos.

“São Tomás não vacila em escrever: ‘O bem sobrenatural de um indivíduo supera e está por cima do bem natural de todo o universo: bonum gratiæ unius maius est quam bonum naturæ totus universi’ (I-II, 113, 9 ad 2)”.4

Ele Se fez um de nós, igual a nós, para que pudéssemos ser d’Ele, iguais a Ele. É possível dar à criatura humana bem maior? É evidente que não. Por conseguinte, devemos empreender todo e qualquer esforço para evitar uma revolta contra o Menino que adoramos na noite de Natal. É indispensável, dentro dos limites de uma santa reciprocidade, entregarmo-nos inteiramente a Ele. Aceitemos com entusiasmo o convite que Ele nos faz, amemos a perfeição, abracemos a via aqui indicada e sejamos tais como Ele é. Possamos, assim, gozar da felicidade eterna.

Compete-nos escolher: por Cristo ou contra Cristo

Não obstante, por incrível que pareça, este convite foi, é e será rejeitado por muitos, levando-os à perdição. Por sua aceitação, porém, um grande número alcançará, em glória, a ressurreição: “Eis que este Menino está destinado a ser uma causa de queda e de soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser um sinal que provocará contradições” (Lc 2, 34). Como se poderia explicar tão imenso paradoxo? Este Menino dirá mais tarde, ao longo de sua vida pública, que veio para salvar (cf. Jo 12, 47). Por que então profetizou o velho Simeão que Ele seria um sinal de contradição?

Não é muito difícil desfazer esta perplexidade se nos detivermos na afirmação de Nosso Senhor no Evangelho: “Quem não está comigo, está contra Mim” (Lc 11, 23). Há aqui uma clara referência aos dois únicos partidos existentes no mundo: os de Cristo e os contrários a Cristo. Ele não nos fala de uma terceira posição: non datur tertius. Ou se é por Cristo, ou contra Cristo. Enquanto o Verbo não Se encarnara, ainda não tinha havido uma clara manifestação da Verdade, do Bem e do Belo de forma indiscutível. A partir de seu nascimento em Belém, foi destruída a possibilidade da indiferença em face de Deus, pois ali Se encontrava o próprio Deus feito Homem. Diante de tal esplendor, ou nós nos entregamos de corpo e alma, ou teremos abraçado a oposição. Com efeito, não querer ser divinizado pelo auxílio da graça, para deixar-se levar pelo gozo fruitivo e passageiro do pecado, estabelecendo-se estavelmente nessa via, é tornar-se inimigo de Cristo.

A renúncia a ser “deus”, ninguém a faz. Uns são do partido de Cristo e amam, na humildade de sua contingência, essa divinização. Outros a ambicionam por suas próprias forças e a querem atingir, em sua orgulhosa pretensão, julgando-se seres em evolução rumo a se transformarem em necessários e absolutos.

Neste mundo atual, no qual é grande a difusão dos vícios, crimes e pecados, nós nos perguntamos: quem será de Cristo na sua integridade?

Esta interrogação tem todo o propósito, uma vez que o Evangelho de hoje nos diz: “Veio para o que era seu, e os seus não A acolheram”. Será que nosso tempo recebe este Menino, o qual essencialmente é a Inocência, a Pureza e a Retidão? Recebê-Lo significa aderir a Ele, compreendendo-O no amor e na prática da Lei, pois não basta dizer “Senhor”, é preciso fazer a vontade do Pai (cf. Mt 7, 21). Ora, o orgulho e a sensualidade, que num verdadeiro processo vêm corroendo a humanidade há séculos, estão agora produzindo seus mais amargos e maléficos frutos, num mundo que assiste abobado e indiferente ao desaparecimento da família, da inocência, da castidade e de tantas outras virtudes. Os piores horrores morais vão sendo oficializados por uma crescente cadeia de governos. A Lei de Deus vai sendo contestada e substituída por decretos humanos ateus, relativistas e ilícitos. As modas, num afã irrefreável de atingir o sonhado nudismo, preferem hoje o rasgado, o excêntrico e o sujo real ou aparente. A feiura rouba o lugar da beleza, a maldade expulsa a doçura do convívio social, a mentira se ufana e despreza a verdade. Pode-se afirmar que este mundo recebe Jesus?

Seria sensato se o mundo atual interrogasse a História para saber como Deus Se comporta com seus inimigos, com aqueles que abusam de sua misericórdia, revoltando-se contra seus preceitos. Já no início da criação vemos o destino de Lúcifer e seus sequazes, ou as amargas consequências da desobediência de nossos primeiros pais. Diz-nos a Escritura que Deus começa por rir daqueles que O afrontam e termina por condená-los (cf. Sl 2, 4-5).

Apresentação do Menino Jesus no Templo, por Fra Angélico – Museu do Prado, Madri

III – Jesus visa à salvação de todos

Quem, portanto, receberá o Menino que nasceu nesta noite? Os justos, homens e mulheres, que se mantêm fiéis à Lei, amantes da Verdade, do Bem e do Belo, aqueles que não dobram seus joelhos diante de Baal. Quantos serão eles? Não importa seu número. Serão poucos ou serão muitos, dia virá em que assistirão ao triunfo de Jesus em “sua glória, glória que recebe do Pai como Filho Unigênito, cheio de graça e de verdade”.

Ele não deseja a condenação de ninguém (cf. I Tim 2, 4). Desde sua Encarnação sempre visou à salvação de todos, e essa é sua disposição na manjedoura. É a malícia dos homens que O levará a gemer no Horto das Oliveiras, como a Se perguntar: “Quæ utilitas in Sanguine meo?” (Sl 29, 10). É o mau uso que fazemos de nosso livre-arbítrio que nos lança à infelicidade eterna.

Assim, “a todos os que A receberam, deu-lhes capacidade de se tornarem filhos de Deus”. Este será o verdadeiro sentido das palavras de Nossa Senhora em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”. 

 

Notas

1 SÃO BERNARDO. De laudibus Virginis Matris. Homilia II, n.1. In: Obras Completas. 2.ed. Madrid: BAC, 1994, v.II, p.615.
2 Cf. SANTO AGOSTINHO. Confessionum. L.I, c.1, n.1. In: Obras. 7.ed. Madrid: BAC, 1979, v.II, p.73.
3 ROYO MARÍN, OP, Antonio. Somos hijos de Dios. Madrid: BAC, 1977, p.21.
4 Idem, p.18.

 

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Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, é fundador dos Arautos do Evangelho.

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